JORNAL EXTRA
- 19 mai 2016
- Extra
- Rafael Soares rafael.soares@extra.inf.br
BELTRAME: ‘TEM GENTE DA PM QUE NÃO QUER A UPP’
Ele diz que números dos crimes estão ‘péssimos’ e garante que não há outra alternativa para o Rio além da pacificação.
Um aspecto forte é a desmotivação dos policiais, que não recebem em dia. Uma maioria (de policiais) quer (UPP). Mas tem gente que faz corpo mole. No Juramento, a população está à mercê de dois imperadores.
José Mariano Beltrame está preocupado. Segundo avaliação do próprio
secretário de Segurança do estado do Rio, os indicadores de segurança de abril,
que ele recebeu esta semana do Instituto de Segurança Pública (ISP), estão
“péssimos”. Em relação a abril do ano passado, os homicídios dolosos (com
intenção de matar) aumentaram 38,9% e os roubos de rua, 29,4%. Já é o terceiro
mês seguido de piora nos principais índices. Em seu gabinete no Centro
Integrado de Comando e Controle, na Cidade Nova, Beltrame afirmou, em
entrevista ao EXTRA, que a polícia está desmotivada pelos atrasos nos
pagamentos dos agentes, reconheceu “problemas” nas Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) e reclamou que “tem gente na PM que não abraçou” as UPPs.
Beltrame culpa crise econômica,
falta de investimento social e até de iluminação por criminalidade.
Os principais indicadores pioraram no estado. Por quê?
A crise econômica atingiu bastante a segurança. Tivemos uma diminuição de
efetivo policial sem o pagamento do RAS (Regime Adicional de Serviço), de 300 a
400 homens a menos por dia. Quase um terço da frota da Polícia Civil não sai
para as ruas por economia de combustível. Mas um aspecto forte é a desmotivação
dos policiais, que não recebem em dia, não receberam o 13º, pararam de receber
o RAS e estão há três semestres sem receber pelo sistema de metas. Isso faz uma
diferença enorme.
Há problemas de gestão nas polícias?
Claro que tem. Numa série de lugares, tínhamos um olhar, agora temos que ter
outro. Os números aumentaram muito em São Gonçalo, Queimados, Rio das Ostras,
Campos. São Gonçalo sempre foi um problema, mas agora extrapolou. Mas nesses
outros lugares, vamos ter que mudar nossa estratégia de policiamento. Não vão
mudar as pessoas, mas vamos olhar de forma diferente. Nesse momento,
representantes das polícias Civil e Militar estão reunidos para estancar esse
pico nos indicadores.
Tiroteios são diários em áreas com UPPs, sete anos depois do início do
projeto. Por quê?
Nós temos lugares com problemas. Fizemos trabalhos recentes no Jacaré, no
Chapéu-Mangueira e na Providência. Nos dois últimos, a situação está
controlada, mas ainda há traumas do nosso trabalho ali. Mas vou te dizer algo:
se ninguém persuadir a juventude, deixar a juventude ocupada, se outros poderes
não entrarem ali, esses problemas vão voltar, tudo vai acontecer de novo.
Há três semanas, o EXTRA mostrou que dois terços dos tiros dados pela
polícia em áreas consideradas pacificadas são de fuzil. Por que essa situação
se mantém?
Não vou garantir que não vai ter fuzil nessas áreas. Não há como dizer isso.
Não há como dizer que não vai ter tiro no Alemão, na Rocinha, no Fallet. O que
há é a falta de PMs em certos lugares. Temos carência de policiamento em
algumas UPPs, mas vamos tentar recuperar com a formatura dos praças que estão
no curso de formação.
Mas não tem como dizer que não vai ter mais arma nesses
lugares. O senhor acredita que a polícia não realiza alguns projetos propostos
pela secretaria?
Eu acho que pode acontecer. Qualquer instituição tem grupos.
Não é toda a PM que abraçou o projeto das UPPs. Tem gente na PM que não quer
UPP. Uma maioria, que já subiu morro, que já trocou tiro, que já enterrou
companheiros, quer. Mas tem gente que faz corpo mole. Isso acontece em todo
serviço público, mas acaba prejudicando a polícia e o serviço. Quanto maior a
união, melhor o resultado.
O senhor ainda acredita nas UPPs? Acha que o projeto sobrevive ao seu
período na secretaria?
Acredito, porque o Rio não vai ter outra alternativa, a não ser sedimentar
esse programa. Só se, algum dia, esses locais também passarem a ser amplamente
patrulhados. Enquanto esses lugares não forem abertos, o Rio não tem outra
alternativa a não ser ocupar essas áreas com a polícia e com serviços.
Em entrevista recente, o senhor disse que “prender não adianta mais”. O que
adianta, então?
Fazer com que as penas tenham caráter exemplar. O que adianta é o preso
passar por processos de ressocialização que realmente socializem. A prisão não
impõe mais respeito. É difícil falar isso. Vão falar que o Beltrame está
tirando a responsabilidade dele. Absolutamente. O que eu estou vendo é que a
gente prende pessoas, e o crime aumenta proporcionalmente ao número de prisões.
Algo está errado. As pessoas dizem: “A polícia não funciona”. Mas temos
resultados operacionais até bastante altos. Isso não está bastando.
A menos de três meses das Olimpíadas, há uma guerra de facções na Zona
Norte. É possível impedir isso?
É muito difícil, porque é um problema ideológico das facções. A ocorrência
desse tipo de coisa é só mais um motivo para continuarmos com o projeto das
UPPs. O Playboy (Celso Pinheiro Pimenta, ex-chefe do tráfico do Complexo da
Pedreira, morto em 2015) fez o que fez em área que não era pacificada. O
programa não pode parar, mesmo que ainda se tenha o tráfico. Sempre disse que o
tráfico não era o nosso problema. Nosso problema é a ostensividade obscena das
armas, que, de certa forma, estamos neutralizando. No Juramento, a população
está à mercê de uma luta de dois imperadores, o estado não está lá.
Na semana passada, o senhor prometeu como solução para a quantidade de
assaltos na Linha Amarela algo que já havia proposto em 2010. Por quê?
O projeto Garupa fui eu quem trouxe para o Rio. Trouxe policiais de Goiás,
onde o projeto existia, para o Rio, comprei as motos. Mas o que aconteceu: com
seis motos rodando 12 horas por dia, muitas motos não estão em condições de
circular. Agora, estou arrumando essas motos, comprando outras e 20
motociclistas estão sendo capacitados para ficar na Linha Amarela. Além disso,
eu fui ao local onde a Ana Beatriz (Frade) foi morta. Ali é um breu, o mato é
alto. Infelizmente é assim, no Rio é assim, tem esses lugares que propiciam que
isso aconteça.
Os números ruins dos últimos meses desmotivam?
Não estou aqui para aparecer, para sair como vitorioso. Estou aqui porque
acredito no que eu faço. O que fizemos melhorou a vida das pessoas. Estamos
enfrentando problemas muito sérios. Se encararmos esses nove anos como um
filme, para mim o filme é muito bom. Mas se você pegar só as fotos, só alguns
momentos, você vai pegar fotos ruins. A foto de hoje é ruim.
MEU COMENTÁRIO
Existe uma
lógica na Teoria Geral da Administração que se resume a um só vocábulo:
participação. A administração contemporânea venceu muitas fases, desde a famosa
“Teoria X”, onde o trabalhador era um autômato, até chegar ao homem mais participativo,
que alguns estudiosos chamam de “Teoria Y”, e, finalmente, alcançar o ideal da
participação, que é a “Teoria Z”.
As UPPs,
teoricamente, poderiam ser talvez situadas como mera tentativa de tornar a
PMERJ uma organização pautada na “Teoria Z”. Mas quando se fala em organização
(coisa), há de se falar nas pessoas como o centro de tudo: estrutura, tecnologia,
ambiente, tarefa e competitividade. Enfim, não se trata de equação simples e
não se alcança esse ideal pautado na “Teoria Z” mediante ordem vertical manu
militari e fim de papo. Fala-se aqui de Planejamento Estratégico, que, por
sinal, nunca houve em se tratando de UPPs. Porque estas, na verdade, derivaram do
acaso de uma que deu certo no Morro Dona Marta. O resto foi consequente da onda
midiática interessada em faturar seus bilhões com a Copa do Mundo e as
Olimpíadas.
Mas o
tempo, indiferente, empurrou a realidade e acuou a fantasia. E, acuada, tenta
agora os fantasiosos dissonar seus fracassos pondo o foco na própria PMERJ que
fez das tripas coração para atender aos caprichos dos inventores de UPPs. Ora,
lamento pelos mortos em favelas ditas “pacificadas”! Lamento pelo esforço vão
de muitos abnegados PMs que ainda enfrentam a desproporcionalidade de suas
forças em confronto com traficantes mais numerosos e bem armados, donos reais
de um desconhecido terreno em que os PMs patrulham tais como patrulhavam os
soldados norte-americanos nas selvas vietnamitas, até que esbarravam com a
morte em armadilhas ou tocaias. Morriam como patos numa lagoa e perderam a
guerra para os vietcongs, assim como os nossos bravos PMs perdem a guerra para
os traficantes-guerrilheiros-urbanos.
Como
esperar que um programa feito nas coxas desse certo, por maior que fosse a
nossa torcida, mas apenas em consideração aos nossos companheiros PMs? Como aplaudir
os fracassados na insistência do fracasso, já que a mídia insana não lhes
permite nenhum recuo, pelo menos até haver as Olimpíadas? Como evitar que
morram mais PMs como patos na lagoa aberta?... Não há como, as mortes de PMs continuarão,
as balas perdidas acharão corpos inocentes, e a entropia um dia fará cessar
tudo, claro que sem atingir os mentores e autores do fracasso, que, como
brilhantemente disse nosso eterno comandante-geral Wilton Soares Ribeiro em seu
blog, sairão de fininho assobiando uma canção gauchesca...
Como
imaginar em funcionamento a “Teoria Z” numa corporação tratada na base do
chicote da “Teoria X”? Ora, não há como!...
http://www.rhportal.com.br/artigos/rh.php?idc_cad=tqdymvk42
3 comentários:
Análise perfeita caro amigo Cel Larangeira. São é muito cínicos. Se fala 10% do que falou a respeito da gloriosa Policia Civil, esta hora já estaria acuado, processado e com texto de pedido ostensivo de desculpas girando nas rotativas. Lamentável, extremamente lamentável. A Rainha das Ruas, vai sobreviver, como sempre, mas com marcas profundamente dolorosas e totalmente desnecessárias. Sellvva !!!
Perfeito, compadre. Colocar a culpa na PM é desonrar as centenas de PMs mortos nessa aventura macabra.
Emir disse:
As explicações do Beltrame me lembra a "sabedoria das velhinhas" de Nietzsche, em sua obra Para Além do Bem e do Mal: "[...] Pequenas e grandes manhas e artifícios, cheirando a velhos remédios caseiros e sabedoria de velhinhas. Todas elas barrocas e irracionais na forma, porque se destinam a 'todos', porque generalizam onde não se deve generalizar, falando todas de um modo incondicional, tornando-se elas próprias absolutas, todas elas não só temperadas com um grão de sal, mas apenas suportáveis, e por vezes até sedutoras, quando passam a deitar um cheiro exageradamente condimentado e perigoso, a cheirar principalmente o 'outro mundo' [...] esperteza, esperteza, esperteza, misturada com estupidez, estupidez, estupidez[...]."
Cá entre nós, se o velho Chico Anísio fosse vido mandaria um recado tragicômico de sua madame gaúcha para o "presidente" exaltando o seu "filho" secretário. Rsrs
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