A agente de trânsito
e o juiz..
Ou..
O juiz e a agente de
trânsito...
Qual seria a melhor
ordem desses fatores em momentânea oposição?
Ora bem, nota-se no badalado episódio algo como disputa entre o touro e
o toureiro, em que os espectadores torcem invariavelmente para o touro. É mais
ou menos o que se vê nas redes sociais e na mídia impressa: uma gama de
torcedores a favor da agente de trânsito e contra o juiz, como se o juiz
houvesse efetivamente dito que é “Deus”, e sua interlocutora o contestasse
negando-lhe o “direito à divindade”. A verdade é que embora seja voz corrente o
dito (“Juiz pensa que é Deus e o Desembargador tem certeza de que é.”), o juiz
não disse que era “Deus”, e não interessa ao caso rebuscar assuntos alheios ao
incidente apenas para futricar em tudo que é meio de comunicação, com cada qual
tentando tirar maior proveito da inusitada situação.
Cá entre nós, quem insinuou a tal condição para provocar o juiz não foi
a agente de trânsito? Ora, que até rebocasse o carro do juiz, vá, mas com
respeito e educação! Mas menoscabar a condição dele de magistrado, com todas as
“datas vênias”, sugere ter havido abuso, sim! Eu nunca fui parado por Lei Seca,
mas se o for, não corro riscos: meu carro está rigorosamente em dia e raramente
bebo. Mas me identificarei como tenente-coronel PM RR, pois é o que sou na vida
e nenhuma lei me obriga a portar outra identidade dentro do território pátrio.
Então seria caso de a mesma agente pública insinuar que sou oficial da PM
porque “não estudei”?...
Há, sim, nesta questão inoportuna, enorme carga ideológica. Há nos
comentários uma forte pitada de preconceito do tipo “ralé versus elite”, com a “elite”
hipocritamente se aliando à “ralé”, sendo desnecessário dizer quem representa o
quê nesta alusão. Até parece que é este o cerne da questão, quando, na realidade,
e de maneira geral, não têm sido incomum atritos entre agentes de trânsito e usuários
de veículo, com estes sendo interpelados por aqueles em vista de infundadas
suspeitas. Sim, é como sofre a coerção o cidadão ordeiro que não bebeu nada
além de água, que está com o carro documentado e vistoriado rigorosamente dentro
da lei, mas que, ainda assim, é obrigado a perder o seu tempo em blitze, de
modo sempre constrangedor, sem qualquer motivo além da idiossincrática vontade
de empolgados agentes públicos abanados por setores da mídia que ajudaram a
inventar mais esta forma de cercear o direito de ir e vir de cidadãos abstêmios
a pretexto de “protegê-los dos bêbados”. Ora, até parece que o problema se
restringe ao singular episódio envolvendo um juiz e um agente de trânsito por
conta da Lei Seca!...
Cá entre nós, será que a impertinente desfaçatez da agente de trânsito
(se é que é agente de trânsito ou simples burocrata erradamente desviada de
função) não foi dosada em exagero por recalque do fiscalizador porque não faz
parte da seleta sociedade motorizada? Será que são eles (e elas) isentos em
seus propósitos de servir à sociedade por eles (e elas) “protegida”? É certo
incomodar quem quer que os agentes de trânsito queiram fazê-lo, nos locais em que
escolhem, em vista de uma lei geradora de resultados discutíveis? Isto é
fundada suspeita escorada no Poder de Polícia?
Sou policial administrativo (PM). E, embora aposentado, sei ainda o que
significa o Poder de Polícia como fundamento do Ato de Polícia. Sei também dos
seus limites constitucionais e legais, que na prática costumam ser atropelados
por agentes públicos (policiais e não policiais) em desconcertantes blitze.
Nestas ocasiões, invariavelmente, o cidadão ordeiro é cerceado em seu direito
de ir e vir e tem de seguir seu caminho amargando a humilhação e o conformismo
mesmo não protagonizando nada de errado ou suspeito. É certo o cidadão ordeiro
receber sem motivo concreto a fiscalização do Estado que ele sustenta pagando
altos impostos?... Respondo: NÃO!
Neste ponto indago: seria a agente de trânsito em questão adrede
habilitada em concurso público para o fim de agir nas ruas como ela e seus
colegas vêm fazendo? Qual é o cargo original dela no DETRAN? Não estaria ela
desviada de finalidade, talvez não por culpa dela? Por que o DETRAN, órgão
administrativo que atua segundo suas limitações, fiscalizando a regularização
de veículos em locais próprios e em vista de vinculações legais prévias, agora
vai às ruas em empolgação por conta da Lei Seca? Será que esta lei pertence ao
DETRAN só porque o seu autor (Deputado Federal Hugo Leal) dirigiu o DETRAN/RJ?
Não seria mais apropriado que a fiscalização viária fosse efetuada por
organismos públicos para tanto habilitados (Guardas Civis Municipais e Polícias
Militares), e nem tão aleatoriamente? Não seriam apenas estes últimos os reais agentes
da autoridade de trânsito? Que autoridades podem delegar competência para seus
agentes atuarem nas ruas e logradouros em vista da Lei Seca ou por conta de
outras razões subjetivas? Onde começa e onde termina a autoridade do DETRAN e
seus servidores em vista da nova ordem constitucional (Art. 144, § 10, Incisos I e II)? Os agentes
do DETRAN/RJ que fiscalizam veículos em virtude da Lei Seca são estruturados em
carreira para tal finalidade?
Enfim, creio que o tema deva ser esmiuçado à exaustão, recolhendo-se
dele ensinamentos, para que o incidente entre o juiz e a agente de trânsito, -
ou entre a agente de trânsito e o juiz, - resulte em algo positivo em termos de
ações futuras. Ficar tomando posição contra ou a favor de uma ou outra
trincheira não resultará nenhuma utilidade para a sociedade. Reduzir esta
discussão a opiniões contra ou a favor, como a alegoria do touro/toureiro lá do
início, me parece bobagem. Discutir vaidades individuais como se fosse “febre
clubística” parece-me perda de tempo. Mas tirar proveito da situação em
benefício do interesse público, aí sim, é que seria de bom alvitre, a começar por
juristas esclarecendo as filigranas legais que amparam as blitze, em especial
elucidando onde começa e onde termina o poder-dever do agente público no
tocante ao Poder de Polícia. Sendo certo, todavia, que quem julga os abusos de
autoridade é o Poder Judiciário. Em última análise, o juiz...
3 comentários:
Sou leitor do blog aqui mas dessa vez discordo de seu pensamento.
o fator principal gerador da queda de braço entre o juiz e a agente do detran deu- se porque o carro daquele já havia mais de 15 dias sem emplacamento e não possuía consigo os documentos obrigatórios.
Emir disse;
Emir disse: Nada contra a discordância, mas não posso negar que sou contra quaisquer blitze, seja lá quais forem seus protagonistas (agentes públicos). Creio que a blitz em si fere os direitos constitucionais dos cidadãos ordeiros, porque parte do pressuposto de que o ser humano é fundamentalmente mau e deve ser fiscalizado pelo Estado em quaisquer hipóteses. Sem essa de o Estado ser “protetor” do cidadão e por conta disso cerceie a liberdade e as garantias individuais, dentre elas o direito constitucional de ir e vir. Conheço muitas instituições policiais em países civilizados que não praticam esse tipo de ação policial. No caso das PMs, a blitz tem natureza coercitiva, sempre. Comandei batalhão e exigia dos meus comandados que não fizessem blitze a não ser em situações em que houvesse um mínimo de caracterização da suspeição, como, por exemplo, dados de um carro furtado ou roubado a ser recuperado. Se todo carro tem suas características básicas (placa, cor, marca etc.), não é admissível parar carros de características diferentes em vista da finalidade específica. Enfim, sou contra as blitze sem motivação prévia e endereçada ao cidadão ordeiro, não alcoólatra, sob o pressuposto (FALSO) de que ele teria eventualmente bebido. Assim ele se vê incomodado e cerceado por coerção aleatória do agente público, o que sugere a possibilidade de abuso de poder. Respeito ideias contrárias, mas creio que a agente pública poderia cumprir a sua finalidade sem exageros a serem posteriormente cobrados, como é o caso. Pior é que o juiz tem o direito de alterar o valor no final da causa, bastando-lhe elencar diversas matérias danificadoras de sua reputação como desdobramento do assunto, como aconteceu com o Sistema Globo, que recebeu punição de dano no valor de R$ 18.000,00. Esses valores podem ser aumentados, é bom que a servidora saiba disso antes de dar mais declarações a respeito da celeuma em que até agora ela é perdedora em duas instâncias. Recolher-se parece ser mais prudente...
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