terça-feira, 24 de novembro de 2009

ASSOCIAÇÃO DE OFICIAIS DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO



Prezado leitor



Importante artigo para ser divulgado na blogosfera policial




NOVAS PREMISSAS PARA MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS

NO SISTEMA DE PERSECUÇÃO PENAL




PREFÁCIO


O Grupo de Estudos – AOPM, criado na atual Administração, é mais uma ferramenta de colaboração espontânea em apoio às questões institucionais gerenciadas, estrategicamente, pelo Comando da Polícia Militar.
A AOPM não se vê, hoje, somente como porta-voz naquilo que o Comandante-Geral não possa se manifestar, mas como apoio permanente no desenvolvimento de estudos e teses, relevantes e polêmicas, no campo da Segurança Pública.
Por que a AOPM se insere neste contexto?
Porque possui em seu quadro associativo incontáveis oficiais inativos, possuidores de fonte de experiências inesgotáveis, mercê aos cargos e funções ocupadas durante a permanência ativa na Corporação.
Várias foram as manifestações voluntárias de exemplos dados por abnegados sócios quando a situação assim o exigiu, quer em assuntos internos da AOPM, como também quando a Corporação, Polícia Militar, necessitava dessa demonstração de solidariedade, de amor à nossa Instituição.
Sem demérito aos demais companheiros, podemos citar os Coronéis Claudionor Lisboa, Carlos Alberto de Camargo, ex-comandantes-gerais, que nunca deixaram de atender ao chamamento deste Presidente da AOPM, nos momentos de necessidades e interesses da Corporação.
Igualmente destaco, ainda, o Coronel Miguel Libório Cavalcanti Neto, ex-Chefe da Casa Militar do Governo do Estado de São Paulo; o Coronel Sebastião Alberto Corrêa de Carvalho, Diretor de Interior da AOPM e os Tenentes-Coronéis Henrique Grion Junior e Mauro José Fernandes Tavares, expoentes do atual alto comando da Corporação.
“Todos, sem exceção, deram valorosa colaboração ao presente trabalho”.
Faço questão de deixar aqui consignado o meu agradecimento especial ao já citado Coronel Carlos Alberto de Camargo, praticamente o coordenador das teses desenvolvidas e o grande articulador para que o nosso primeiro projeto de teses pudesse ser citado e publicado.
O alto comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo foi cientificado do trabalho, ora apresentado, que será entregue ao Excelentíssimo Senhor Secretário Nacional de Segurança Pública, no 9º ENEME, que se realizará em Bonito – MS, objetivando contribuir para que a sociedade brasileira tenha a tranqüilidade que tanto merece.




São Paulo, 10 de novembro de 2009

Cel Res PM Luiz Carlos dos Santos
Presidente da AOPM



SÃO PAULO
2009





SUMÁRIO



APRESENTAÇÃO....................................................................................................... 03

PREMISSA 1: DEVE A AUTORIDADE POLICIAL SER BACHAREL EM DIREITO?.................................................................................................................... 06

PREMISSA 2: COMO PODE A POLÍCIA REPRESENTAR UMA DAS ALTERNATIVAS DO CURSO DE DIREITO?............................................................. 08

PREMISSA 3: POLÍCIA É UMA ATIVIDADE JURÍDICA?......................................... 10

PREMISSA 4: APENAS O DELEGADO DE POLÍCIA PODE SER CONSIDERADO AUTORIDADE POLICIAL?............................................................. 12

PREMISSA 5: A QUESTÃO DA PERSECUÇÃO PENAL.......................................... 14

PREMISSA 6: SERIA O TERMO CIRCUNSTANCIADO INCONSTITUCIONAL AO POLICIA MILITAR?....................................................................................................
16

PREMISSA 7: O INQUÉRITO AINDA PODE SER CONSIDERADO O CENTRO DE GRAVIDADE DA ATIVIDADE POLICIAL?........................................................... 18

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 20

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 22








APRESENTAÇÃO




A questão da segurança pública é mais abrangente do que a simples manutenção das condições de bem-estar para o indivíduo dentro de uma sociedade democrática; ela reflete os preceitos constitucionais que garantem o direito de ir e vir, como um dos pilares da cidadania.

Quando a violência que impera inibe esse direito e a sociedade não garante ao cidadão tal premissa básica, obviamente este tem sua liberdade tolhida, por isso, discutir segurança pública é refletir a própria democracia.

No site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, é possível verificar o registro de atendimentos referentes ao ano de 2008, em todo o Estado. Eles deixam qualquer cidadão de bom-senso estupefato, pois, naquele ano, de um total de 2.347.176 Boletins de Ocorrências lavrados, apenas 192.650 se tornaram Inquérito Policial, ou seja, apenas 14% foram úteis. Os outros 86% se tornaram sinônimo de trabalho perdido.

E se nada acontece com os 86% de Boletins de Ocorrência que não se tornam Inquérito Policial, se não há fiscalização ou controle institucional sobre isso, está se malbaratando recursos públicos que poderiam ser utilizados na prevenção do crime, seja no patrulhamento preventivo, seja em ações sociais revertidas para o bem-estar da população, com reflexos sobre as causas da violência.

O tempo gasto para levar o Boletim de Ocorrência ao Distrito Policial significa horas perdidas de patrulhamento preventivo que acaba por se refletir no aumento da criminalidade. Ademais, como conseqüência desse procedimento, na grande maioria das vezes totalmente inócuo, acaba-se retirando das ruas um número expressivo de viaturas que devem realizar o patrulhamento preventivo, e não atuar em um trabalho redundante de fazer, no Distrito Policial, o registro que poderia ter sido realizado no local da ocorrência.

Ao considerar dados do ano de 1999, para executar o trabalho de registrar na delegacia as informações que já estavam contidas no Termo Circunstanciado, as viaturas da Polícia Militar deixaram de efetuar aproximadamente 5 milhões de horas de patrulhamento. Isso significa que 150 milhões de quilômetros de patrulhamento preventivo deixaram de ser realizados.

Não há como negar que retirar 150 milhões de horas de patrulhamento preventivo aumenta a incidência de ocorrências, fato que provoca a necessidade de mais horas de patrulhamento e, assim, sucessivamente.

Esses números acachapantes são suficientemente alarmantes para demonstrar a necessidade de reconsiderar-se que o centro gravitacional da atividade policial deve ser prioritariamente a manutenção de viaturas nas ruas, prevenindo o crime e não o serviço burocrático na delegacia.

Nesse contexto, cabe lançar uma questão que, de tão óbvia, chega a ser constrangedora: se elaborar o Boletim de Ocorrência é tão importante a ponto de necessitar que a “autoridade policial” seja Bacharel em Direito, por que 86% desse trabalho não têm qualquer utilidade para a segurança do cidadão?

O que é mais importante para a sociedade, manter a viatura na rua exercendo o seu papel de patrulhar e prevenir crimes, ou cumprindo uma tarefa burocrática, ao permanecer parada na delegacia para fazer um registro que, nada mais é, do que a reprodução daquilo que já foi feito na rua? Se a polícia civil se concentrasse nos crimes que dependem de investigação e, realmente, analisasse seu trabalho, não atenderia melhor aos interesses da sociedade?

Por essas e outras é que o tema segurança ainda está aquém de ser eficaz. A tendência é piorar, pois as premissas são sempre as mesmas. Há necessidade de apresentar novos entendimentos em relação a essas premissas falsas, que acabaram por se consolidar como verdadeiras dentro do sistema de persecução penal.

Em outras palavras, as premissas tidas como verdadeiras se sedimentaram de tal modo, que passaram a criar antagonismos dentro do próprio sistema; infelizmente estas não foram superadas, jamais foram revistas, pelo contrário, acabaram gerando, ao longo do tempo, polêmicas conceituais capazes de ingerir e emperrar o sistema.

Portanto, o objetivo deste trabalho é exatamente estimular a discussão sobre essas falsas premissas, de modo que seja possível encontrar novas diretrizes embasadas em premissas verdadeiras rumo às mudanças necessárias dentro do sistema de persecução penal, já que continuar batendo na mesma tecla, ou seja, seguir discutindo com base nas mesmas premissas falsas significa estarmos fadados a chegar sempre às mesmas conclusões viciadas, que têm se demonstrado, por décadas, ineficazes.

PREMISSA 1: DEVE A AUTORIDADE POLICIAL SER BACHAREL EM DIREITO?

Esta é uma crença que não encontra bases racionais já que na prática não funciona dessa maneira em nenhum outro país. Porém, no Brasil isso é de difícil remoção da pauta quando se trata do assunto “autoridade”. Em todo o mundo, cabe às autoridades policiais a missão de aplicar a lei. Parece que só no Brasil existe a figura emblemática do delegado de polícia se revestindo como “autoridade única”.

O que se argumenta em favor dessa premissa, repetida ad nauseam é que apenas e tão somente o delegado de polícia está capacitado a interpretar as normas penais, especialmente porque dentro de uma delegacia ele tem tempo para manusear o Código Penal.

Tal situação paradoxal não ocorre em nenhum outro país. Em outras palavras, o policial militar, em sua atividade de preservação da ordem pública, tem a tarefa de identificar os elementares dos tipos penais inseridos na paisagem social e agir, de imediato dentro dos parâmetros constitucionais, ao identificar os fatos que vê, no momento em que acontecem, quando o ocorrido está bem nítido e definido. No calor da hora, cabe tão somente a ele adotar providências imediatas, e assim dar início aos anos de persecução penal, no caso de um crime, ou liberando as partes, em caso negativo.

De qualquer modo, é imprescindível que tanto o delegado de polícia quanto o policial militar realizem suas interpretações com o rigor instituído no Código Penal. Contudo, também devemos levar em conta que há uma diferença entre ambos. Isso porque no calor do acontecimento somente o policial militar poderá nortear suas atividades com base nos fundamentos da cultura jurídica assimilada nos cursos de formação de oficiais que consistem em mais de 70% das matérias e carga-horária do curso de Direito. O restante das matérias a que o policial militar não tem acesso são aquelas que o delegado de polícia também não utiliza em seu trabalho cotidiano, como direito comercial, tributário, previdenciário, entre outros.

O ensino prático da execução do cerco ou da busca pessoal e a entrada legal para prisão ou busca e apreensão em domicílio constituem a aplicação do Direito Constitucional e Processual Penal – além do Administrativo.

Portanto, como podemos observar a formação do Oficial de Polícia Militar o habilita de forma eficaz para o cumprimento de seus deveres, o que joga por terra a falsa premissa sobre a necessidade de a autoridade policial formar-se em um curso de Direito.

PREMISSA 2: COMO PODE A POLÍCIA REPRESENTAR UMA DAS ALTERNATIVAS DO CURSO DE DIREITO?

Há uma grande confusão quando se trata desse assunto porque, embora a formação acadêmica em Direito seja importante, ela não é suficiente para preparar o candidato ao cargo.

Não devemos esperar que o Bacharel em Direito tenha tido durante seu curso de formação as capacitações necessárias para exercer as atividades policiais.

Ainda, a questão vai mais além à medida que ser Bacharel em Direito não é condição sine qua non para o exercício do cargo de Delegado de Polícia uma vez que o próprio § 4º do art. 144 da Constituição Federal de 1988, ao definir as competências das polícias civis, esclarece que elas devem ser dirigidas por “delegados de polícia de carreira”, sem qualquer menção à exigência da conclusão do curso universitário em Direito.

Em muitos municípios brasileiros, o policial fardado se constitui na única autoridade presente 24 horas por dia, dada a falência histórica do Estado. Essa afirmação vem ao encontro do acórdão do Supremo Tribunal Federal de que “o soldado da polícia, sempre fardado e armado, é a encarnação mais presente e respeitada da autoridade do Estado” (RE nº. 80.839, 1975, p. 27).

Então qual é a lógica da necessidade do estudo do Direito como alternativa para a carreira policial se, por exemplo, 86% dos boletins de ocorrência são jogados fora sem qualquer utilidade para a sociedade?

É sabido que a polícia é uma área de conhecimento científico específica, muito embora tenha aspectos multidisciplinares em alguns momentos; daí a necessidade de contar com profissionais com qualificação exclusiva para fazer frente às demandas que se lhe apresentam.

O policial deve estar treinado e permanentemente atualizado sobre as técnicas concernentes ao seu ofício, uma vez que a criminalidade tem sido dinâmica, e cada vez mais inova suas práticas para dar prontas respostas à repressão do Estado. Portanto, o curso de Direito, por mais que possa ampliar os horizontes do indivíduo, não deve ser considerado como alternativa para executar o trabalho que diz respeito ao policial.

PREMISSA 3: POLÍCIA É UMA ATIVIDADE JURÍDICA?

Em todo o mundo, a atividade policial pertence à alçada técnica e deve ser exercida dentro da lei; talvez daí surjam alguns equívocos. Aliás, não só a atividade policial, mas todas as atividades humanas devem ser exercidas com base na lei.

Em outras palavras, para realizar a atividade policial dentro do Estado democrático de Direito as instituições devem estar aparelhadas com suas técnicas para fazer cumprir a lei.

Através de agentes públicos preparados, motivados e valorizados o Estado tem o dever de exercer o controle social via organizações policiais e do sistema de justiça, além de promover políticas públicas permanentes que se antecipem à manifestação da violência.

Dentro desse organismo, a polícia tem sua função no controle social e no sistema de fiscalização de modo a coibir o funcionamento de atividades criminosas. O poder da polícia é de natureza instrumental e apresenta-se como medida limitadora, cuja função se confere aos agentes públicos previamente autorizados por lei, de modo a garantir a supremacia do interesse público e assegurar o mínimo de ordem social.

É nesse campo que a atuação da polícia pode ser eficiente, já que somente o policial é habilitado de forma técnica e científica para tanto, o que não impede que a polícia através de sua representatividade atue conjuntamente com a área jurídica do Estado, ao sugerir a criação de leis, baseadas em sua prática e atribuições do dia-a-dia.

É importante esclarecermos que a polícia judiciária tem como núcleo central a tarefa de apurar infrações penais e sua autoria por meio do Inquérito Policial, procedimento administrativo com característica inquisitiva que serve à pretensão punitiva do Estado.

Portanto, podemos dizer que a confusão existente na compreensão entre polícia judiciária e atividade jurídica tem sua origem nesse conceito, o que dá margem a muitos erros de interpretação.

PREMISSA 4: APENAS O DELEGADO DE POLÍCIA PODE SER CONSIDERADO AUTORIDADE POLICIAL?

O art. 144 da Constituição Federal de 1988 diz expressamente que os órgãos responsáveis pela segurança pública são a Polícia Federal, as Polícias Ferroviária e Rodoviária Federal, as Polícias Civil e Militar e o Corpo de Bombeiros Militar.

Em alguns municípios existe a guarda municipal, voltada para a preservação dos bens do município sem a atribuição para atuar na preservação da segurança pública com poder de polícia ostensiva ou judiciária, que são reservados unicamente aos políciais civis e aos militares, respectivamente.

O delegado é responsável pela instauração do inquérito, expedição de intimações, decisão sobre a prisão em flagrante e condução do inquérito.

O que tem causado celeuma interminável é o paradigma de que as polícias militares não têm preparo jurídico-teórico para distinguir a ocorrência ou não do ilícito penal, daí serem meros coadjuvantes (quiçá despreparados) da “autoridade policial”, isto é, o delegado.

Se na formação básica das academias de polícia são ministradas noções primordiais de Direito (cerca de 70% do que o Bacharel formado estuda), fica evidente que esta afirmação é um sofisma que mais confunde do que ajuda.

A Polícia Militar desempenha função de perseguição e detenção de criminosos, apresentando-os à Polícia Civil para o devido inquérito a ser remetido oportunamente, à Justiça Criminal. Nessas missões a Polícia Militar pratica atos discricionários, de execução imediata. Sem conhecimentos elementares de Direito não haveria possibilidade de executar esta função.

Portanto, autoridade policial não é o delegado, mas todo agente com a função pública de exercer o poder de polícia para se cumprir a lei, e é isso que fazem os policiais militares em sua atividade cotidiana.

PREMISSA 5: A QUESTÃO DA PERSECUÇÃO PENAL

A “persecução penal” começa com a instauração do “inquérito policial” (prisão em flagrante ou representação) ou com as medidas relacionadas no art. 6º do CPP.

Em geral, a persecução penal tem início através da investigação criminal com o policial coletando elementos para o exercício do jus puniendi em juízo, motivo pelo qual o inquérito policial, embora prescindível, não é mera peça de informação como a doutrina e a jurisprudência o denominam, e sim parte de fornecimento de dados de alta relevância, que bem conduzida, propicia maiores possibilidades de sucesso no exercício do direito de punir do Estado e de justiça na fixação da pena pelo Estado-Juiz, ao analisar as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP).

Tal paradigma é o reflexo do engano-mestre da autoridade policial, isto é, aquela encarregada de aplicar a lei, uma vez que o policial de rua, ao deparar-se com um fato é a primeira autoridade a fazer uma análise para decidir se é um crime, e conseqüentemente iniciar de forma imediata os atos de persecução penal ou, em caso negativo, a liberação das partes.

Novamente temos um paradoxo, qual seja de que, segundo o CPP em seu art. 6º, “logo que tiver conhecimento da prática da infração penal a autoridade policial deverá dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais”.

E quem chega primeiro ao local do delito, quem aciona a perícia, quem apreende objetos ou instrumentos utilizados na prática criminosa – atribuições próprias do delegado – se não a polícia militar?

Se em nosso sistema processual penal, investigar previamente a ocorrência de um fato é sempre função da autoridade policial e dos órgãos públicos da polícia técnica encarregados de reunir elementos que esclareçam a materialidade da infração, fica evidente que a persecução penal tem início assim que o primeiro representante do Estado toma contato com o delito e, a partir desse momento, toma as primeiras providências, ou seja, o policial militar.

PREMISSA 6: SERIA O TERMO CIRCUNSTANCIADO INCONSTITUCIONAL AO POLICIAL MILITAR?

Os que defendem essa premissa afirmam entre outras coisas que para documentar o Termo Circunstanciado a Polícia Militar precisa organizar burocraticamente o devido registro nas unidades policiais, após colher a assinatura de Oficial e encaminhá-lo ao Poder Judiciário.

Relatam ainda que só o delegado de polícia tem condições de avaliar a amplitude da atividade delituosa em virtude de sua formação jurídica e, assim, decidir se é caso de registro de ocorrência, termo circunstanciado ou auto de prisão em flagrante, portanto, não seria possível a participação de oficial da Polícia Militar no atendimento de todas as ocorrências realizadas pelas viaturas policiais e, mesmo que tivesse, não teria forma jurídica para tipificar corretamente uma ilicitude penal.

Para outros autores, o Termo Circunstanciado nada mais é do que um boletim de ocorrência um pouco mais detalhado, que substitui o Inquérito Policial e a Investigação Policial.

De qualquer modo devemos deixar claro que a questão central da constitucionalidade do Termo Circunstanciado tem suas bases na temática da autoridade policial e o art. 69 da Lei 9.099-95 esclarece que a autoridade policial é um agente administrativo que exerce atividade policial tendo o poder de se impor a outrem nos termos da lei, conforme o consenso que se resume nos poderes que lhe são atribuídos pela mesma lei, emanada do Estado em nome dos concidadãos.

Alguns pareceres transcritos e decisões judiciais esclarecem a questão da polêmica na doutrina e pacífico na Jurisprudência sobre a lavratura do Termo Circunstanciado, que não constitui função de policia judiciária, uma vez que dispensa qualquer investigação.

A Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099-95, sob a coordenação da Escola Nacional da Magistratura, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira assevera que a autoridade policial é também o policial de rua, o Policial Militar, enfim, todo agente público que faz o primeiro contato com o ato delituoso, uma vez que o combate à criminalidade e a impunidade exigem ação dinâmica de todos os órgãos de Segurança Pública.

A Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, através do provimento n 34, de 28 de dezembro de 2000 formulou que: a autoridade policial, civil ou militar, que tomar conhecimento da ocorrência deverá lavrar Termo Circunstanciado, e comunicar com a secretaria do juízo especial para agendamento da audiência preliminar, com intimação imediata dos envolvidos.

No Rio Grande do Sul, a Instrução Normativa Conjunta n 01-2000 do Chefe de Policia Civil e do Comandante Geral da Brigada Militar, definiu que todo policial civil ou militar, é competente para lavrar o Termo Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

No Estado de São Paulo, através do Provimento 806-03, o Tribunal de Justiça passou a aceitar o Termo Circunstanciado lavrado pelo policial militar com base no entendimento que considera a autoridade policial apta a tomar conhecimento da ocorrência e lavrar o Termo Circunstanciado, o agente do Poder Público investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural que atue no policiamento investigatório ou ostensivo.

Portanto, a premissa que alega que o termo circunstanciado é inconstitucional é falsa já que como vimos a própria lei considera o policial militar apto para a realização de tal função.

PREMISSA 7: O INQUÉRITO AINDA PODE SER CONSIDERADO O CENTRO DE GRAVIDADE DA ATIVIDADE POLICIAL?

Lamentavelmente, no Brasil, e ao que parece só em nosso país, o esforço de prevenção do crime é sacrificado pela idéia de que o Inquérito Policial e toda burocracia bacharelesca que o acompanha devam ser o centro de gravidade de toda a atividade policial. Quando tratamos da questão ligada à burocracia policial, somos induzidos a entender que a manutenção desse trabalho burocrático justifica o sacrifício do esforço de prevenção.

Por isso, e para sermos fiéis ao mais legítimo interesse público, devemos trabalhar com a idéia de que tudo deve ser feito para a manutenção das patrulhas nas ruas, prevenindo o crime, em vez de recolhidas às delegacias, aguardando serem atendidas para a lavratura de boletins de ocorrências. Assim, a manutenção das patrulhas nas ruas, e não a burocracia bacharelesca deve ser o centro de gravidade da atividade policial, justificando-se todas as providências, inclusive a alteração de nosso arcaico Código de Processo Penal, para que isso se concretize.

Ademais, como já foi dito cerca de 86% dos boletins de ocorrência são simplesmente desprezados sem que se transformem em Inquéritos Policiais, o que representa um enorme desperdício de dinheiro público que poderia se transformar em benefícios para a população seja através da construção de escolas, hospitais, creches, programas de apoio a redes sociais, entre outros, cabendo à prefeitura preocupar-se com as causas sociais da violência, ou seja, com atividades municipais administrativas, tais como, a iluminação das ruas, a poda de matagais em locais suspeitos, a proteção de crianças e adolescentes através da educação e a promoção do lazer. Tudo isso de modo a evitar que os logradouros públicos sejam utilizados ilegalmente.

Não podemos deixar de considerar que as ações dos agentes de segurança pública devem ser dirigidas primordialmente para a prevenção dos crimes, ao invés de procurar elucidá-los depois de ocorridos – fato que significa mais dispêndio de tempo e de recursos públicos.

É importante ressaltar que somente a atividade policial de prevenção secundária e repressão não é capaz de controlar a criminalidade, ou seja, é imprescindível que o poder público se dedique à prevenção primária de combate às causas sociais da violência, além da prevenção terciária, isto é, a punição rápida e eficaz dos autores dos delitos para que não paire sobre a sociedade a idéia de que a impunidade é a norma e a punição a exceção.

Portanto, frente a esse cenário de calamidade resta à polícia civil se empenhar em trabalhar em conjunto com a militar, através de seu aparato de inteligência, a fim de desvendar as estruturas criminosas antes que elas se manifestem, ou quando tenham ganhado a materialidade, de modo a desvendar os crimes ocorridos.

Em outras palavras, a polícia civil tem capacitação e preparo para atuar na solução de crimes através de seu conhecimento científico e nisto deve estar concentrada. Em suma, a polícia militar precisa, além do empenho na inteligência policial, fazer-se presente através do papel ostensivo de prevenção à criminalidade, a fim de que o cidadão possa exercer o seu direito constitucional de ir e vir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há urgência em discutir “novas premissas para mudanças comportamentais no sistema persecução penal”, afinal o crime influencia a vida do cidadão de forma negativa, ao refletir em sua qualidade de vida e, até mesmo, em sua sobrevivência, resvalando a posteriori em questões econômicas.

A situação é alarmante, pois mesmo que tenham sido apresentados neste estudo números capazes de comprovar os recordes de prisões, apreensões de armas e de patrulhamentos preventivos, ainda não foram tomadas providências quanto às bem conhecidas causas sociais da violência e a mudança de premissas passadas, aqui apresentadas, que já se tornaram viciadas.

Assim, diante do conteúdo exposto resta-nos sugerir que, dentro dos novos parâmetros apontados no decorrer deste trabalho, o combate ao crime seja executado da seguinte forma:

(a) com a solução das bem conhecidas causas sociais da criminalidade, papel que deve ser iniciado por intermédio dos governos municipais (mas que infelizmente, em vez de colocar crianças nas escolas, desenvolver projetos sociais, iluminar ruas, e manter regiões com matagais limpas, entre outros, a maior parte dessas instituições governamentais prefere comprar viaturas e criar guardas);

(b) com a fiscalização e sanção administrativas pelos governos municipais, mediante o emprego do poder de polícia administrativo, a fim de evitar que a atividade humana e o uso de logradouros se transformem em crimes (nesse sentido, as guardas municipais poderiam fazer parte da primeira linha de defesa da sociedade se seus agentes, ao invés de se embasarem no Código de Processo Penal, tivessem como livro-guia o Código de Posturas Municipais, e atuassem mediante o emprego eficaz do poder de polícia administrativa municipal);

(c) com o trabalho de inteligência, desenvolvido pelas polícias, como forma de desvendar as estruturas criminais antes que fossem manifestadas (em vez de termos policiais civis vestindo as fardas e deixando de lado sua principal função: a investigação);

(d) com a prioridade total ao trabalho de prevenção do crime por parte da polícia militar, através do patrulhamento ostensivo, seguido da repressão imediata e, nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, concluído pelo fechamento do ciclo completo, através da remessa do termo circunstanciado à autoridade judicial competente;

(e) com o trabalho eficaz de investigação policial executado, como regra, pela polícia civil, nos casos de crimes que demandem investigações (já que, infelizmente, a burocracia bacharelesca sacrifica até a capacidade investigatória da polícia civil, pois os Inquéritos Policiais são, na verdade, coleções de documentos, em vez de eficazes trabalhos investigatórios); e

(f) com a rápida e exemplar resposta do poder judiciário aos crimes ocorridos, de maneira a fazer justiça eficaz e desestimular a prática de novos crimes por todos os cidadãos, e promover a prevenção geral (prevenção terciária), bem como eliminar a atual situação de banalização do crime e a certeza de impunidade.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Presidência da República.

BRASIL. Código Penal: decreto-lei nº 2848. 07 de dezembro de 1940.

BRASIL. Lei nº 9.099. 26 de setembro de 1995.

CAMARGO, Cel Carlos Alberto de. O poder de policia das guardas municipais. s/d

__________. Considerações sobre os profissionais de polícia. [s/d]

__________. Celeridade policial. O Estado de São Paulo, 09/10/2001.

DJE. Provimento nº 806-03. 10 de novembro de 2003.

LISBOA, Cel Claudionor. Outras considerações sobre a segurança pública. [s/d]

PARANÁ, Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do. Provimento 34. 28 de dezembro de 2000.

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__________. Segurança pública: conceitos. [s/d]

FERJITZ, Andrea Cristina. Policial militar: autoridade competente para lavratura do termo circunstanciado. 13/09/2007. Disponível em: http://www.pm.sc.gov.br, acesso em: 09/08/2009.

PAULO, Secretaria de Segurança Pública de São. Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br/bo/, acesso em 20 de outubro de 2009.

STF. Recurso extraordinário. RE nº 80.839. DJ, 24 de setembro de 1975.

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