sábado, 29 de dezembro de 2012

Drogas: uso e tráfico como irmãos siameses



A questão da descriminalização das drogas vem se tornando a mais e mais confusa em vista do lobby que abunda na mídia e nos meios políticos. Há extremos defendendo a total liberação do uso ou apontando para o caminho inverso da punição exagerada do usuário. O tema promete, em especial porque uso e tráfico, – tais como irmãos siameses, – são como a demanda e a oferta na economia de mercado. E como neste caso a demanda é exponencialmente maior que a oferta, – e deixando de lado a ilegalidade, – o comércio de drogas pode ser considerado um dos melhores negócios do mundo.

Nota-se quase que um fundamentalismo a nortear os dois lados da contenda que se acirra dia após dia. Isto é ruim, principalmente porque ambos os lados alegam ser suas teses defesas pela sociedade, sem que, no entanto, tenha havido pesquisas nacionais amplas e profundas. Há, sim, opiniões notórias defendendo ou atacando, algumas baseadas em posicionamentos de organismos voltados para o assunto, como a citada Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas Sobre Drogas, textualmente referida na “Opinião” de O GLOBO, que critica severamente a postura repressiva de um projeto de lei quase já aprovado pelo Congresso Nacional. Curiosamente, a opinião do jornal discorda veementemente da ONU e alega não haver base científica para o acirramento da repressão, pondo-se o articulista do jornal a favor da liberação do uso de drogas como tendência mundial (“O projeto estabelece, ainda, a internação compulsória do drogado, contra a opinião de especialista no mundo todo”).

Ora, é difícil concordar com a assertiva do tal “mundo todo”, generalização que não se baseia em provas e sim em opiniões convergentes à ideia da liberação do uso de drogas em vez do acirramento do castigo proposto pelo deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Trata-se a opinião do jornal puro esperneio de um sistema que vem desde muito tempo defendendo a descriminalização das drogas tendo como vanguarda do movimento a ONG Viva Rio, presidida por Rubens Cesar Fernandes, este que, por sinal, prefaciou o livro Quatrocentos Contra Um – Uma História do Comando Vermelho, de autoria de William da Silva Lima, reconhecido prócer da referida organização criminosa, sendo inegável que o título do livro é homenagem ao facínora “Zé Bigode”, que na década de sessenta enfrentou sozinho centenas de policiais na ilha do Governador, episódio emblemático nos anais do CV. Tudo isto não parece estranho em demasia?...

Bem, olvidando a inversão de valores que o livro do bandido representa, o Sistema GLOBO não me parece credenciado a defender a liberação do uso de drogas, algo que vem fazendo de modo ambíguo e que poderá beneficiar indiretamente o tráfico. Porque os termos do que o lobby do Sistema GLOBO defende não são muito claros. Porém, poderiam sê-los, pois a tese da descriminalização do uso deve ser considerada num contexto em que a repressão perde feio para o tráfico aqui e mundo afora. Mas o reducionismo desta posição a favor da descriminalização do uso de drogas não mais faz que alargar a vantagem dos que defendem a repressão do usuário como forma de coibir o tráfico.

Fazendo uma digressão e apontando o criminólogo Manuel López-Rey, diz este pesquisador que o crime é um “fenômeno sociopolítico”, ou seja, cabe à sociedade, – através de seus representantes parlamentares, – decidir o que é crime, rotulando-o e estabelecendo sanções. Em tese é o que o projeto do deputado Osmar Terra insinua: atendimento à “vontade da sociedade”. Mas que “vontade” seria essa? Houve algum plebiscito?... Não que eu saiba, do mesmo modo que a imprensa, no caso o Sistema GLOBO, não prova ter razão ao defender a tal “tendência mundial” de liberação do uso de drogas e tratamento do usuário fora do sistema penal. Ora, é raro encontrar um usuário disposto a se tratar por vontade própria, os exemplos policiais demonstram a reincidência do uso e não o abandono do vício. E se a ideia do projeto é obrigar o usuário a se tratar, não me parece tão ruim assim. Portando, dizer que o projeto do deputado é “ruinoso” me parece um contrassenso tipicamente fundamentalista daqueles que não aceitam teses contrárias à liberação do uso de drogas.

Vê-se no outro artigo, este, assinado pelo jornalista Luiz Garcia, uma provocação interessante e oportuna, além de servir para minimizar o reducionismo do Sistema GLOBO. O jornalista inicia sua reflexão com um sugestivo título (“Consumo impróprio?) seguido de um parágrafo que resume o problema: “Não existe, provavelmente porque seria inútil, um levantamento sobre formas de combater o tráfico e o uso de drogas no Brasil.” Tem razão o articulista da primeira letra ao ponto final do seu artigo. Pois a respeito do complicado tema ninguém pode se arvorar dono da verdade, e a solução para o problema, seja qual for o desfecho dele, é sociopolítica, ou seja, deve ser lavrada em lei pelo Congresso Nacional, não se podendo alegar nenhum pretexto que desmereça os representantes do povo, síntese do pensamento da sociedade numa democracia representativa.

A vantagem de se encaminhar soluções mediante leis é que estas mesmas leis podem ser revogadas ou alteradas até alcançar aos reais anseios e valores sociais. Não devem, pois, resultar de pressões sectárias, como se constata atualmente no país. Porque, em sendo o tráfico um sistema criminoso multinacional, difícil será o seu controle; e em sendo o uso uma quase cultura, o simples aumento da população produz o aumento da demanda, assim ampliando as possibilidades de lucro, o que somente se consegue com a ampliação da oferta. Tal situação me faz lembrar um texto de Rosa Del Olmo* in “A face Oculta da Droga” (Editora Revan, Rio de Janeiro, 1990:


“Recentemente, um jovem perguntou a seu pai, um famoso toxicólogo inglês:
– Papai, o que é uma droga?
– Uma droga, meu filho, é uma substância, que injetada em um cachorro produz uma pesquisa.
Esta resposta é a melhor maneira de ilustrar o que significa na atualidade a palavra droga. Sua presença se faz sentir de uma forma ou de outra, porque não há dúvida de que é o negócio – econômico e político – mais esplêndido dos últimos anos. Mas, exatamente por isso, tem sua face oculta, que a transforma em mito.”


Não é difícil concluir que uso e tráfico de drogas são unidos como “casadinhos”. Trata-se de interdependência que não se resolve com medidas extremadas nem com meios-termos. Muito se há de estudar e discutir antes de se decidir sobre como tratar um lado e outro da mesma moeda. Por isso não me arrisco a dar palpites. Apenas sei que atuando na repressão ferrenha a traficantes durante anos, e reprimindo usuários como alvos secundários, o máximo que consegui constatar foi a proliferação de ambos. Portanto não sei que caminho sigo nesta polêmica que promete se prolongar no tempo. No fim de contas, e como alertou a criminóloga Rosa Del Olmo, o comércio de drogas ”é o negócio – econômico e político – mais esplêndido dos últimos anos”. Solucionar assunto tão complexo movido por ideologias e paixões me parece descabido.

* Rosa del Olmo é uma importante criminóloga venezuelana, autora, dentre outras, da obra A América Latina E Sua Criminologia, editada no Brasil. Possui extenso trabalho acerca do consumo e tráfico de entorpecentes, em que discute a legalização destas práticas. (Fonte: Wikipédia)



Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Tem mais de vinte anos, eu participei de uma palestra falando de drogas e o palestrante após saudar a todos os presentes, veio com esta pérola: Eu sou o Luizão de Icaraí, sou um ex viciado em drogas ilícitas e todo viciado nesse tipo de drogas é um traficante em potencial.
Essa declaração do Luizão logo de cara, mexeu com muitos dos presentes, deu pra perceber a inquietação de alguns e talvez a intenção do palestrante tenha sido essa mesmo.
Na minha humilde opinião, só existe o traficante porque há consumidores em larga escala.
Cel Larangeira, o senhor lembra daquela declaração de um ex Comandante da PM, um dos oficiais mais respeitados da PM, que prefiro não declinar o nome; veiculada em todos os meios de comunicação da época, que disse o seguinte: Ipanema brilha à noite.
Resumindo: Enquanto houver usuário haverá traficante, haverá disputa por "ponto" , haverá guerra e aí chamem a polícia pra resolver.