quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sobre as ocupações de favelas e suas consequências

Como será a realidade futura?






A Física Quântica não se arrisca a afirmar o que seja realidade. Para esta ciência a realidade é, ainda, um mistério insondável, tanto na visão microcósmica como na macrocósmica. Daí geralmente reduzir-se a realidade à subjetividade e às influências que as pessoas recebem de todas as formas, em tudo que é lugar e por todos os instrumentos capazes de ligar mentes humanas a determinado assunto.
A velocidade dos meios de comunicação e sua capacidade repetitiva fazem com que uma irrealidade se torne realidade e vice-versa. Destarte, o fenômeno da imagem torna-se delicado e efêmero, não havendo nele nenhum senso de justiça ou equilíbrio. A imagem de agora pode ser o seu inverso logo em seguida. A dinâmica dos acontecimentos e a eloquência do seu transmissor estimulam a desatenção do receptor. Cito como exemplo a narração de um jogo de futebol pelo rádio. Chega a ser impressionante a manipulação do sentimento coletivo por um exímio narrador esportivo, em muitos casos enfeitando uma realidade simples e elevando-a ao tom de irrealidade espetaculosa. O argumento é válido para outras modalidades de comunicação dinamizadas pela fala de experimentados narradores. Mas o exemplo das ondas de rádio basta.
Muito bem, os jornais recentes exaltam a ocupação policial das favelas da Zona Sul da Capital, desalojando os marginais, mas inserem uma gota de dúvida na realidade tão badalada ultimamente: falam agora da desocupação total dessas favelas com a remoção dos moradores. Deste modo, a primeira realidade, que parecia o fim colimado (ocupação e permanência do policiamento), começa a sair do seu holograma e assume outra forma: a de mera etapa em direção a outra mais interessante sob todos os aspectos político-econômico-financeiros: a destinação desses locais nobres ao reflorestamento ou ao empreendimento imobiliário. Muitos coelhos de uma só cajadada, exceto quanto aos malefícios sociais destinados aos favelados, que permanecerão nas trevas de uma história já sobejamente conhecida, eis que insistentemente repetida na mui heróica Cidade Maravilhosa acolhedora da Monarquia, do Império, da República e da desordem urbana...
Ora, há de se ver aquelas duas realidades portentosas! Qual das duas vingará, nem importa; são econômica e socialmente boas para os ricos, e péssimas para os favelados, estes que, decerto, serão deslocados à periferia, repetindo-se a história dos cortiços cujos ocupantes foram removidos a pau e corda para o Morro da Providência. Claro que o fato foi antecedido do anúncio de uma grande reforma urbana pelo engenheiro Pereira Passos. E o Morro da Providência, – na época “Morro da Favela” (1897) devido a um arbusto euforbiáceo (favela) plantado pelos soldados sobreviventes da Guerra de Canudos, – já no fim de 1910 era considerado um local violento. Também é o que basta.
Ninguém dá nó em pingo d’água nem corta fio cabelo no ar sem intenção. Quando nos vemos ante “medidas terapêuticas” no ambiente policial, desconfiamos. A pirotecnia das ações policiais representa um dos pratos da histórica balança da segurança pública contestada por Brizola para optar entre a repressão (pirotecnia) e a omissão (o outro prato). Depois de condenar o modelo de repressão policial nas favelas, a opção dele, Brizola, por motivos sociais relevantes, segundo a sua visão política do problema das favelas infestadas de bandidos, foi pelo prato da omissão policial.
Brizola assumia que a polícia aumentava a violência e punha em risco os favelados, em vez de erradicar os criminosos. Certo ou errado?... Certo. Certíssimo! A verdade é que a polícia confundia trabalhador com bandido, e o resultado das operações policiais era mais negativo (para as comunidades) que positivo (discursos oficiais). Com efeito, não se pode negar que, em parte, cabia razão ao caudilho. Por outro lado, deixar os favelados ordeiros a mercê de bandoleiros (paramilitares) não pareceu boa ideia num estado democrático de direito. Mas recuar a polícia, pura e simplesmente, como se fez naqueles tempos, produziu além de chacinas um terceiro efeito funesto: as guerras de quadrilhas atingindo o povo ordeiro do mesmo modo. Enfim, três alternativas terrivelmente ruins, mais que dilema, um labirinto em que governantes nele se enfiam como ratos de laboratório e não acham a saída: um trilema.
Em meio ao trilema, surgiram as milícias (paramilitares). E está provado que erradicar quadrilha de traficantes de favelas não se configura como o problema maior a ser vencido. A questão não é, portanto, a de vencer o bandido, mas a de evitar que ele se rearticule no ambiente conquistado. A milícia fez isso e serviu de inspiração ao modelo de ocupação policial que se vê na Zona Sul da Capital. Ou seja, a desordem paramilitar da milícia venceu a desordem paramilitar do tráfico no vácuo da anomia e ensinou o sistema oficial a cuidar de uma nova ordem pública (?) pelos mesmos caminhos.
Eis a parte mais complicada, porque, de um lado, os bandidos expulsos migram para outras favelas e tendem a se rearticular para conquistar territórios novos enfrentando quadrilhas de facções rivais e matando inocentes pelo caminho. Vão tomar a casa do inimigo para não sobrecarregar a casa do amigo. Podem também tentar a reconquista dos territórios perdidos para as milícias, estas que se encontram enfraquecidas pelo sistema situacional formal. Significa dizer, ao fim e ao cabo, que polícia combater milícia tem sido bom para o tráfico...
Todos esses fatores tendem a acirrar as turbulências. A verdade é que as centenas de traficantes expulsos da Zona Sul estão vivos e atuantes em outras áreas e sairão em busca de novos territórios. O sangue vai jorrar nas favelas, e quiçá no asfalto, porque traficante sem droga para vender precisa compensar suas perdas. Virão os assaltos, os sequestros, os roubos e furtos de carros etc.
Com efeito, a violência tende a se generalizar no ambiente social. E a polícia, gastando grandes efetivos em ocupações de favelas, não poderá impedir que novas modalidades de crime ocorram. A saída, por conseguinte, é correr com a remoção das favelas ocupadas para liberar os efetivos empenhados nas ocupações. Não há outro escape, o que implica considerar seriamente as remoções ora anunciadas.
Os primeiros balões de ensaio já foram ao ar. Em havendo dinheiro para a construção de conjuntos habitacionais, isto será feito e os favelados sairão como procissão se “arrastando que nem cobra pelo chão.” E, resignados, finalmente ficarão livres, porém longe dos seus empregos e gozando da liberdade sem opinião. E a elite saberá agradecer aos mentores e gestores desta obra cujo desfecho é ainda irreal sob o ponto de vista da segurança pública, mas bem realístico no seu aspecto econômico-político-eleitoral...

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