quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Sobre as tragédias e as festas do fim do ano


“Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente.” (Abraham Lincon)

“Nunca na história desse país” alguns governantes compraram tanta fechadura pra fechar porta arrombada... As medidas governamentais anunciadas em meio às enchentes e deslizamentos com muitas vítimas fatais e feridos graves são desse porte, ou, como sugeriu Elio Gaspari no artigo em destaque, são de construtores de “dragões de festa chinesa”. Na verdade, os anúncios oficiais de “providências” não passam de manobra esperta a desviar a atenção do antes que falhou para o depois que igualmente falhará. Porque, ao anunciar em estardalhaço as interdições e os desmontes de casas construídas a sopapo nas áreas já afetadas, os principais responsáveis pelas tragédias (governantes e seus prepostos) desviam a atenção pública de centenas de regiões em todo o RJ que sofrerão com as próximas catástrofes.
Aposto nisso com mais certeza que Nostradamus. Vi filme idêntico quando trabalhava na Defesa Civil/RJ. Naquela época (1975-1979), porém, o governante Faria Lima (Almirante da Marinha de Guerra) se fazia presente em todas as calamidades, muitas delas com os mesmos efeitos funestos de hoje: 44 mortos em Petrópolis, 54 mortos em Friburgo, 29 mortos em Teresópolis etc., sem contar a enchente de 1979, no Norte e Noroeste do RJ, fenômeno tão grave como antigo. Já vi cheias do rio Paraíba, em Campos dos Goitacazes, quando criança (1955...), fenômeno inevitável quando chove no montante do rio (Serra do Mar) e a vazante de calha cheia depara com a maré alta. Demais disso, em chovendo no montante do rio Paraíba, e ao mesmo tempo os rios Muriaé e Pomba estiverem de calha cheia em virtude de chuvas em seus montantes (serra da Mantiqueira), esses dois rios não conseguem desaguar no rio maior e inundam tudo por onde passam. Em alguns lugares fluminenses a inundação ocorre sem que tenha caído uma gota de chuva. É raro, mas ocorre. Demais disso, porém, a mão humana completa a desgraça assoreando os leitos desses rios por anos e anos. Assim, não há natureza ou governante que aguente... Porque, a bem da verdade, a sociedade responde por boa parcela dos eventos calamitosos, a ponto de Erich Fromm certa vez dizer que “a calamidade é ruim para o povo, mas boa para a sociedade”.
Não sou pessimista. Apenas trabalhei durante quatro anos na Defesa Civil e fui instrutor da matéria na PMERJ. Posso, em vista disso, garantir que o desinteresse pela Defesa Civil é muito grave e é fenômeno mundial. Não somos diferentes. Somos mais um grupamento humano despreocupado com o efeito dos danos que causamos à natureza. Não importa se consequentes da falta de moradia para as camadas carentes que vivem dentro e no entorno dos grandes centros urbanos em busca de sobrevivência e se plantam onde podem, sem o direito de pensar no futuro e suas consequências nefastas; não importa se os governantes incentivam as ocupações desordenadas pensando nos votos “obrigatórios” dessas gentes ignaras; não importa se esses desinfelizes estarão soterrados e mortos futuramente, o recado divino do “crescei e multiplicai-vos” permanece em vigor.
Não há como dissociar a calamidade brasileira da água de mais ou de menos e dos deslizamentos de encostas. Nem podemos culpar os governantes atuais e recentes pelos nefastos resultados de agora, que não serão os últimos. A questão é primeiramente cultural: ninguém se preocupa em manter um riacho limpo, uma lagoa cristalina, um valão sem detritos, as ruas sem lixo, por mais que as limpem os garis. Todo mundo suja sem parar por onde passa ou vive. Ninguém cuida nem da própria calçada, e tudo é jogado na conta dos governos nesse modelo estatal excessivamente interventivo e clientelista. O nosso “papai” é o Estado.
Não reagimos com veemência contra os abusivos impostos e aceitamos alegremente o pão e o circo que os políticos promovem com o nosso próprio dinheiro. E no final os aplaudimos fervorosamente ou o fazemos com os artistas dos shows “gratuitos” nas areias sujas da Zona Sul... Sim, nas areias sujas, e insistimos ser responsabilidade do governo a limpeza enquanto as sujamos indefectivelmente, gerações após gerações.
No fim de 2009, antes, durante e depois dos festejos e das tragédias, a realidade era a destas últimas, o que não impediu em absolutamente nada a continuidade da festa. Abraços e beijos nas praias e casas; ferimentos e mortes nas praias e casas... Tudo uma questão de alguém estar no lugar certo ou errado e em hora certa ou errada; curiosamente, todos com o mesmo objetivo: festejar. Houvesse outro Bateau Mouche*, não se haveria de estranhar; muitos nem se lembram dessa tragédia de fim de ano. A vida continua e dane-se o azar de quem se postou diante da Dona Morte, que sempre surge sorrateiramente a dar seu recado e a cumprir seu sortilégio eterno.
A vida é assim... A realidade é esta... Não se discute. Mas o difícil é aturar os discursos daqueles que, impiedosos e assustados ante a possibilidade de receberem no peito a culpa de tudo, ou desaparecem ou surgem acusando o mundo todo por algo que lhes impunha a imediata persignação e a mea-culpa. Aí sim, depois de assumirem sua parcela de culpa e se solidarizarem com as vítimas, poderiam eles e elas demonstrar interesse em garantir aos sobreviventes menos desastres, não da forma brutal como vêm fazendo: ameaças de danação aos que, não tendo onde morar, se apinham em barracos esperando a mesma sorte (morte) do infortunado vizinho ao lado. E os que sobrarem dessas repetitivas desgraças estarão na fila das urnas cumprindo obrigação do voto sob ameaça de perder uma “cidadania” que jamais gozaram; e votarão no primeiro candidato que lhes fornecer novas tábuas e zincos para a reconstrução do barraco destruído...


* O Bateau Mouche foi uma embarcação de turismo que naufragou na costa brasileira no dia 31 de dezembro de 1988, mais precisamente na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, quando estava a caminho de Copacabana. Das 153 pessoas a bordo, 55 morreram. Acredita-se que a embarcação estivesse superlotada, além de apresentar uma série de falhas. (Fonte: Wikipédia)

2 comentários:

paulo fontes disse...

Caro amigo Larangeira,
Vou apenas comentar a citação do presidente americano Abraham Lincon, que aplicada ao sui generis modus vivendi tupiniquim, tem exatamente o efeito contrário ao das sábias palavras.
Aqui, onde o "bras" é tesoureiro, todo mundo engana todo mundo durante todo o tempo.
Acaso estou enganado dando o nome aos bois:José Sarney, Collor, Renan Calheiros,Nelson Jobim,Ibsen Pinheiro,Itamar Franco, José Arruda
Todos eles são o mais do mesmo na política brasileira desde que eu era menino de calças curtas e ainda estão por aí dando as cartas e desmoralizando as palavras do maior presidente dos EUA.
Um grande abraço
Paulo Fontes

Neide disse...

Não me admiro em nada hoje em dia. Apenas nos acostumamos a ver entrar e sair políticos sem nem ao menos fingirem que se preocupam com o povo que os elegeu. Não se preocupam em dar educação , pois, para eles povo burro é bem melhor. Não se preocupam em dar melhores condições de saúde, pois, povo doente e burro não sabe e não consegue dintinguir o certo do errado e assim votam neles. Se deixam levar por promessas, obras inacabadas de um governo para o outro, pois, o que entra não leva vantagem em continuar a obra que já foi paga e assim vão se passando os anos do mandato. As vezes falo que o povo tem o governo que merece, pois, as vezes me deparo com fatos em que o povo tem a memória curta. Trabalho na área da Saúde e vejo que esqueceram da luta contra a Dengue. Tudo parou, menos o índice de mortes que o governo não deixa ir a mídia para que não lhe seja cobrado o que já deveria ter sido feito, pois, a verba já foi empregada para tal fim. Que pena! A memória de povo é curta e os governantes agradecem.