Eu talvez não devesse cutucar o “gorila
do Chico” (aquele da ofensiva charge de primeira página de O GLOBO) com vara
tão curta. Mas não resisto em questionar o modo como a PMERJ atua no seu dia a
dia, em especial indo às favelas em busca do confronto sob o pretexto de que lá
traficam drogas. Na realidade, a tropa avança em busca de flagrantes que lhe
são cobrados pela cúpula, seja de qualquer patamar de comando operacional:
Destacamento, Pelotão, Companhia, Batalhão, Comando de Área etc. Por conta
dessas pressões, ainda associadas à pressão maior da mídia, que se diz “opinião
pública”, a PMERJ vai aos confrontos muitas vezes sem saber contra quem se
confronta. Segue apenas a corriqueira lógica de que basta chegar à porta da
alguma favela para receber revide, e, a partir deste, ataca em reação. Ou então
produz algum evento hostil para receber resposta igual dos traficantes, deste
modo identificando alguns porque, por óbvio, de arma na mão e atirando, só
podem ser bandidos.
Acontece que a missão das
Polícias Militares é essencialmente preventiva. Repressiva, só como exceção,
momento em que ela age ainda como polícia administrativa. Ou seja, ela está nas
ruas e logradouros policiando em máxima frequência para inibir a oportunidade
de o bandido delinquir, e excepcionalmente vai à repressão do delinquente ou
porque viu o delito ou porque foi acionada pelas centrais operacionais de rádio
(190). Mas a paranoia da cobrança de resultados repressivos põe a PMERJ bem
mais em favelas, universo propício ao encontro do flagrante de tráfico diante
da certeza de que prenderão ou matarão alguns traficantes afoitos, de que
apreenderão drogas e armas e deste modo garantirão o “kit mídia” e o registro do
fortuito resultado nos seus boletins de cobrança. Bem, o desfecho disso costuma
ser bala perdida matando criança, PMs presos por abuso de autoridade ou até por
homicídio, já que nem sempre o “kit auto de resistência” funciona.
Ora, quem investiga crime no
ambiente social é a Polícia Civil (PCERJ). Cabe a ela, portanto, singularizar
criminosos para levá-los às barras dos tribunais. À PMERJ, em tese, como
polícia administrativa, caberia apenas informar à coirmã sobre as atividades
criminosas do tráfico em favelas, das quais tenham conhecimento. Claro que
sempre atendendo ao chamado de reforço à coirmã quando esta, esta sim, partir à
repressão. Mas não é assim o cotidiano, e o resultado que sempre vemos na
telinha da tevê é o desgaste institucional, além da desgraça se abatendo sobre
PMs que agem erradamente porque são erradamente cobrados. Verdade é que o
melhor resultado de uma polícia preventiva é a ausência de delitos e não a
quantidade de flagrantes efetuados. Estes apenas demonstram que a prevenção de
polícia administrativa está falhando. Daí ser absurda a imagem de PMs enfiando o
Amarildo dentro de viatura caracterizada para levá-lo à sede da UPP e de lá
liberá-lo, prova de que não havia nenhum flagrante delito; e se houvesse,
Amarildo deveria ser levado à DP da área para autuação, pois nem mais cabe
apelar para a figura da “detenção para averiguação”, os tempos são outros.
A questão crucial se prende ao
seguinte círculo vicioso: como as ordens repressivas, nos errados moldes que
vemos, vêm de cima, os mandatários são obrigados a justificar os erros da ponta
da linha que ocorrem porque esta, a ponta da linha, a tropa, apenas cumpre
ordens. Seria, em tese, uma espécie de “teoria do domínio do fato”, que no
militarismo é inegável, ou seja, o PM faz o que tácita ou implicitamente seus
superiores lhe sugerem. Daí a saia justa, dentre tantas semelhantes, que se vê
a PMERJ agora enfiada e a defender o indefensável: Amarildo não podia ser
conduzido em viatura a não ser preso em flagrante delito e jamais deveria ser
conduzido à sede da UPP sob qualquer pretexto, exceto se a guarnição estivesse
sob fogo inimigo e necessitasse se proteger.
Por outro lado, devo dizer aqui
que esta pressão de cima para baixo não é coisa nova; integra-se, em contrário,
à cultura operacional da PMERJ desde os meus tempos de oficial subordinado ou
comandante de Unidade Operacional a receber ordens de repressão nos moldes que
hoje se reproduzem em “atavismo corporativo”. Na minha época, a ausência de
flagrantes derrubava comandos e encerrava prematuramente carreiras, o que se
refletia na tropa, esta, obrigada a produzir resultados nas ruas (flagrantes de
quaisquer coisas). Ora, numa pressão assim a natural tendência da tropa é
encurtar o caminho da repressão, sendo o tráfico em favela um manancial
certíssimo de resultados. Ou seja, melhor ir à fonte jorrando água que abrir
bicas em que a água apenas pinga ou nenhuma água sai.
Fica, pois, a sugestão que sei
delicada: um seminário interno para discutir a questão e a decisão de fazer apenas
aquilo que se insere no âmbito da polícia administrativa, deixando a repressão
em favelas para a PCERJ, que deverá agir com ou sem a ajuda da PMERJ. Eis, por
conseguinte, o modo de demonstrar ao público que não somos investigadores a não
ser de crimes militares. O resto é tudo com a coirmã, esta que, deitada em
berço esplêndido, assiste de camarote à pancadaria que leva a PMERJ por ser
saliente e fazer o que não lhe compete diretamente e que deveria ser exceção à
regra fundamental da PREVENÇÃO. Ora chega de dar tiros a esmo! Chega de jogo de
cena! Que volte a PMERJ às suas origens constitucionais e se limite ao
exercício da polícia administrativa de manutenção da ordem pública. Investigar
o tráfico e singularizar traficantes é função da PCERJ. Que faça ela então o
serviço todo e arque com os ônus e os bônus de sua competência constitucional,
que é a de polícia judiciária.
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