“O mundo está
perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa
dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)
Encerra-se uma década de José Mariano Beltrame à
frente de uma secretaria das mais problemáticas do país: a SSP/RJ. Não foi
pouco tempo, mas talvez tenha sido mínimo em relação à gravidade do banditismo
do tráfico que assola como calamidade social o RJ, esta que se reporta à década
de 80, época em que os fuzis estrangeiros começaram a pousar nas favelas da
capital. Disso eu posso falar porque o primeiro deles, um Fuzil AR-15, versão
civil do M.16, Cal. 223mm, fabricado pela Colt norte-americana para a Guerra do
Vietnam, foi apreendido em 1989 na favela de Acari por guarnições do nono
batalhão sob meu comando. O autor da façanha foi o então Cabo PM Wilton Elias
da Cunha, ainda hoje na ativa como subtenente PM, servindo no CEFAP. Excelente
combatente, ele desconfiou de uma terra remexida num pequeno lote ainda não
ocupado, cavou com as mãos e deparou com a peça ainda sem uso, envolta em papel
celofane e protegida com graxa — como saída de fábrica. Depois ele encontrou
farta munição por perto.
Na época, reclamei na grande mídia que não dava para a
PMERJ, — armada de revólver .38, escopeta calibre 12 mm e metralhadora INA
adaptada de 45mm para 9mm, armas fabricadas aqui e obsoletas, — não dava para a
PMERJ enfrentar bandidos com armamento tão sofisticado como o AR-15. Como a
apreensão gerou notícia até no New York Times, a polêmica apreensão tomou de
assalto a mídia tupiniquim, em especial porque eu declarei não ter cabimento
essas armas entrarem pelas fronteiras brasileiras para matar policiais no Rio
de Janeiro. Enfim, sem ser oráculo ou adivinho, profetizei esta desgraça que se
vê hoje: numerosos bandos de traficantes armados com fuzis fabricados mundo afora,
com destaque para o AK-47, russo, arma de altíssimo poder letal que conta
ainda, muitas vezes, com luneta de longo alcance. Eis então o que Beltrame
encontrou ao chegar: uma nítida superioridade do banditismo em relação à
polícia como um todo, sendo a PMERJ a mais sacrificada por estar diuturnamente
na linha de frente e sendo mais atacada que atacando, sendo mais surpreendida
que surpreendendo, enfim, em inferioridade de forças, mesmo com todo o seu
efetivo empenhado no extenso ambiente geral do RJ.
Por conta desse cenário caótico, a PCERJ invadiu o
Complexo do Alemão no início do primeiro desgoverno do senhor Sérgio Cabral,
ocasião em que morreram 19 suspeitos de envolvimento com o tráfico. Ante a
realidade do fato, Cabral veio à linha de frente e declarou com veemência: “É
enfrentamento mesmo!”, Em seguida, no vácuo da valentia governamental, Beltrame
disparou a frase atribuída à esposa de um escritor russo assassinado por
Stálin: “Não se pode fazer omelete sem quebrar ovos.” Estava declarada a senha
governamental, a polícia iria ao combate com todo o seu mirrado poderio em
relação aos bandidos, que floresceram em armas, dinheiro e drogas nos dois
períodos de brizolismo no RJ, época em que a polícia se viu impelida pelo
ferrão disciplinar a recuar, inclusive com ordem de não invadir favelas nem
fazer sobrevoar sobre elas seus helicópteros. Essa dubiedade permaneceu nos
governos seguintes até chegar a Cabral e à cena verbal descrita no calor dos corpos
de 19 meliantes tombados em confronto com a PCERJ.
Mas as pressões das ONGs alienígenas e tupiniquins
aumentaram de tal modo que o governador e seu secretário passaram um tempo
baratinados, sem saber que rumo tomar, até que a sorte soprou seus ventos
favoráveis a partir do Morro Dona Marta: uma casual ocupação da favela por
guarnições do 2º BPM para garantir a visita do governante a uma creche fechada
fazia um ano, porque os traficantes impediram seu funcionamento. Como se
tratava de comunidade pouco povoada e territorialmente pequena, não foi difícil
ao batalhão afastar os bandidos e ocupar totalmente o terreno, permitindo assim
a visita do governante com seu secretário; e este, percebendo que a ocupação
ficou melhor que a encomenda, decidiu manter na favela, por tempo
indeterminado, a tropa de rua do 2º BPM, “pacificando” a localidade favelada da
Zona Sul. Emblema melhor não haveria de haver, só faltava transformar a ideia,
mais que batida no âmbito da operacionalidade da PMERJ, em programa permanente.
Como eles mesmos alardearam: um “programa de estado”... Assim, ao acaso dos
ventos fortuitos, o governante Sérgio Cabral “descobriu a pólvora”, logo batizada
como “Unidade de Polícia Pacificadora” (UPP). Que sorte!...
Sim, que sorte! Pois já apontavam no horizonte a Copa
do Mundo e as Olimpíadas, eventos bilionários e de alto interesse da Grande
Mídia, em especial do Sistema Globo. Bem, deixando de lado os concertos de
bastidores, as UPPs foram abençoadas pela mídia global e por estudiosos sempre
por ela ouvidos, tudo já gravado em partituras antigas. Assim o secretário
tornou-se herói nacional e quiçá internacional, ampliando-se as operações
aparatosas nos complexos favelados notabilizados por homiziarem lideranças das mais
poderosas facções criminosas (Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, dentre
outras comunidades emblemáticas como Favela da Maré e Cidade de Deus). E havia,
sim, no início, a máxima empolgação, com a mídia elegendo os primeiros recrutas
como “incorruptíveis e sem vícios”, tais como os “Trezentos de Beltrame”, em alusão
aos de Esparta. Porém, antes mesmo de os eventos se iniciarem os problemas de
interação já eram sentidos, com a mídia fingindo não vê-los ou minimizando-os
ante a opinião pública. Assim se criou a falsa impressão de segurança que se
desmascararia a partir do assassinato de uma PM Fem no Complexo do Alemão,
abrindo caminho para sucessivas mortes de capitão, de tenente, de sargentos, de
cabos e de soldados em comunidades com UPPs.
Mesmo assim, a mídia sustentou a falsa sensação de
segurança, os eventos aconteceram, os bilhões de dólares foram aos cofres e a
cortina da realidade finalmente descerrou: as UPPs não são o que apregoaram,
não houve a prometida “invasão social” e Beltrame se viu só e abandonado.
Se não bastasse, veio a crise a desonrar compromissos
com os policiais civis e militares ante as metas por eles alcançadas sem a
contrapartida dos prêmios financeiros. Foi demais da conta, Beltrame cansou-se
das promessas não cumpridas e pediu pra sair. Fê-lo, sim, em hora certa, pois o
futuro é incerto e não sabido, e não seria justo ele ter de bancar até o fim pessoas
que o deixaram no meio do caminho. Que tenha ele sorte na vida e que o novo
secretário, agora com a batata pelando nas mãos, seja bem-sucedido, e a
sociedade, enfim, goze uma real segurança ou pelo menos enfrente a real
insegurança garbosamente, como sempre crendo em dias melhores. No fim de
contas, a esperança é a última que morre!
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