Contribuição do jornalista Gustavo de Almeida
Assessor de Imprensa - Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro - MtB 21824 - http://br.linkedin.com/in/gustavodealmeida1968
Artigo
MAGISTRAL do coronel Ibis sobre o debate da desmilitarização, que sairá no
jornal da OAB. Mas desde já pode ser compartilhado. (Por Gustavo de Almeida)
"TRISTES TRÓPICOS II
Sempre que a Polícia Militar é
acusada de alguma brutalidade, o debate em torno do modelo de administração
militar retorna com fôlego renovado, como se a violência estivesse na linha de
desdobramento lógico do ideário dos corpos organizados sob a rigidez dos
princípios da hierarquia e da disciplina. Para um país marcado pela
interferência dos militares na política, como o nosso, a desmilitarização da
polícia ganha ares de sabedoria proverbial, como aquelas sentenças
grandiloquentes e vazias do conselheiro Acácio.
Uma discussão séria sobre
violência policial não pode desconsiderar um dado fundamental: policiais são
recrutados nas mesmas camadas sociais sobre as quais incidem,
preferencialmente, a criminalização e a vitimação operadas pelo sistema de
justiça criminal. Entre aquilo que o homem aprende, nos bancos escolares, e
aquilo que ele pratica - no momento em que é convocado a agir - entra um
componente estranho à formação profissional: o conjunto das crenças e valores
que o indivíduo traz consigo, no âmago do ser.
No Brasil, o fenômeno da
violência policial e a criminalização da pobreza são atos de uma mesma
tragédia: obras da escravidão. O problema é muito mais complexo do que uma
simples reforma no modelo de gestão das polícias militares. É preciso um grande
esforço de inclusão e de educação para a cidadania, se quisermos superar o
abandono histórico das camadas mais pobres da população.
Em segundo lugar, há uma
diferença imensa entre modelo de administração militar e militarismo. São
coisas absolutamente diferentes, que o discurso simplista dos especialistas de
plantão aglutina numa cantilena sem pé nem cabeça. A distinção é muito bem
apresentada no festejado Dicionário de política, organizado por Norberto
Bobbio, para o qual remetemos o leitor interessado no tema. Uma questão de
leitura atenta e honestidade intelectual.
Em síntese, a nossa miséria se
apresenta assim: nossa sociedade repousa sobre uma base secular de violência
inimaginável; amalgamado a esse fundamento hediondo há um autoritarismo
persistente e silencioso, socialmente admitido, que encontra na ideologia da
militarização da segurança pública expressão política para sua intolerância.
Não é outra a razão pela qual um filme como Tropa de Elite consegue
produzir um efeito assustador: transmudar violência fascista em glamour.
Essa insensibilidade dos afetos –
obra moral da escravidão - é a conditio sine qua non dessas brutalidades
cotidianas que praticamos debaixo do sol, nestes tristes trópicos. Estamos
muito próximos daquele diagnóstico sombrio, com o qual Lévi-Strauss abre suas
reflexões sobre o desenvolvimento dos aglomerados urbanos do Novo Mundo: entre
nós as cidades passavam da barbárie à decadência sem conhecer a civilização."
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