quarta-feira, 1 de julho de 2015

RIO EM GUERRA XCIII

FINALMENTE A PMERJ ENTRA EM CENA NA MARÉ

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

Jornal O Globo de 01 de julho de 2015

ANA CLAUDIA COSTA accosta@globo.com.br

ANTONIO WERNECK wernwck@oglobo.com.br

Menos força na Maré
Tropa de 3 mil homens do Exército e da Marinha sai, e 400 PMs assumem 16 favelas

Sem efetivo para substituir militares da Força de Pacificação, Secretaria de Segurança se limitará a fazer cerco com 400 PMs e operações pontuais na Maré. Um dos maiores conjuntos de favelas do Rio, localizado às margens da Avenida Brasil e da Linha Vermelha e no caminho do Aeroporto Internacional Galeão-Tom Jobim, o Complexo da Maré é o grande desafio do processo de pacificação do Rio a pouco mais de um ano para as Olimpíadas. O tamanho do problema ficou claro ontem, com a saída definitiva de militares do Exército e da Marinha das 16 favelas da região. Depois de negociações fracassadas do estado com o Palácio do Planalto por uma nova prorrogação da permanência da tropa, homens da Força de Pacificação encerraram a missão que tinha como objetivo preparar o terreno para a instalação de quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que só deverão sair do papel no início de 2016. Dentro dos ônibus, era possível ver soldados numa ruidosa comemoração, observados em silêncio por policiais que assumiam seus novos postos. Uma conta simples mostra que ficará um vácuo na segurança da área, onde têm sido registrados confrontos: saíram três mil soldados, entraram 400 PMs.




DOMINGOS PEIXOTO

Comemoração. Observados por um PM, soldados vibram com o fim da ocupação do Complexo da Maré pela Força de Pacificação: tropa atuou um ano e três meses no conjunto de favelas, onde enfrentou a resistência de traficantes


Apesar de bandidos terem voltado a circular armados nos acessos ao complexo, o trabalho da Força de Pacificação produziu bons resultados. Em um ano e três meses de ocupação, foram 83 mil ações, 674 prisões e 255 apreensões de jovens infratores. O número de homicídios despencou. Antes da chegada dos soldados do Exército e da Marinha, a taxa era, em abril de 2014, de 21,29 mortes por cem mil habitantes. Agora, a proporção caiu para 5,33. Por outro lado, os conflitos não cessaram. Nove pessoas morreram em tiroteios, entre elas o sargento Michel Augusto Mikami, de 21 anos, e 27 militares ficaram feridos.

NEGOCIAÇÕES EM BRASÍLIA

Temendo não conseguir um número suficiente de PMs para substituir a tropa da Força de Pacificação na Maré, o governador Luiz Fernando Pezão foi algumas vezes a Brasília para tentar convencer o governo federal a manter o Exército e a Marinha no complexo além do prazo inicialmente estipulado, que terminaria em dezembro do ano passado. A pressão surtiu efeito e, a contragosto dos militares, foi acertada uma prorrogação por seis meses. Mas o acerto não agradou ao Palácio Guanabara.

A negociação do governo estadual com o Ministério da Defesa para tentar estender o convênio por mais 12 meses começou no início de dezembro. E foi tensa: os militares queriam deixar a Maré no mês combinado e reclamaram que ficaram sozinhos nos confrontos com traficantes. Ao mesmo tempo, passaram a ser alvos de pesadas críticas de organizações de direitos humanos, que acusaram a Força de Pacificação de cometer uma série de violações.

Até hoje militares reclamam de falta de apoio na Maré. Em abril de 2014, na minuta assinada com o Ministério da Defesa, o governo estadual prometeu tomar medidas para apoiar o trabalho do Exército e da Marinha no conjunto de favelas. O Palácio Guanabara havia se comprometido a instalar uma delegacia da Polícia Civil, um juizado especial e um núcleo de promotores no complexo. Mas nada disso foi feito. Procurado, o Tribunal de Justiça afirmou, ontem à noite, que não tinha como responder sobre o núcleo do Juizado Especial na Maré.

Sem o apoio esperado, os soldados começaram a enfrentar a resistência de traficantes fortemente armados. Em operações filmadas pelo Exército e pela Marinha, bandidos aparecem dando rajadas de tiros de fuzil e lançando bombas contra patrulhas.

— Para piorar, tínhamos informações sobre a atuação do tráfico, mas, ao contrário do que acontecia nos complexos do Alemão e da Penha, não conseguíamos mandados para entrar em casas da Maré que serviam como depósitos de armas e munição — disse um oficial, que pediu para não se identificar.

Um levantamento da Força de Pacificação revela que, durante a ocupação, soldados sofreram, em média, dois ataques por dia. O patrulhamento era feito em 16 comunidades numa área de cerca de dez quilômetros quadrados, onde vivem quase 130 mil pessoas.

Ontem pela manhã, durante a troca de comando na Maré, três jovens seguravam pistolas a menos de 200 metros de uma barricada de militares na Vila do João. Moradores evitavam comentar a substituição dos soldados da Força de Pacificação por PMs. Questionado sobre a presença de traficantes armados, o secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, que participou de uma cerimônia que marcou o encerramento das atividades dos militares na região, reconheceu a dificuldade de enfrentá-los:

— Eles não estão dispostos a entregar seus locais, mas o estado tem que mostrar que manda. Não podemos ter pessoas mandando em outras aqui, porém, esse é um paradigma difícil de quebrar.”

MEU COMENTÁRIO

“Nada de novo sob o sol”... Ou “asas maiores que o ninho”... Ou seja, mais uma espinhosa missão que tende com o passar do tempo a desbarrancar o prestígio da briosa, pois é certo que a seletividade do uso da força, técnica conhecida de sobejo pelos militares federais, razão dos três mil homens diários na Maré, foi ignorada pela PMERJ, como sempre acontece, aliás.

Sim, se existe um fato inegável nesta história é a desproporção do aparato policial militar em relação aos territórios ocupados por UPPs, todos ainda infestados de traficantes armados até os dentes e sem qualquer temor de enfrentar seus históricos rivais, ainda mais com eles em inferioridade de forças.

Com todo o respeito, esta submissão da corporação aos caprichos de políticos teleguiados pelo Sistema Globo (agora interessado nas Olimpíadas) não terminará bem. Insisto nisto desde o início, embora muitos achem meus prognósticos deveras sombrios. Mas insisto neles por reconhecer o poder do narcotráfico, que ultrapassa os limites das favelas do RJ, avança Brasil afora, pula suas fronteiras como se brincasse de “amarelinha” e festeja sua vitória aqui mesmo, no Cone Sul, nos países em que fazem vicejar sem pejo a produção da cocaína e da maconha para servir aos viciados de todo o planeta. Entre eles está o Brasil, que é consumidor e rota do narcotráfico, e para tanto usa seu poder de retaliar seus contrários, corrompendo muitas gentes nobres de berço e de polpudas contas bancárias.

Portanto, mais uma vez avança a PMERJ contra o poderio do narcotráfico, sozinha, tal como o "avançou" nosso exército na Guerra do Paraguai (Vide romance de Deonísio da Silva: “Avante soldados: para trás”, São Paulo, Siciliano, 1992). Enfim, mais um retrocesso na missão da PMERJ como polícia administrativa predominantemente preventiva e excepcionalmente repressiva. Para tanto, porém, depende de máxima frequência no ambiente geral para inibir a oportunidade de o delinquente praticar seus delitos, cabendo à PCERJ, como polícia judiciária, a investigação policial para singularizar criminosos após o cometimento do delito (inibição de vontade). Pelo visto, isto falhou no caso das Forças Armadas e decerto falhará com a PMERJ, que restará sozinha. Como sempre, aliás...

Fica parecendo que sou apologista do caos, que torço contra etc. Não é verdade! Não sou contra a PMERJ agir contra o crime com sua força máxima. Sou fã do BOPE, que atua sempre respeitando os princípios da seletividade do uso da força, dentre outras técnicas de combate urbano ou rural... Mas entendo e insisto no sentido de que tal labor, de um modo geral, abrangendo toda a PMERJ, há de ser bem feito, tal como nos ensinou Henry Ford (“Tudo que deve ser feito deve ser bem feito”).

Implica então admitir que o formato das UPPs, concentrador de efetivos em território delimitado (ambiente de tarefa), é contrário ao princípio da máxima frequência do patrulhamento, sendo certo que os 400 PMs deslocados para a Favela da Maré jamais conseguirão a mesma frequência alcançada por 3000 homens das FFAA. E, quando uma tropa se sente enfraquecida diante do inimigo, ela tende à violência para compensar sua fraqueza. Tanto é assim que o estrategista Sun-Tzu já aconselhava aos exércitos vencedores não acuar o inimigo sem lhe deixar uma rota de fuga. Pois, acuado e sem alternativa, o inimigo costuma contra-atacar reunindo força capaz até de derrotar o vencedor.

Bem, é claro que alguns defenderão que a tropa da PM é formada por policiais tão bem treinados que a inferioridade numérica é naturalmente compensada pela experiência. Ora, isto é falácia! O policiamento ostensivo não exige mais que treinamento básico e presença capaz de intimidar as forças adversas, no caso os traficantes, muitos deles anônimos, todos bem armados e conhecedores íntimos do terreno que se configura como cenário de uma pacificação impossível, tais como as demais tentativas de pacificação que avançaram para lugares além das possibilidades reais da PMERJ, em especial a Rocinha e o Complexo do Alemão. E agora entra na lista o Complexo da Maré. E falta ainda o Complexo do Jacaré, onde o bicho costuma pegar feio... Como diz outro ditado: "Um abismo puxa outro"...


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