sábado, 14 de agosto de 2010

Sobre a libertação do matador de Tim Lopes

Complexo do Alemão (Fonte: O Globo)

A libertação de um dos assassinos de Tim Lopes, facilitada pela lei de execuções penais, deve ser levada ao passado para nos fazer relembrar as pressões da mídia e as ações parlamentares na Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Por conta de variados segmentos lobistas em favor de presos comuns, a Carta Magna entupiu-se de direitos para criminosos, sob o pretexto de proteger direitos de presos políticos. Generalizaram deste modo a exceção, e agora cortam na própria carne os efeitos disso. Cá pra nós, o crime foi tão bárbaro que nenhum comportamento padrão dentro da cadeia justifica a soltura do bandido pela porta da frente. Contudo, lei é lei, e cabe à Justiça aplicá-la segundo os seus ditames. Foi o que aconteceu e o resto é consequência natural: o bandido tornou ao seu homizio com maior prestígio que antes, sem falar na periculosidade consagrada entre seus comparsas presos e soltos em vista da crueldade com que matou o jornalista.
Diante do absurdo da soltura do assassino, a mídia faz coro no sentido de que a polícia acelere o passo para prendê-lo sem considerar a dificuldade de que se reveste essa empreitada policial. Ora, quem lembra o processo de formulação da “constituição-cidadã” não pode ter esquecido as pressões apoiadas pela mídia em grande estilo “esquerdista-socialista”, confundindo autênticos direitos políticos com os de bandidos contumazes. Agora cobra da polícia uma pressa temerária, pois o coautor da morte de Tim Lopes é “cabeça” do Complexo do Alemão, lugar mais inexpugnável do banditismo do tráfico no Rio de Janeiro (por enquanto...), e que por isso depende de ação planejada com vistas a uma solução definitiva. Afinal, a última incursão policial ali havida foi abanada pela mídia como “massacre” (vide resumo dos fatos na wikipedia)...
Uma incursão policial mal planejada naquele lugar poderá, sim, ceifar a vida de cidadãos inocentes e de policiais, demais de perturbar o desenvolvimento de uma estratégia que veio para ficar: a instalação de UPPs em comunidades antes dominadas pelo tráfico, algo com que eu vinha cismando, mas hoje, depois das sucessivas e bem-sucedidas ações do BOPE, seguidas de ocupações por policiais orientados com esse fim comunitário, entendo-as perfeitamente sob o ponto de vista estratégico, tático e operacional da segurança pública. Até porque, como expus mais de uma vez em artigos no meu blog, eu me arrisquei a conquistar e ocupar uma comunidade carente da Zona Norte, e enquanto eu comandei o nono batalhão o modelo funcionou maravilhosamente. Mas, com a mudança de governo, o comando seguinte desfez o policiamento e a favela foi reconquistada pelos bandidos antes expulsos, com graves prejuízos à integridade física dos moradores que ostensivamente apoiavam a ocupação policial. Muitos foram simplesmente eliminados. Eis, com certeza, um filme que não desejo ver de novo...
Quanto ao Complexo do Alemão, este é talvez o maior desafio da polícia. A população estimada em aproximadamente 160.000 almas (dados da Wikipedia) demonstra uma densidade demográfica maior que a de muitos municípios fluminenses. Também a topografia é das mais complicadas para encetar uma ação policial nos padrões de normalidade, mesmo que com grandes efetivos e poderio bélico no mínimo compatível com a força armada representada pelos bandidos.
A primeira avaliação, portanto, não pode ser meramente policial (nada impede decretar ali um “Estado de Defesa” nos termos constitucionais), mas de natureza social, porque é certo de que se trata de conglomerado carente a merecer atenção governamental de alta envergadura. Deste modo, qualquer a ação estatal naquela localidade deve ser apenas parte de um plano maior e nacional de integração dessa população à vida normal do asfalto que a cerca e a torna uma espécie de “ilha” de pobres, indigentes e miseráveis cercada de população periférica por todos os lados.
Os riscos de um confronto total no Complexo do Alemão são indubitavelmente de guerra, e fortes são as possibilidades de vítimas inocentes engrossarem o que, decerto, será outro “massacre”. Nada mais inoportuno, por conseguinte, atender ao clamor midiático e tentar agora prender o assassino de Tim Lopes, valendo lembrar que, mesmo sendo importante jornalista, foi ele quem assumiu um risco além do seu controle e culminou torturado e morto. E não são poucos os abnegados jornalistas, como Tim Lopes, que muito se arriscaram e se arriscam como verdadeiros correspondentes de guerra em plena zona urbana do Rio de Janeiro. Dois deles merecem destaque: Albeniza Garcia e Wagner Montes. Ambos se expuseram ao risco de morte lado a lado com policiais para conquistar reportagens únicas, como o fazia Tim Lopes, que, indo além, arriscava-se também sozinho. Graças a Deus, Albeniza Garcia e Wagner Montes sobreviveram. Demais de tudo isso, muitas são as vítimas anônimas igualmente eliminadas por traficantes depois de torturadas, incluindo-se um expressivo número de policiais. Nada disso, entretanto, será capaz de legitimar alguma ação precipitada por parte dos gestores da segurança pública.
Pra começo de conversa, definir aquela comunidade chamada de “complexo” é outra enorme dificuldade; pois é certo que cada núcleo favelado guarda sua própria identidade, como se as favelas fossem “bairros contíguos”, sendo por vezes até ofensivo designar um morador de determinada favela como se fosse de outra. E embora hoje, e aparentemente, toda a região esteja sob o controle do Comando Vermelho, muitas guerras sangrentas entre facções inimigas ali ocorreram. Portanto, quem imagina a existência de homogeneidade comunitária ou de “união fraterna” entre as facções criminosas no Complexo do Alemão (inclusive as de mesma sigla) tende a incorrer num grave erro de avaliação psicossocial e de inteligência policial. Mesmo assim, se o Complexo do Alemão, – com sua população diferenciada em núcleos comunitários diversos, – é a regra, o banditismo que infesta o lugar há de ser a exceção, porém com apreciável poder de reação, o que torna a região uma fortaleza difícil de ser conquistada e ocupada. Mas não impossível, desde que a ação estatal se dê em momento certo...
Creio, salvo melhor juízo das autoridades, decerto bem mais informadas, que uma das indagações dos gestores da segurança pública sobre como agir no Complexo do Alemão deva passar pela escolha do modelo operacional a ser adotado para solucionar o problema de modo permanente. Porque provado está que as ações pontuais realizadas pela PMERJ e pela PCERJ naquela localidade não funcionaram além da apresentação de muitos mortos de lado a lado. Nem mesmo minimizaram a cruel realidade do poderio do tráfico, pujante em todos os sentidos, com características de exército paramilitar de guerrilha sem ideologia, a não ser a do crime em si e de seus lucros astronômicos: a narcoguerrilha urbana.
Na verdade, creio até que a investigação criminal deva coadjuvar a produção de informações pela inteligência policial (nacional e estadual). Porque o poder de reação dos bandidos não pode ser subestimado, e a seletividade dos meios estatais (federais, estaduais e municipais – militares e civis) deve ser de tal monta que garanta sua superioridade desde a fase de conquista à de ocupação definitiva. É certo, porém, que algumas rotas de fuga devem ser permitidas, de modo a evitar a típica reação de “feras acuadas” (desnecessária e pouco recomendável desde Sun Tzu). É melhor desarticular os quadrilheiros fora de seus homizios, muitos dos quais dominados por facções inimigas, o que lhes diminuem as possibilidades de encontrar novos e seguros esconderijos e lhes prejudicam o anonimato, facilitando a ação da polícia judiciária em aprisioná-los depois de singularizá-los. Enfim, tudo deve ser mui bem planejado, sem pressões midiáticas e demonstrações desnecessárias de “heroísmo policial”.
Com meios materiais e humanos estatais adequados, – e eles são superiores aos dos bandidos, – o Complexo do Alemão será um dia libertado dos grilhões do crime. Para tanto, porém, isto não pode ser situado como “meta eleitoral”, o que seria, no meu modesto entender, “loucura napoleônica” a reeditar a Rússia de 1812... Na verdade, e lembrando o mestre William Shakespeare, não é hora de fazer “muito barulho por nada”. Porque o ideal é a seletividade do uso da força, o que demanda muito esforço de inteligência e de investigação policial para que a ponte não seja maior nem menor que o rio: “Por que fazeres mais comprida a ponte do que a largura máxima do rio?” (William Shakespeare). Significa dizer que a ação libertadora e pacificadora do Complexo do Alemão não pode atingir inocentes, o que torna a decisão de agir uma das mais difíceis para qualquer governo de hoje ou de amanhã...

4 comentários:

Paulo Xavier disse...

Provavelmente a mídia continuará cobrando das autoridades, a prisão do assassino de Tim Lopes. Quantos bandidos com mandado de prisão ou prisão preventiva decretada estão soltos por aí? São milhares ou dezenas de milhares, a engrossar as fileiras dos "pedidos" como se diz na gíria policial.
Quantas viúvas e órfãos não cruzam diariamente com os assassinos do marido ou pai sem nada poder fazer? O que não pode é as nossas polícias, civil e militar, se impressionarem ou se deixarem pressionar pela mídia.
Não creio que exista prioridade para se prender bandido, nem mesmo em época de eleição.
Parabéns Cel Larangeira, como sempre, matando a cobra e mostrando a cobra morta.

NEIDE disse...

GOSTARIA DE ACREDITAR QUE O PROBLEMA DO COMPLEXO DO ALEMÃO FOSSE REALMENTE TÃO COMPLEXO ASSIM, COMO TAMBÉM O DA ROCINHA. TODA ÉPOCA DE ELEIÇÃO SE FALA A MESMA COISA E NO FIM, TERMINAM AS ELEIÇÕES E AÍ O PROBLEMA JÁ NÃO É TÃO URGENTE E VAI ESPERANDO PARA A PRÓXIMA. NOSSAS LEIS SÃO UM ABSURDO PARA NÃO FALAR UMA COMÉDIA. FOI ULTRAJANTE PARA QUALQUER BRASILEIRO VER NA SUA TELA DE TV O ASSASSINO DE TIM LOPES A SOLTA, TRAFICANDO COMO ANTES E COM UM SORRISO LARGO ORIUNDO DA IMPUNIDADE. FICO IMAGINANDO A CABEÇA DOS FAMILIARES QUE ASSISTIRAM A MESMA CENA, A REVOLTA ACEITÁVEL DE TODOS ELES.DEPOIS DISSO NÃO HÁ MAIS O QUE SE FALAR.

Emir disse...

Oi, Neide

Complexidade não significa impossibilidade. A questão do Compexo do Alemão e da Rocinha (dois ícones do tráfico dominado por facções rivais) deve ser tratado com o que profissionalmente denominamos "seletividade do uso da força" aliada, claro, à oportunidade da ação, para que ela seja vencedora e definitiva. Mas fazer uma operação pondo emrisco vidas ionocentes e de policiais só para atender aps reclamos da mídia, aí não dá. Nós sabemos que aquele bandido matou Tim Lopes e deve ter matado muita gente, incluindo policiais. Claro que a arrogência dele faz doer nosso amor próprio. Mas a hora dele chegará e há de ser com o gosto do mesmo sangue que ele já derramou, só que, desta feita, que seja com o sangue dele, porque é certo que ele não se entregará! E ele não estará sorrindo...

Obrigado pela intervençao!

Luiz Drummond disse...

É Emir mas tem a questão eleitoreira por trás da UPP sim como a gente desconfiava.
Dê uma olhada nessa matéria do Estado de São Paulo, um jornal fora dos domínios fluminense e que portanto naõ está comprado pela propaganda política Cabrlalina.
UPP é cabo eleitoral da Dilma. Essa matéria deixa bem claro. Bom já dava pra desconfiar, partindo do princípio que quem implantou o Beltrame na SSP/RJ foi o ex. ministro e atual candidato do PT ao governo do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.
http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,planalto-poe-upp-em-nova-agenda-casada-com-dilma,596687,0.htm