sexta-feira, 9 de abril de 2010

Estado de Calamidade Pública II

Hiroshima


Berlim




“A calamidade é ruim para o povo, mas boa para a sociedade.” (Erich Fromm)

A máxima atribuída ao psicólogo e escritor alemão seria inspirada em dois fatos históricos: o soerguimento da Alemanha após a II Grande Guerra e a reconstrução das cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki, ambas destruídas por bomba atômica no mesmo período belicoso. A lógica do estudioso pode parecer cruel, porém não passa de constatação da capacidade de o ser humano, atingido por extremo infortúnio, despertar-se do marasmo e realizar obras incríveis em pouco tempo.
Deixando as críticas de lado, mas aproveitando para insinuar que os que criticam a qualidade da fechadura o fazem depois da porta arrombada, com destaque para a mídia, que mais parece urubu se deliciando da carniça, unir esforços positivos é possível e necessário. Porque não adianta mais a troca de farpas em vista dos últimos e nefastos acontecimentos. Todos são responsáveis, estado e sociedade, cada qual por sua parcela de obrigações mal cumpridas ou descumpridas. Cobrar agora a culpa de alguém, em especial empurrando-a ao passado, não contribuirá para o soerguimento do Estado do Rio de Janeiro.
Hoje só se fala mal do prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, destacando-se como crítica ferina a sua fama de dormir até tarde sem considerar com clareza que ele é notívago e também trabalha até tarde. É questão de estilo e não de preguiça. Eu costumo dormir à tarde para escrever pela madrugada e nem por isso me sinto preguiçoso. Mas, em tendo razão a “voz do povo”, claro está que o prefeito acordará do seu suposto marasmo. Nem há como dormir hora alguma. Ele terá de fazer muito esforço para acordar do que seria o seu “berço esplêndido” conquistado nos seus mandatos anteriores em que Niterói mudou inegavelmente para melhor. E também não se pode deixar de relevar as alternâncias de poder, momento em que um novo governante sempre sente uma vontadezinha de desfazer ou descontinuar boas obras de adversários anteriores.
No caso da Cidade Maravilhosa, só os cegos, surdos, mudos e altistas não enxergam nem ouvem ou falam, ou então ignoram: há muito tempo, consecutivos governantes colocam mais glacê sobre o mesmo bolo apodrecido, pesando-o deveras e adiando seu desmoronamento no costado do seu sucessor. Essa tendência de maquiar a podridão do bolo com cobertura cheirosa vem de longe, e com o consentimento de políticos que se alternaram no poder, aliados ou adversários, todos seguindo a mesmíssima receita de um só bolo mofado e oculto em glacê branco como a neve.
O bolo desmoronou! A podridão aflorou como um tumor lancetado pela cansada mãe-natureza. Terão agora, os políticos detentores e não-detentores do poder, que repensar atitudes e comportamentos, de preferência silenciando ante as críticas e trabalhando dia e noite para confeccionar um bolo sadio. Para tanto, porém, deverão descobrir a receita, não sem antes jogar fora o bolorento passado. Para esta nova receita será necessário, de pronto, convocar ou pedir a ajuda de quem entende da confecção de bolos. Não adianta colocar na cozinha um confeiteiro improvisado. O tempo urge e só existe um confeiteiro capaz de formular uma receita condizente com a realidade da festa fúnebre que se instalou nas cidades cujos bolos “por fora bela viola, por dentro pão bolorento” ruíram definitivamente. Esse confeiteiro há de ser um especialista consagrado e testado em seus conceitos e práticas.
Ser humilde e responsável é preciso! Assumir para si as falhas sem recalcá-las ao passado será obrigatoriamente o primeiro passo. Os japoneses não soergueram suas cidades bombardeadas culpando os lançadores das bombas atômicas. Isto seria perder tempo. Afinal, o objetivo dos lançadores foi atingido e a guerra inventada pelos nipônicos (o bolo deles podre a alegrar a festa de Pearl Habor...) lhes custou uma acachapada derrota. Humildes, porém, os japoneses acordaram para a dura realidade a enfrentar e venceram o tempo e a desgraça soerguendo o país. Com a Alemanha não foi diferente: os alemães construíram um bolo gigantesco e se esqueceram da tábua (alicerce); fizeram-no sobre a mesa fixa e pesada e depois tiveram de carregá-la junto com o bolo aos locais de todas as festas, esquecendo-se dos esfaimados comensais que os aguardavam; aniversariaram a vitória antes do final da festa e tiveram também de tornar ao zero absoluto da humildade, e assim o povo germânico soergueu o país em tempo recorde, quase que inacreditável se compararmos a Alemanha destruída pela guerra com a de hoje.
Esses dois exemplos a escorar a máxima de Erich Fromm são bastantes. E não há como os governantes tupiniquins, hoje desmoralizados e sem palavras, tentar encontrá-las ou reencontrá-las para ludibriar o eleitor. Estava tudo podre por baixo dos panos de um cenário falsamente belo a esperar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Mas, ao que tudo indica, Deus é efetivamente brasileiro: Ele nos deu a calamidade ruim para acordar a nossa sociedade de sua hipocrisia. E quase que o serviço divino foi completo. Somente não o foi porque Deus é bom: o PROJAC esteve mui próximo das destruidoras enchentes...
O recado está dado: não adianta construir cenários temporários para servir de fundo à falsificação da realidade com vistas a lucros financeiros; não adianta emprestar glamour às UPPs em morros que poderão desabar como bolos podres a qualquer momento. Nem mais convencerão a ninguém os PACs, PECs, PICs, POCs e PUCs... Agora é tudo realidade, cruel, que precisa de contrapartida igualmente real, e não de promessas de “casas-vidas” para quem perdeu não somente a casa, mas também o lar e a família. E nenhum discurso transferindo responsabilidades, – ou choradeira adrede programada, – vencerá o fato que se configura no Estado do Rio de Janeiro e se traduz, numa só palavra, no grande desafio desses atordoados governantes: vencer a tragédia. Ah, vai um conselho gratuito aos antes poderosos e entusiasmados e ora fragilizados governantes das calamidades: tal como interpretou as emoções da vida o artista Paulo Vanzolini, é passada a hora do “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.

2 comentários:

Paulo Xavier disse...

A História já nos mostrou que com trabalho e seriedade podemos reconstruir o que parecia arrasado definitivamente, o texto foi bem explícito nesse sentido; porém o que me deixa cabreiro e provavelmente é o que deverá acontecer, é que tão logo os holofotes se voltem para outras tragédias, esse povo do Bumba sentirá novamente a ausência do Poder Público, voltando a ser tudo como antes no quartel de Abrantes.
Nosso povo já aprendeu a se virar sozinho; faz um mutirão aqui, coloca uma laje com uma feijoada ali, passa uma lista e em duas horas arrecada-se o suficiente para se fazer um enterro digno e vai por aí.
Infelizmente, o que o povo menos espera nessas horas é ajuda do governo. Ele, o povo, está acostumado a se virar sozinho. Fica um fio de esperança, a confiança nos governantes se foi há muito tempo.

Neide disse...

Emir!
O seu comentário me fez voltar no tempo e lembrar dos Brizolões, os quais, muitos deles ou não estão funcionando por falta de professores ou por não terem chegado ao final, pois, o mandato acabou, veio outra eleição e o político que entrou, como não mais lucraria com o seu término, se tornaram esqueletos de um corpo já não presente. Tambem a pouco tempo, o nosso ilustre prefeito resolveu trocar a cor da Prefeitura que era o laranja, para o azul. Disse não gostar da cor antiga. Realmente era prioridade máxima em vista do caos das enchentes que, querendo ou não sabemos que sempre que temos chuvas fortes e duradouras, é inevitável a tragédia onde famílias perdem não apenas o que passaram a vida inteira trabalhando para ter mas tambem entes queridos irrecuperáveis pelo menos nesta encarnação. Fico viajando em meus devaneios, que se fosse o Palácio da Guanabara ou o prédio da Prefeitura a ficar imerso na calamidade pública, talvez houvesse uma chance de uma solução imediata e definitiva para tal problema. Enquanto isso não acontece, o povo continuará a passar por esses momentos fúnebres e a tremer cada vez que ouvir rumores de nova tempestade. Como dizem que Deus é brasileiro e que somos gigantes pela própria natureza, esperemos que o sol ilumine um novo mundo, a começar de cima para baixo.