terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Drogas: descriminalizar ou reprimir?

“Agentes da lei defendem legalização das drogas


Formada por delegados, policiais e juízes, Leap Brasil diz que guerra aos narcóticos é a grande causadora da violência no país e defende regulação da produção pelo Estado

POR André Balocco

Rio - ‘Quem morre na guerra contra as drogas não é o usuário: é o policial e o traficante’. A frase, dita pelo ex-chefe do Estado-Maior da PM, coronel Jorge da Silva, resume bem a ideia de um movimento que vem ganhando corpo entre os profissionais responsáveis por aplicar a lei no Brasil: a guerra contra as drogas está perdida. Formada por policiais, delegados e magistrados, a Leap Brasil (Agentes da Lei contra a Proibição) acredita que somente a legalização do consumo e a regulação da produção serão capazes de conter a espiral de violência causada pela luta entre Estado e narcotráfico.

“Você já viu alguém tomando conta de uma vinícola com fuzis?”, emenda a juíza aposentada Maria Lúcia Karam, presidenta da organização. “Não viu, mas nos EUA, na época da proibição, era assim. A violência só acabou com a descriminalização”, conclui.

O coronel da PM Jorge da Silva (E), a juíza Maria Lúcia Karam e o delegado Orlando Zaccone: unidos pelo fim das mortes causadas pela ‘guerra’ | Foto: Carlo Wrede /


Criada em 2010, a Leap Brasil vai ampliar sua atuação em 2012. Ela é baseada na sua coirmã norte-americana — de onde vem o maior interesse pela continuidade da política, por conta do bilionário lucro do mercado das armas. “Foi uma política criada pelo Nixon (presidente nos anos 60/70) para combater o movimento dos direitos civis nos EUA, que questionava a Guerra do Vietnã. Como não podiam prender pelo ativismo, prendiam pelo uso de drogas”, acrescenta o coronel Jorge da Silva. “Fui criado no Morro do Adeus, no Alemão, e até os anos 70 as armas eram as pedras atiradas pela garotada”.

O coronel acredita que o fim da guerra às drogas levará as comunidades do Rio a uma nova onda de solidariedade. E de paz. “Já enterrei muitos policiais. Quem morre é o preto, o pobre e o favelado. Vi muito mais gente morrendo na guerra contra as drogas do que por usar drogas”, conclui. “Ser a favor da legalização não é ser a favor da glamourização da droga”.

Procurada, a Secretaria de Segurança informou que não comentaria o assunto.

Delegado fala em ‘hipocrisia’

Delegado titular da 18ª DP, Orlando Zaccone tem pronto o discurso de defesa da Leap Brasil, organização da qual é o primeiro-secretário. “A diferença entre o traficante e o empresário é a legalização”, diz o policial. “Há hipocrisia neste tema. Enquanto o banco HSBC aparece no noticiário de economia pagando multa por lavagem de dinheiro do tráfico, só policiais e favelados morrem nesta guerra”, diz. “A guerra contra as drogas afeta a vida e a saúde de muito mais pessoas do que as próprias drogas”.

Pai, inspetor diz não temer ‘apologia’

Com 17 anos de polícia e membro-fundador da Leap Brasil, o inspetor Francisco Chao garante: não quer que sua filha, ainda criança, use drogas. “Mas se ela quiser, não vou conseguir impedir, mesmo sendo policial. Por isso, prefiro a droga legalizada, porque o Estado terá controle”, diz ele, que tem no currículo a prisão do traficante Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes, após intensa caçada no Alemão. “Na Europa, não se bebe na rua. Com as drogas legalizadas, devem fazer a mesma coisa”.

Minha opinião

Trata-se de um tema que ainda tem matiz de mito, textura de tabu e temeridade de dogma. No entanto, a realidade impõe e tomada de posição dos cidadãos em geral e das autoridades em particular, claro que sem adentrar o campo movediço da apologia. De minha parte, depois de ter combatido (combate mesmo!) traficantes em favelas e logrado sucesso na prisão do mais importante facínora do tráfico na época em que comandei o nono batalhão da PMERJ (abril de 1989 a abril de 1990), desde muito concluí que perdi meu tempo. Aliás, literalmente: minha ação pessoal e convicta de “guerreiro contra o tráfico” só me trouxe transtornos na vida profissional, pessoal e familiar.

Sei, portanto, que não há repressão que solucione o problema do tráfico de drogas, ontem já pujante e hoje ainda mais, além engrossado por outras drogas de letalidade extrema, como o crack. Por outro lado, não sei se a legalização, seja de que modo for, resolveria o problema. Não sei, enfim, se estamos diante de um sim (legalizar) ou de um não (combater) para optar entre um lado e outro da moeda em reducionismo. Porque, embora haja alguns exemplos comparativos de sucesso da legalização mundo afora, creio ser eles ainda incipientes. Também não vejo como comparar exemplos presentes ou passados de descriminalização bem-sucedida a sustentar a tese brasileira, que, no entanto, é válida na medida em que a repressão, como ocorre mundo afora (e aí é possível comparar modelos repressivos que se assemelham), vem acumulando inegáveis insucessos e o único sucesso aparente são cadeias lotadas a mais e mais de peixes miúdos e pouquíssimos tubarões.

A legalização em si, - sem um plano abrangente e profundo de controle do processo de produção, distribuição e comercialização a substituir o tráfico ilegal, - pode resultar em dano maior, tal como ocorre com os jogos de azar. Estes são cada vez mais diversificados e explorados pelo Estado e não logram eliminar os jogos clandestinos, que também se diversificam e seguem como se nada lhes acontecesse de ruim. A não ser, claro, o fato de a população ser motivada a depositar suas misérias em cofres públicos e particulares, com ambos depauperando a mui sofrida população brasileira a mais e mais viciada em jogos de azar. Neste estágio do raciocínio, seria ingenuidade imaginar que a legalização das drogas (produção, comercialização e uso) simplesmente eliminaria a concorrência ilegal. Honestamente, se a repressão é indiscutivelmente falida, a descriminalização corre o risco de também o ser, o que não impede que o tema seja posto na mesa, já que se trata de calamidade social das mais graves ao bem-estar geral da população brasileira.

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