terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobre as UPPs




Dia após dia aumenta a celeuma sobre a real utilidade das UPPs ante os problemas que elas vêm gerando, a par e passo com suas soluções invariavelmente exaltadas pela grande mídia carioca, em especial pelo Sistema Globo, que desde o início aposta todas as fichas nesse modelo de policiamento. Indo, porém, aos problemas, excluídos os desvios de conduta sempre atalhados com rigor pela corporação, não se pode negar que há uma insatisfação a minar o espírito dos PMs lotados em UPPs, conforme difundem outros segmentos midiáticos concorrentes.
Muito bem, hoje é inegável a movimentação de efetivos antigos (estereotipados como “viciados”) para suprir UPPs. Tal providência contradiz o paradigma defendido pelo sistema estatal no sentido de que nas UPPs o que garante qualidade nas interações entre PMs e favelados é a formação diferenciada de novatos, estes que saem direto do CEFAP às favelas. Não tem sido assim, há muitos antigos (“impuros”) em meio aos novatos (“puros”), com os primeiros desestimulados em virtude de suas transferências indesejadas. Enfim, como eu venho desde muito tempo alertando, o cobertor curto começa a ser puxado pelos mais friorentos com a chegada do inverno: cobrem-se as cabeças, descobrem-se os pés, ou vice-versa, com os prazos e as pressões alterando o discurso e a prática.
Tudo bem, não há como negar a evidência do efetivo mesclado, o que não significa desmerecer as UPPs, pois muitas ações positivas as legitimam, malgrado o desânimo que começa a extrapolar por via de reclamações anônimas de PMs aos meios de comunicação menos comprometidos com as UPPs. Por enquanto as chiadeiras são anônimas; mas, se acirrarem e se encaminharem à revolta, isto pode funcionar como um rastilho de pólvora a alcançar o barril... Porém (sejamos otimistas!), creio que a lotação ex officio nas UPPs de PMs distantes de seus lares e quartéis é medida de emergência a ser desfeita tão logo novas fornadas saiam do CEFAP. Deste modo, aos poucos os antigos tornarão aos seus respectivos nichos e a paz intramuros estará garantida. É como se vê, por exemplo, nas situações extraordinárias da tropa (sobreaviso e prontidão), quando a concentração de efetivos ocorre em qualquer tempo ou lugar em que a medida extrema se faz necessária. Depois, tudo se normaliza. Entretanto, as UPPs nasceram para ficar, e, se o tempo de permanência dos antigos for longo demais, a desestrutura funcional e familiar dos transferidos poderá levá-los ao estresse e a reações descontroladas. Neste caso, o rigor disciplinar entrará em cena, mas pode se tornar criminoso...
Inobstante as cautelas, já se nota uma espécie de “caixa-preta” em se tratando do efetivo das UPPs. Deve ser assim, em tese, para atordoar os bandidos, mas também dissimula a realidade dos deslocamentos de PMs, contra a vontade deles, do interior para a capital. No fim de contas, quantos serão? Quantos homens? Quantas mulheres? São casados? Têm filhos? Moram em casa própria ou pagam aluguel? Como se deslocam? A que escala de serviço concorrem?... Eis um sem-número de indagações em lista que pode e deve ser ampliada de modo que o sistema situacional se antecipe aos problemas para contorná-los ou eliminá-los de caminho. E a principal indagação: “Qual é a proporção de concentração de PMs em UPPs em relação ao efetivo global?”
Esta indagação procede. Afinal a PMERJ, como polícia administrativa de segurança pública, deve ter como missão precípua a prevenção pela presença ostensiva nas ruas e logradouros, o que torna imperativo um máximo fracionamento da tropa a gerar máxima frequência do patrulhamento. Concentrar efetivos é o inverso disso e até o advento das UPPs essa concentração somente ocorria nos policiamentos de grandes eventos como carnaval, micaretas, clássicos de futebol, parada gay, basquetebol, voleibol e semelhantes. Ou nas manifestações de categorias trabalhadoras isoladas ou entrelaçadas por interesses comuns com tendência ao acirramento dos ânimos – os distúrbios civis.
Na verdade, malgrado o seu sucesso (estratégico e tático) e ressalvados os óbices, as UPPs talvez retratem no futuro uma impropriedade operacional, pois a concentração de meios humanos torna regra o que deveria ser exceção. Há também o perigo de o tempo confirmar quão difíceis ou impossíveis são as interações entre policiais e trabalhadores em favelas, como comprovou em meticulosa pesquisa a estudiosa Alba Zaluar*. Tal dificuldade poderá inviabilizar as UPPs. Porque, por mais que o sistema situacional torça em contrário, acontecerão episódios como o da prisão do favelado que conduzia um pit bull sem a focinheira no morro da Mangueira (inegável ilegalidade). Claro que a situação exigiu o uso da força pela PMERJ, logo, porém, pintada em violência, recebendo a corporação os imediatos apupos e ganhando aplausos dos favelados e da mídia o rapaz tão feroz quanto seu cão (há certa osmose entre o pit bull e seu dono...).
O alento reside na competência dos gestores diretos do programa de UPPs: a oficialidade, à qual incumbe liderar a tropa de modo a sufocar a insatisfação e fazer predominar a motivação. Para tanto, porém, a os oficiais devem crer piamente na utilidade das UPPs, e se dedicarem com afinco na busca do acerto permanente. Eis uma tarefa tão complexa como liderar tropa em combate no teatro de operações, exaltando-a de tal modo que os soldados avancem à morte sem reclamar. No caso das favelas com UPPs, quem sabe fosse de bom alvitre disseminar na tropa um ânimo ajustado à máxima do Marechal Rondon (“Morrer se preciso for; matar nunca.”)?... Porque, afinal, nem toda lei do asfalto societário (a casa-grande) se aplica às favelas comunitárias (a senzala). Hum... Será isto uma utopia?... Não! Creio que não! Ao fim e ao cabo a PMERJ superará mais este desafio, assim como superou tantos outros ao longo de sua história de luta e glória, e sagrar-se-á vencedora mesmo nesses tempos difíceis.

* Zaluar, Alba – A Máquina e a Revolta – São Paulo: Ed. Brasiliense, 2000.

9 comentários:

Anônimo disse...

Visitando e deixando um beijo!
Sua fã e amiga!

Mari Torres

Anônimo disse...

Pô Misoca dessa vez eu fiquei p...com voce, que negócio é esse de "morrer se preciso for, matar um traficante nunca.."
Morrer é o cacete pô...

Emir disse...

Pô, cara, você é um sacana! Claro que não me referi ao trafica, que deve sempre esticar os canudos e se encontrar com o exu-caveira bem rapidinho. Refiro-me ao trabalhador, que na ótica de Alba Zaluar não confia na polícia, mas no seu "igual miserável", que é o bandido. Vencer tal resistência pondo a polícia como simpática ao trabalhador favelado é pura utopia, assim como, lá no fundo de mim, eu considere utópica qualquer integração comunitária, pois assim a cientista Alba Zaluar concluiu com razão. E o que não é ciência é ficção, achismo, oportunismo político etc. De tal modo que as UPPs hoje estão badaladas e rendendo fama e grana pra muita gente "global". Não é?... Portanto, não me confunda, pois o preço que ainda pago por não gostar de trafica é caro em demasia. Quando eu prendi o trafica Cy da Acari, um delegado me ligou parabenizando-me "pela prisão da década", não sem acrescentar que eu "entrara de penetra numa festa de comensais importantes e poderosos e chutara o bolo."... É, esse bolo feito de maconha com glacê de cocaína ainda me custa muito caro, pois há muitas gentes poderosas que no escondidinho de suas vidas cafungam o pó e cultuam o ódio ao policial que combate seus vendedores. E é claro que também não sugeriria à tropa a ideia do Marechal, se eu fosse um dos oficiais que seguram a violenta onda das UPPs, que, cá entre nós, rende boa notícia e alivia um pouco as más notícias inevitáveis. Penso que os oficiais não têm culpa, cumprem missão, como nós o faríamos mesmo a contragosto.
Abs.

Anônimo disse...

Ahhh bem.....

Belzeba

Anônimo disse...

Querido amigo, feliz dia do amigo!

Bjss,

Mari Torres!!

Paulo Xavier disse...

Boa tarde Cel Larangeira.
Existe rumores muito fortes que Macaé será contemplada com uma UPP; para mim soa como campanha eleitoral já que eles são mestres nessa arte. Com ou sem UPP, Macaé melhorou bastante nos últimos meses em relação à segurança pública, poderia afirmar que várias comunidades foram pacificadas sem a tão badalada UPP.

Cynthia disse...

Bom dia, Coronel! Faço uso deste para lehe dizer que acompanho seu blog, suas considerações e seus colaboradores que enaltecem seus comentários corajosos, pertinentes e tão bem redigidos sobre a PMERJ, corporação que, ao que me parece, o senhor defende saudoso e que deveria ser um corpo só, buscando consecução de objetivos, como a própria definição da palavra, corpo e ação. Me sinto a vontade para tecer apenas humildes comentários, pois, em minha infância e adolescência, meu pai (hoje na reserva) me mostrou um retrato da PMERJ. Retrato este que mostrava trabalhadores, heróis respeitados, com maioria de caráter incorruptível, aliados a sua devoção à causa. Reconheço ser um retrato romântico demais para a realidade situacional. O retrato que eu tenho está meio "borrado", meio apagado e amarelado. Desta vez, me sinto a vontade para tecer comentários, não mais humildes, nem românticos. O retrato, desta vez, tenho que contestar. Trabalho ha 4 anos no sistema socioeducativo (DEGASE) e indiretamente, por vezes diretamente e infelizmente, convivo com um pequeno efetivo da PMERJ que ( me perdoe,Coronel, a rebeldia) me decepciona, que não sabe distinguir bandido e população de bem no trato, que não fala nossa língua (literalmente falando, não fala a Língua Portuguesa). E cabe ressaltar que também sou funcionária do mesmo Estado que o efetivo supracitado e mesmo esquecendo o corporativismo, cabe, também, a indignação com que fui tratada, um outro dia próximo, sendo chamada de "defensora de vagabundo" por uma pessoa ligada à corporação a ponto de "dar voltas" na patamo da P2!!! Não é denúncia, é fato contado por esta pessoa com orgulho, mesmo sem ser parte da PMERJ, anda armado e ameaça em nome da corporação!!!Chegou a me dizer: "seu pai, um coronel de pijamas, não vai te defender!!" Onde estamos,Coronel?? Que Estado de Direito é este??. No momento, me senti ofendidíssima, engessada e até mesmo ameaçada. Aliás, ameaçada nada! Aprendi pouco dessa vida, mas descobri sinônimo entre as palavras ameaça e covardia.E aprendi também que respeito é para quem tem... Perdoe, Coronel, não era para ser um desabafo, sou verborrágica e acabei exagerando na escrita. Este texto introdutório todo, foi apenas para lhe fazer uma pergunta: como consigo comprar o livro "Cavalos Corredores"? Pesquisei, mas não o encontrei para comprar. Sei que poderia baixar na internet, mas o senhor, como óbvio devorador de livros, deve entender o que vou dizer...Gosto do "cheiro" do livro. Aproveito para demosntrar meu votos de estima e respeito.
Cynthia Monnerat.

Emir Larangeira disse...

Prezada Cyntia Monnerat

Não sei se você sabe, mas um dos mais ilustrados e dignos oficiais da PMERJ chama-se Luiz Estanislaw Erthal Monnerat, de quem tenho o privilégio de ser amigo. Gostaria que você me mandasse seu endereço para envio de outros livros, já que o que você procura nem eu o possuo mais. Incrível! Sou o autor e não me sobrou nenhum exemplar e até eu, por enquanto, se resolver reler o meu texto serei obrigado a imprimi-lo em copiadora. Já o livro com o qual pretendo lhe presentear, dentre outros, é "O Espião". Nele você encontrará a resposta para a má conduta dos PMs com os quais você infelizmente lidou. Mandarei outros exemplares que me estão ainda disponíveis em consideração à sua importante intervenção, que me deixou deveras feliz. lamento não poder atender ao seu pleito pelo livro "Cavalos Corredores". Vou pensar numa outra edição até por minha conta, tamanha é a procura dele, embora eu não o considere o mais importante a não ser pelo fato de retratar uma realidade por mim vivenciada. Mas o texto de O Espião, embora ficção, ser-lhe-á muitíssimo útil ante a situação por você enfrentada.

Obrigado pelo carinho.

Aguardo o e-mail para envio dos livros.

Abs.

Emir

Cynthia disse...

Coronel, agradeço sua imediata resposta e quanto ser presenteada, me sentirei honrada, mandarei meu endereço por email. O senhor citou : "um dos mais ilustrados e dignos oficiais da PMERJ chama-se Luiz Estanislau Erthal Monnerat, de quem tenho o privilégio de ser amigo"...Temos algo em comum, também tenho o privilégio de ser filha dele.
Um abraço.
Cynthia Monnerat