Coluna do
Augusto Nunes
05/03/2016
às 20:25 \ Opinião
Publicado na versão impressa de VEJA
O ex-presidente Lula perdeu a batalha mais importante de sua vida. Tem
pela frente, ainda, um demorado tiroteio nas altas, médias e baixas cortes da
Justiça Penal brasileira. Mas não tem mais esperanças de sobreviver a uma
doença para a qual não existe cura conhecida: a destruição de sua força moral.
Trata-se do conjunto de atributos que realmente separa os homens, e mesmo as
nações, em matéria de sucesso ou fracasso, e ao qual se costuma dar o nome
genérico de caráter. Sabe-se desde sempre o que entra nesse conjunto. Entram aí o valor da palavra dada, a reputação, o respeito aos outros e
a si próprio, a capacidade de transmitir confiança. É a força que faz uma
pessoa falar e ser naturalmente acreditada. É a coragem para assumir
responsabilidades, enfrentar momentos adversos, não abandonar os amigos em
dificuldade. É o exercício da honestidade e da integridade comuns. Em suma, é o
que na linguagem do dia a dia se chama de “vergonha na cara” ─ ou honra
pessoal. Muito mais que fama, força ou riqueza, é o que realmente faz a
diferença. Fará toda a diferença para Lula. Sua batalha está perdida porque ele
perdeu o bem mais precioso que poderia ter ─ a força moral decisiva para
tornar-se alguém que valha a pena como pessoa e como homem público.
Hoje, vivendo
acuado num prédio de escritórios do bairro paulistano do Ipiranga, com suas
despesas pagas por magnatas, cercado não pela massa dos pobres que diz ter
salvado, mas por negociantes de “marketing”, burocratas do PT, parasitas
variados e uma armada de advogados que pouquíssimos brasileiros poderiam pagar,
Lula está só. Do povo, nem sinal. O homem que tanto menosprezou os adversários
falando de sua popularidade de 100% não pode ir a um campo de futebol ─ nem ao
estádio do Corinthians, em Itaquera, cuja construção impôs para a Copa do Mundo
de 2014, da qual não conseguiu assistir a um único jogo. Não pode ir jantar um
frango com polenta em São Bernardo. Não pode ir a uma loja, comer um pastel de
feira ou andar sem a proteção de um regimento de seguranças. Não pode ir ao
infeliz sítio de Atibaia que tanto frequentou até faz pouco, e no qual
empreiteiros amigos socaram uma fortuna em reformas ─ nem, menos ainda, a esse
amaldiçoado tríplex do Guarujá. Não pode, no fim das contas, sair à rua ─ e,
como se fosse um castigo, não pode gastar livremente no próprio país os milhões
de reais que ganhou fazendo palestras para construtoras de obras públicas e
outros colossos da elite empresarial brasileira. Que líder de massas é esse?
Aos 70 anos de idade, Lula veio acabar metido na situação contrária à que
Guimarães Rosa descreve num conto particularmente genial de sua vasta coleção
de contos geniais, o Burrinho Pedrês. Como se lembram os leitores da história,
o modesto burrinho sabia uma coisa mais importante que todas as outras, para
quem, como ele, tinha sido sorteado com uma vida difícil ─ jamais entrava em
lugar algum de onde não soubesse como sair depois. O ex-presidente entrou com
tudo. Agora precisa sair, mas não sabe onde está a saída.
É certo que Lula
não será ajudado, nessa procura por um caminho capaz de tirá-lo do buraco, por
nenhuma das manobras que vem utilizando há trinta anos para dar a volta em seus
problemas. A causa verdadeira do colapso que vive hoje é o fato de ter entrado
em estado de coma moral ─ e isso não se resolve chamando um gerente de
propaganda para bolar comerciais de TV, da mesma forma que “imagem”, por mais
esperteza que se empregue em sua criação, não substitui caráter. Também não
adianta gastar dinheiro com advogados que passam o tempo armando chicanas processuais
e outros truques destinados a impedir que se julgue o mérito real dos fatos
alegados contra ele; isso pode funcionar como estratégia de fuga, mas não cria
valores em cima dos quais se consiga construir uma reputação. Não é possível
sair do lugar em que o ex-presidente se enfiou distribuindo camisetas
vermelhas, fretando ônibus e pagando diárias, sempre com dinheiro público, a
milícias que se apresentam como “movimentos sociais”. Dá errado, cada vez mais,
continuar atirando em Fernando Henrique Cardoso ─ isso para ficar apenas no
alvo que se tornou sua ideia fixa ─ na esperança de provar que “todo mundo é
igual”; quanto mais tentam fazer a comparação, mais chocantes ficam as
diferenças de conduta entre os dois. Enfim: tem-se tentado de tudo, e nada dá
certo. Continuará assim, pois nada altera a pane central que existe nessa
história: Lula não é o homem que diz ser. Também não é o que seus admiradores,
de boa-fé ou por interesse, acham que seja.
A desmontagem da
estrutura ética do ex-presidente está sendo feita unicamente através de fatos,
não de alegações; e são fatos que não precisam mais ser provados, pois todas as
provas já foram exibidas e confirmadas. Mais: nenhum deles, até agora, foi
apresentado ao público brasileiro pela oposição, que se limita a acompanhar sua
divulgação na imprensa e fazer o mínimo possível de comentários.
A derrota, enfim,
não veio por causa de nenhuma batalha dessas que fazem tremer a terra ─ nada de
Waterloo, ou de invasão da Normandia no Dia D. Tudo veio acabar em mesquinharia
e pequenez, nas miudezas miseráveis da reforma de um sítio de segunda linha,
nas 200 caixas de mudança da “transportadora Cinco Estrelas”, nos desvãos de
uma arapuca imobiliária que lesou 3 000 famílias com um golpe na praça. Não
houve a discutir, nessa demolição, uma única questão de princípio, filosofia
política ou consciência ─ ficou tudo exclusivamente numa conversa de fim de
feira sobre quem é o dono do tríplex na cooperativa falida, quem pagou a
cozinha Kitchens, quem mora de graça na casa de quem. Mais que qualquer outra
coisa, ficou uma palavra-guia, a palavra que não pode mais calar na biografia
de Lula: empreiteira, empreiteira, empreiteira. É aí, na hora da verdade, que
ele encontrou de fato sua perdição.
Nada destruiu tanto
a autoridade moral de Lula quanto seu convívio com as empreiteiras de obras
brasileiras, durante e depois de seus dois mandatos. Nunca antes, em toda a
história do Brasil, houve um presidente da República com tantos e tão íntimos
amigos entre os empreiteiros. Alguém é capaz de citar outro? Em apenas quatro
anos, de 2011 a 2014, momento em que a casa começou enfim a cair, Lula recebeu
27 milhões de reais para fazer palestras encomendadas pelos gigantes da
construção pesada no país. Foi presenteado, também, com contribuições
milionárias para sustentar as despesas do seu Instituto Lula ─ isso e mais
viagens de jatinho, uma antena de celular a 100 metros do sítio que utiliza em
Atibaia, e as obras de reforma nesse mesmo e malfadado sítio, que agora
atormentam sua vida. Os presentes não vieram apenas das empreiteiras, certo,
mas isso não melhora sua situação em nada ─ vieram de fontes mais sombrias
ainda, como um consórcio de estaleiros que vivem de contratos com a Petrobras,
o Banco BTG Pactual, um “centro de estudos” de Angola. Através da francesa GDF
Suez, há traços até da inesquecível Astra Oil, que vendeu à Petrobras o
ferro-velho da refinaria americana de Pasadena, algo tão parecido com uma
negociata em estado puro, mas tão parecido, que até hoje não foi possível
descobrir a diferença. Ganhar dinheiro fazendo palestras para essa gente está
dentro da lei? Está. Está dentro da moral comum? Não está, e é aí que começa e
acaba o problema. Um ex-presidente da República não pode, simplesmente não
pode, aceitar dinheiro de empresas que dependem do Tesouro para sobreviver. É
isso, e ponto final.
Como seria possível
confiar na imparcialidade, na palavra e na integridade de valores de alguém que
anda em tais companhias, ainda mais quando se sabe da influência que exerce no
governo que está aí? Lula recebeu dinheiro das empreiteiras porque foi
presidente do Brasil por oito anos, e não por seus conhecimentos em matéria de
viadutos, ferrovias e usinas hidrelétricas; ninguém lhe daria um tostão furado
se tivesse sido apenas presidente de sindicato. Lula diz o tempo todo que só
chegou ao comando da nação porque os pobres votaram nele. Mas não vê nenhum
problema no ato de transformar em dinheiro vivo, agora, o apoio que recebeu dos
humildes ─ a quem deve tudo, inclusive sua transformação em milionário. O
ex-presidente, de tempos em tempos, diz que tem o direito de ser rico. Tem, mas
não tem. Não pode botar no bolso, sem se desmoralizar, 27 milhões de reais de
empreiteiros ─ nem ser seu amigo íntimo, prestar-lhes serviços, permitir que
lhe paguem despesas, aceitar que sejam sócios de um dos seus filhos e sabe-se
lá ainda o que mais. Um homem público como ele não pode, nessas coisas, ser
igual aos demais cidadãos. Tem de abrir mão de uma porção de confortos; é o
preço a pagar para manter inteira a sua moral. Se achar injusto, bastará deixar
a vida pública; ninguém é obrigado a ser presidente da República.
Lula acostumou-se a
achar que tem direito a tudo, e não está sujeito a nada. Imaginou que pudesse
ser o mais querido entre as empreiteiras ─ e que isso não iria lhe trazer
problema algum. Achou que seus dois filhos pudessem ganhar milhões fazendo
negócios com empresas que dependem do governo. Não viu nada de mais em meter-se
com uma quadrilha que vendeu apartamentos na planta a bancários, roubou o
dinheiro que recebeu deles e foi à falência sem entregar os prédios. Com
exceção, claro, de um ou outro que foi concluído por uma empreiteira, mais uma,
e reservado aos amigos ─ entre eles o que abriga o tríplex do Guarujá. O que
Lula, que nem bancário é, estava fazendo no meio dessa gente? As histórias vão
adiante e adiante; o que apareceu escrito aqui está muito longe de ser tudo.
Mas é o suficiente. Este é um combate que claramente chegou ao fim.
MINHA OPINIÃO: NADA A ACRESCENTAR!
Um comentário:
Claríssimo!!!!! Dia 13 está próximo!!
Que bom que o blog se atualizou!!
Boa semana Cel Emir!!!!!
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