quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sobre o Complexo do Alemão

Fonte: O Globo de 01/12/2010

As especulações sobre falhas na bem-sucedida ação operativa das forças conjuntas federais e estaduais, civis e militares, devem ser bem-vindas. Claro que não me refiro aos idiotas “piedosos socialistas” que gauderiam sempre como parasitas a se alimentarem do caos. Desta feita os discursos deles e delas esvaziam-se em denúncias anônimas, que, infelizmente, parte da imprensa, e pelos mesmos motivos torpes, difunde-as ao grande público quase que como fatos consumados, quando, na realidade, nem mesmo apurados alguns merecem ser, de tão inconsistentes. Por outro lado, algumas críticas merecem atenção de quem estuda o assunto e torce sinceramente pela paz duradoura.
Tenho visto muitas indagações, algumas extremadas como: “Por que a polícia não ocupou a passagem da Vila Cruzeiro para escorar os bandidos em fuga?”. Claro que a polícia poderia tê-lo feito em operações aerotransportadas. Ocorre que, de pronto, toda a ação operativa, cujo objetivo era a rendição dos marginais e não a reedição de matanças anteriores, contava com o comando de competentes e integrados chefes militares federais e estaduais e de forças especiais da Polícia Civil e da Polícia Federal. E não me há dúvida de que todos consideraram atualíssimo o ensinamento de Sun Tzu: “Se, reduzidos ao desespero, os inimigos vêm dispostos a vencer ou a morrer, evita o embate. Deixa uma saída a um inimigo acossado; caso contrário, ele lutará até a morte.” Claro que essa estratégia foi uma das muitas levadas em consideração pelos responsáveis pela inédita operação.
Outra indagação que permaneceu no ar de modo impertinente foi o porquê de a invasão do Complexo do Alemão ter ocorrido nas primeiras horas da manhã, em vez de durante a noite. Mais uma vez me reporto a Sun Tzu: “De manhã, os espíritos são penetrantes; às tarde, enfraquecem, e, à noite, querem voltar para casa.” Trata-se de controle de “fator moral”, o que o Coronel Mário Sérgio aplicou com sabedoria de guerreiro experimentado ao determinar a rendição e esperar que os bandidos, já desesperados, passassem o tempo seguinte vivenciando um trilema (escolha entre três alternativas ruins): ou se render com as armas no alto da cabeça (regra internacional de rendição indicando claramente que o Estado ali estava pronto para uma “guerra” sem retorno); ou enfrentar as forças do bem em evidente desvantagem, já sofrendo os efeitos da desmoralização da fuga atabalhoada de mais de cem bandidos da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão. Enfim, guerra adrede perdida; e a terceira alternativa igualmente ruim, mas, das três, e individualmente, a melhor: aproveitar-se do anonimato, desfazer-se das armas e das drogas e ocultar-se em suas próprias casas, fazendo-se passar por “morador de bem”, enquanto os chefões cuidavam de uma fuga sabidamente programada, mas ainda desconhecida pelo sistema situacional: a rede de esgoto.
Enfim, imaginar que não houvesse artimanhas do outro lado seria uma infantilidade que, decerto, não fazia parte do espírito dos comandantes e chefes da ação operativa. Claro que, se a específica artimanha fosse adrede conhecida por informação de alguém, é fácil imaginar a cena de líderes do tráfico famosos pela crueldade surgindo como ratos de esgoto diante do mundo. Eles correram esse risco, sim. Porém, esse plano de fuga, – que será meticulosamente investigado, e que se reporta aos tempos feudais e seus castelos cheios de labirintos secretos para o mesmo fim, – esse plano de fuga foi guardado a sete chaves pelos líderes que assim escapuliram. Mas serão menos tarde aprisionados em algum lugar. Afinal, eles não têm o dom da invisibilidade fora do homizio.
Por último, grafo mais um ensinamento da Arte da Guerra de Sun Tzu: “A guerra deve ser a última solução. Os combates, quaisquer que sejam os resultados, têm sempre um gosto amargo mesmo para os próprios vencedores. Só se deve travá-los quando não houver outra saída.” Daí, aos mais entusiasmados, tanto como eu, sugiro confiar na inteligência dos condutores dessa histórica mudança. Porque não é a quantidade de traficantes que assusta, mas o poder de alguns que gozam da confiança dos grandes fornecedores do asfalto e de outros países. Retirar um líder de circulação, fazê-lo escapar ingloriosamente como um rato, ou por qualquer outro artifício, tudo isso é o de menos. O importante e recolher armas e drogas. Sem estoque, eles não podem vender nada mais que limão na feira, e muitos daqueles que vimos correndo, e que ainda não possuem folha penal, tentarão pular fora do barco arranjando um emprego honesto. Aí, sim, o Estado deve investir pesado, gerando oportunidades de trabalho para quem ainda pode retornar do lado do Mal para o lado do BEM por meio do trabalho e não pela inviável ressocialização no falido sistema carcerário nacional.
Embora eu tenha firmado o parágrafo anterior como derradeiro, não posso deixar de recomendar a leitura do artigo do jornalista Merval Pereira, no O Globo de hoje, 1º de dezembro de 2010, com o título “Juizados Especiais”. Releva como importantíssima a avaliação do Promotor de Justiça Paulo Roberto Mello Cunha, titular do Tribunal do Júri de São Gonçalo, esta que deveria ser texto de cabeceira de todas as autoridades públicas que agiram no Complexo do Alemão e decerto o farão em outras cidadelas do tráfico. O Promotor de Justiça, com invulgar sabedoria, sugere uma saída legal para a revista casa a casa nas favelas. Para mim, haveria de haver a decretação do “Estado de Defesa”, ou, exatamente, a presença de Promotores de Justiça e de juízes desde o planejamento das ações até o seu final. Porque até mais humilde barraco é “asilo inviolável”... Não por acaso, eu instituí um modelo de ação como o que houve no Complexo do Alemão, integrado a uma ação maior, nacional, no meu romance Operação Arabesco, disponível para leitura e impressão no meu site (www.emirlarangeira.com.br
).

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Deixando os críticos de lado, bem como aqueles que só vestem a camisa quando o time para o qual torcem estão ganhando, ou nem torcem tanto assim, volto aqui para dizer que essa operação foi um marco na história da segurança pública do estado do Rio de Janeiro. A fuga dos bandidos foi providencial; houvesse um confronto como o planejado, haveria rios de sangue com baixa para ambos os lados, dado a quantidade de armas apreendida. Foi melhor assim; ganhou o cidadão de bem daquelas duas comunidades, ganhou o povo do Estado do Rio, ganhou todos os envolvidos nessa guerra, desde o mais alto posto ao último soldado. Todos eles poderão bater no peito e dizer: "Eu venci essa guerra".