Que é “militarismo”?
Não se há de negar que
o militarismo nasceu da necessidade de defesa ou de ataque em virtude de
inimigos. E em ambas as situações os povos iam às armas, e assim floresceram os
exércitos, e se formaram as cidadelas, sublinhando-se a espantosa Muralha da
China como exemplo máximo desta necessidade de defesa.
Eis como o militarismo proliferou
e se foi aprimorando, instituindo ritos com o objetivo de formar jovens
guerreiros, todos treinados em exercícios repetidos à exaustão (Vide o capítulo
“Corpos Dóceis” em “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault).
Não por acaso, os
efetivos militares foram destarte organizados, e também não por acaso eram
enquadrados em rígida hierarquia e rigorosa disciplina. E como complemento do
que conhecemos por “tropa” vieram à luz os uniformes enfeitados, conforme a
importância dos seus detentores, caracterizando de maneira irrefutável o comandante
e o comandado.
Esta arrumação de
cidadãos em tropas militares, objeto de muitos estudos ao longo da existência
humana, na realidade se resume à imperiosa necessidade de se combater o inimigo
sem o temor da morte.
Claro que muitos
componentes psicológicos eram e ainda são utilizados para motivar o ser humano
a guerrear, incluindo-se a motivação que é lhe inerente e se traduz em sua
irresistível ânsia de matar. Sim, é brutal afirmar isto! Mas como negar?...
Como negar também as implicações religiosas e ideológicas?... Como negar a
tendência do ser humano de agir ou reagir como gado de rebanho?..
Neste ponto se encaixa o
pensamento de René de Fülop-Miller ao historiar sobre “OS SANTOS QUE ABALARAM O
MUNDO”:
“Que a alegre canções
dos trovadores eram sufocadas pelo barulhento tilintar das armas, que as
festivas passeatas com tochas eram substituídas por marchas guerreiras para os
campos de batalha, e os exuberantes jovens, no verdor da mocidade, eram
chamados às armas pelo sino de guerra, para dar suas vidas pela igreja ou pela
coroa, pela honra do senhor feudal ou pelo orgulho dos burgueses.”
Convenhamos, o
militarismo na sua essência é imperativo ao rebanho para morrer por alguma
causa mais relevante que a vida, bem precioso que cada indivíduo da espécie
humana não pode dispor a não ser uma vez, e que se esvai no efêmero átimo duma
eternidade da qual somos apenas depositários. Enfim, quaisquer que lhe sejam os
argumentos favoráveis, o militarismo é contraditório. Defendê-lo pura e
simplesmente, portanto, é caminhar na direção oposta à vida, é aceitar a morte
estúpida “mediante ordem”.
Claro que o militarismo
em tempo de paz não costuma matar, salvo raros acidentes em treinamentos, que
devem ser rigorosos e se aproximar da realidade da guerra em simulações várias.
E tudo não deveria passar de simulações, em especial aqui neste nosso Brasil
sem inimigos externos. E neste campo das hipóteses de combate as PMs existiam
como forças auxiliares reserva do Exército, tendo antes, em caráter
excepcional, enfrentado guerra (Guerra do Paraguai) incorporada à força militar
federal. Também atuaram isoladamente em algumas comoções intestinas nos últimos
200 anos. Afora isto, as PMs ficavam aquarteladas, tais como o Exército,
treinando simulações de combate e de quando em quando praticando formações de
controle de distúrbios. E nos tempos vagos ocupavam-se intramuros em escalas de
serviço, em cursos de ascensão aos postos e graduações superiores, e em muita
ginástica e futebol. Ano após ano...
Claro que as simulações
exigiam e ainda exigem árduos treinamentos e muita pressão psicológica a convencerem
o homem a matar ou morrer pela pátria, algo em que ele piamente crê e
solenemente jura perante a Bandeira Nacional. Depois ele percebe ser tudo
ilusão... Mas é com este “espírito de luta”, com esta “verve do guerreiro” sistematicamente
estimulada, que o militar torna-se apto a aguardar na paz a materialização da
guerra que no caso brasileiro é remotíssima ou nenhuma.
Eis como ficaram as PMs
até 1964, ano que marca a enxurrada de PMs nas ruas e logradouros tupiniquins e
o fim do romântico militarismo que praticavam. E lhes advieram as desconhecidas
“guerras contra o crime”, na verdade ignoradas por séculos de existência exclusivamente
militar. E muitas mortes de PM em tempo de “paz”...
Com efeito, não houve preparação
mais que superficial, as PMs foram às ruas na escuridão do desconhecimento
sobre o novo e letal inimigo a combater: a criminalidade. Tudo a partir dum
modelo operacional elaborado pela Brigada Gaúcha, adotado pela Inspetoria Geral
das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (IGPM), – órgão do
Estado-Maior do Exército, – e distribuído a todas as PMs pátrias acondicionado numa
capa amarela que lhe deu o apodo de “Amarelinho da IGPM”.
Sim, tudo muito
simples, cada batalhão (subdividido em companhias, pelotões e grupos de
combate) já possuía suas áreas de atuação a partir das hipóteses de Defesa
Territorial, vindo a seguir as hipóteses de Defesa Interna. Esta última entrou
em moda a partir de 1964 e determinou exaustivos treinamentos de combate
nitidamente militar, todos calcados em manuais de instrução usados pelo
Exército e pelas PMs sem nem mesmo trocarem a capa para dissimular a “mimese”.
Sim, foram nestas
condições físicas e psicológicas que os PMs ocuparam as ruas, no que sabemos se
chamar Defesa Pública (“prevenção e repressão de polícia administrativa”),
atividade precípua das PMs na preservação da ordem pública. Mas os treinamentos
da “Guerra Revolucionária” permaneceriam em moda por muitos anos, em autêntica
“lavagem cerebral”...
... Tudo lado a lado
com o romantismo e o charme da farda nas vias públicas: muitas sirenes e
giroscópios acusando a presença das PMs no que antes era vácuo (ambientes vazios
de polícia), salvo algumas radiopatrulhas da Polícia Civil com seus homens de
boné vermelho e uniforme bege embarcados, ou então montados em estilizadas motocicletas.
Eram os “homens de ouro”, assim romanticamente denominados ao tirarem o
uniforme e incorporarem o traje civil para combater criminosos não menos romantizados,
inclusive nas telinhas do cinema.
Mas as PMs não mais podiam
ficar aquarteladas e compactas, algo temerário por se tratar de força militar
independente e subordinada a governadores cujas ideologias às vezes não se
ajustavam aos interesses do regime militar. Aliás, esta vontade dos militares de
protagonizar a história pátria vem de longe no tempo, culpa, sem dúvida, de
alguns fanáticos comunistas adeptos de Karl Marx e da luta armada como forma de
ascensão ao poder. Como vemos em Cuba...
Tanto que em sua
obra-prima “A República dos Bugres” (Prêmio Jabuti), assim se expressa o
historiador e romancista Rui Tapioca:
“Camaradas, temos hoje,
no mundo ocidental cristão, três referências ideológicas ou credos de
pensamentos predominantes: o jacobismo francês, o liberalismo americano e o
positivismo de Comte. O que seria ideal para o Brasil?
– O militarismo
brasileiro! – vociferou, incontinenti, uma anta de butes.”
Malgrado o fato de que
hoje a “anta” é outra, nada ocorre ao acaso. Esta disputa de poder entre civis
e militares, – ou entre “progressistas” (“de esquerda”) e “conservadores” (“de
direita”), – esta disputa é comum na América Latina das revoluções e
contrarrevoluções, ou seja, de pinimbas que não consideram como possibilidade a
prevalência da Democracia a não ser em falsos discursos e abomináveis práticas
levadas a efeito em seu nome. Sim, é o que houve antes, é o que se vê agora,
sendo certo que hoje a “anta” não usa “butes”, mas ostenta poderosas
estrelinhas vermelhas gramscistas...
Enfim, o Brasil
enfrenta uma aluvião de mudanças políticas, uma enxurrada de tendências
ideológicas, campo propício às incertezas e turbulências, exceto para as PMs, que
em autismo se encaminham ao abismo sem saber se existe ponte. Com efeito, elas
não têm ideia alguma do risco que correm de extinção, ou por serem violentas no
trato com o povo, em especial nas manifestações, ou por serem ineficientes no
combate ao crime. Pagam o pato inclusive pela ineficiência de outras
instituições mais sábias, que recuam e se protegem no imenso escudo das PMs, sempre
à frente a receberem contra-ataques de tudo que é lado. Enquanto isso, as
demais instituições avançam seguras em campos cujas minas já explodiram no
traseiro dessas empolgadas corporações militares. Mas empolgadas com quê?...
Ah, como disse Balzac: “A vida militar exige poucas ideias”!...
Peço desculpas aos
leitores pela digressão, mas não me posso deixar de recuar no tempo para
consagrar a ideia de que militarismo é exceção. A sociedade civil, sim, é a
regra na qual as PMs se deveriam incluir não como contrastes, mas como partes
ativas. Por outro lado, ciente de que em muitas ocasiões, em especial neste
momento em que o banditismo do tráfico instituiu nas comunidades carentes suas
cidadelas, não há como não admitir a necessidade de enfrentar traficantes em utilizar
o modelo militar de ação policial. Mas uma coisa é exercitar o modelo militar
de polícia e outra é ser militar, como se a primeira situação fosse efeito
inelutável da segunda. Não é assim, e abundam exemplos no mundo: policiais
uniformizados (SWAT) atuando em ritual militar para enfrentar criminosos
organizados militarmente
Mas são todos civis,
eis o propósito deste artigo!...
3 comentários:
Brilhante artigo, Coronel.Só me preocupo com os da reserva e os reformados quanto aos direitos numa possível desmilitarização. Nesse país veteranos não tem valor. Se for feito pensando também nestes,ok,tudo bem,que a briosa se desmilitarize e entre na história sem se desfazer daqueles que já fizeram muito. Assim sendo,que venham e vivam em harmonia as GMs,PFs,PRFs,GCMs e nova PCs.
Emir disse
Não penso em desmilitarização; penso num modelo próprio de militarismo, o que o Decreto-Lei 667 e o R.200 que o regulamentou, em plena ditadura, até insinuaram quando admitiram que as PPMM poderiam suprimir postos e graduações, o que nenhuma briosa fez. Penso, sim, numa força nacional de segurança (não esta, improvisada, mas que poderia servir de paradigma). Esta FNS funcionaria como as gendarmerias e semelhantes existentes em países democráticos ou social-democráticos(Espanha, Portugal, Chile, França, Argentina etc.), ou seja, uma força intermediária, militar, com treinamento para ações em catástrofes e grandes distúrbios como os que ocorrem nos EUA e ocorreram recentemente aqui. Seria uma tropa aquartelada, treinada militarmente, e usada em ações operativas de grande porte, e nestes casos funcionando como "POLÍCIA COMPLETA", como ocorre muitas delas funcionarem. Aí sim, deveria possuir um ramo preparado para o exercício da polícia judiciária, que nada mais é que preparar inquéritos policiais nos moldes do que já fazemos com o IPM, com o apoio de excelente estrutura de inteligência e de criminalística. Seria fiscalizada pelo MP federal, tais como as PF e PRF. Isto é só uma ideia para salvar as briosas do que intentam hoje: sua extinção. Pois a desmilitarização é puro pretexto, como se pode perceber da PEC 51 que muito comentei no meu blog.
Por que, caro companheiro, insistimos em copiar, e mal, o modelo estrutural e cultural Exército? Porque as PPMM insistem em ser estaduais, pensamento provinciano que não mais se justifica. Sabemos que a criação da maioria das PPMM passou pela ideia da garantia de manutenção da unificação do Brasil Imperial, podendo defendê-lo com uma força pública local de dupla função: policial, para manter a ordem entre a ralé e defender as elites apaniguadas de reis e imperadores, e para conter comoções intestinas, o que elas efetivamente fizeram, mesmo assim muitas vezes não conseguiram e tiveram de avançar o exército, como no caso de Canudos. Mas hoje é possível conceber uma força intermediária com os efetivos das PPMM incorporados nacionalmente. É só mudar a CRFB. Aí sim, teríamos a PEC 300 e os inativos seriam igualmente federalizados. Afinal, o dinheiro é concentrado na União, e lá ele sobra para pagar bem a FSN, não esta que existe fora da lei, mas outra, constitucionalizada, e que poderia atuar no dia a dia onde não houvesse GMs (elas agora podem funcionar em mais de um município, segundo a lei geral) nem polícia civil, esta que, para existir, teria de ser completa, com um ramo uniformizado. Quer saber, companheiro, não invento, apenas retorno ao passado daqui mesmo e ao presente dos países aos quais me referi, salvo algum engano. Vou depois aprofundar esta ideia na sequência do meu raciocínio, muito mais relembrando modelos que sugerindo novidades. Sempre, é claro, com benefícios pecuniários para ativos e inativos das PPMM, porque dinheiro sobra na esfera federal até para construir porto em Cuba e distribuir na África em descarado proselitismo. E só para lembrar, a força intermediária nos EUA (Guarda Civil) possui até frota de aviões de combate, helicópteros etc. Modelos para copiar existem no mundo, mas o nosso só existe aqui...
Oi! , EM RELAÇÃO AO PORTO DE CUBA ELA ASSINOU E DEU DINHEIRO A CUBA SEM ANTES O CONGRESSO VOTAR E AUTORIZAR, O QUE CABE O Impeachment. ISSO POUCOS SABEM.
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