sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RIO EM GUERRA XVI

 “O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


Foto recebida de amigo, mostrando a viatura e um carro de PM incendiados em frente da sede do DPO no Centro de Paty do Alferes.

Na última semana deste mês de fevereiro houve uma aparatosa blitz em Miguel Pereira, município contíguo a Paty do Alferes, ambos atendidos por Destacamentos de Policiamento Ostensivo (DPOs) da PMERJ comandados por graduados e situados a razoável distância da sede do 10º BPM (Barra do Piraí). Os alvos principais da blitz, que contou com a participação da PCERJ e do DETRAN, algo incomum, foram os motociclistas, já que a motocicleta é meio de transporte preferencial de boa parcela da população desses dois municípios.

Mas o que correu na boca do povo foi que a blitz seria vingança em virtude de dois inusitados episódios de queima de viaturas da PMERJ em Paty do Alferes, sendo o primeiro caso muito grave, pois abrangeu a destruição da sede do DPO de Arcozelo, distrito de Paty do Alferes, além da queima de mais de uma viatura. E por pouco não se configurou em tragédia maior com o linchamento de PMs porque eles se retiraram a tempo.

Este fato gravíssimo decorreu de blitz na qual morreu uma jovem motociclista, que, assustada por estar sem a CNH em mãos, embora fosse habilitada para a condução de veículos e motos, preferiu “furar” a blitz, sendo perseguida por viatura policial. Mas o azar fez com que ela caísse da moto e sofresse morte por trauma craniano, o que revoltou a população local, logo se formando a turbamulta destruidora.

O episódio produziu forte e ainda incontornável ruptura na relação povo-polícia, reagindo a PMERJ com mais truculência e distanciamento da população, tendo na insistência das blitze a forma escolhida de reação ao nefasto episódio. Sobre a segunda blitz e a produção de outro resultado extremo (queima de viatura na porta do DPO do centro de Paty do Alferes durante a madrugada), já comentei detalhadamente em outra postagem.

Enfim, e ao que parece, o comportamento escolhido pela PMERJ e demais instituições solidárias é o da retaliação à população, claro que sob o pretexto de que há motociclistas traficando drogas ou com documentação irregular. Enfim, parte a PMERJ, agora engrossada pela PCERJ e pelo DETRAN, para a ideia geral da suspeição, o que me faz lembrar Colquhoun, criador da polícia na Inglaterra e citado por Michel Foucault em Vigiar e Punir: “Todas as vezes que estiver reunida no mesmo lugar uma grande quantidade de trabalhadores, haverá necessariamente muitos maus elementos.”

Ou seja, aposta a PMERJ sediada em Miguel Pereira e Paty do Alferes no princípio da desconfiança generalizada, paradoxalmente num momento em que sua cúpula defende com ardor a “polícia de proximidade”, refletindo então uma brutal incongruência a caracterizar a figura de “dois pesos, duas medidas”. De modo que não há como não associar o paradoxo ao pensamento do supracitado filósofo, em especial ao gravado no Capítulo I da Segunda Parte da obra em referência, cujo título é “A Punição Generalizada”. Resumem-se suas observações ao aprimoramento das técnicas indiretas de vigiar a população através da observação permanente do “comportamento cotidiano das pessoas, sua identidade, atividade, gestos aparentemente sem importância”...


Não pretendo me aprofundar, o texto de Vigiar e Punir já é domínio público, portanto acessível a quem por ele se interesse. Mas não posso deixar de entender o atual comportamento operacional da PMERJ nesses municípios como retrocesso, pois é certo que num lugar tão pequeno e isolado, não me parece difícil à polícia em geral saber onde estão os traficantes e demais meliantes para prendê-los em flagrante, em vez de tentar pescar algum entre motoristas e motociclistas igualados pela desconfiança. Parece até “pesque e pague”, atividade comum nesta região turística de montanhas, cachoeiras e lagos, e muitos roçados produtivos graças ao empenho de grande parcela da população hoje marcada pela repressão policial a gerar reações violentas, e mais repressão policial em resposta, e mais reação violenta, não se sabendo qual será o desfecho deste círculo vicioso que não sugere final feliz.

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