domingo, 9 de agosto de 2009

A vingança dos defuntos policiais

Jamais o mundo pensaria na possibilidade duma reedição do “Incidente em Antares”, em similitude ao narrado em romance pelo mestre Erico Verissimo. É, porém, o que futuramente acontecerá no inusitado Rio de Janeiro do banditismo violento, arrogante e impune a matar policiais e a se proliferar como epidemia na tessitura social matando também inocentes. Ah, surpresa! Não contam os facínoras com o milagre! Não imaginam o reforço imprevisível emergindo em ajuda à polícia, vindo do além-túmulo... “Do além-túmulo?”, indagariam os leitores, e eu lhes responderia veementemente: “Sim!”
Não se assustem, estimados leitores, não será no presente! Eclodirá o evento num futuro mui distante, o que elimina de pronto a possibilidade de risco, reduzida a zero pela certeza de que até lá todos estaremos mortos e sepultados, subindo ao céu ou descendo ao inferno de acordo com a “balança comercial” de nossas virtudes e pecados. Essa conta, porém, não nos pertence. É exclusiva do Todo-Poderoso.
Não se cogita aqui, todavia, do Fim do Mundo, momento em que, – conforme mui bem esclarece, em crônica, Luiz Fernando Verissimo, ainda entre nós de modo não menos ilustre do que figurou em vida o seu pai, – momento em que, por óbvio, não mais precisaremos fechar as portas e as janelas de nossas casas...


Viajemos, pois, teleportados numa espécie de máquina do tempo cuja imagem eu busco na internet na maior cara-de-pau. Vupt!... Chegamos! É o ano 3000 em virada do último dia a comemorar a entrada em 3001. Bate o relógio atômico exatamente zero hora e trinta minutos de 1º de janeiro; e, enquanto os fogos pipocam nos céus cariocas e fluminenses, corpos mortos de policiais civis e militares se levantam em todos os cemitérios da capital e das cidades ao seu entorno. Levantam-se, sim, e do jeito estragado como estão: somente caveiras ou pedaços de corpos putrefatos e fedorentos. Contudo, não são vistos senão pelos contaminados, o alvo da repressão sobrenatural: os fedegosos bandidos.




Não há nenhuma necessidade de se separar o joio do trigo, tudo está ajustado em articulações prévias ou futuras entre as almas dos policiais mortos a vagar por cemitérios vários propagando o retorno de todos eles ao mundo dos vivos para eliminar o banditismo. Claro que a mando do Todo-Poderoso, já de (com licença da palavra) “saco cheio” de tanto assistir à vitória do Mal, in casu representado especificamente por bandidos pés-de-chinelo, para não se perder tempo a identificar os dissimulados malfeitores de colarinho-branco sempre a negar o óbvio: “Isso aí não é meu!... Esse aí não sou eu!... Esse eu não conheço!”
Não estranhem o evento ser materializado no futuro como se fora presente. A Mecânica Quântica nos garante: o existente no futuro ou no passado é presente, e o presente é passado e poderá ser futuro; tudo está contido no eterno “pão de forma” cujas fatias representam o multiverso com seus universos de muitas dimensões. Nós apenas nos integramos a eles.
Parece complicado?... Não! Não é complicado! É como supor um ovo caindo ao chão e se espatifar, e depois haver a reversão do fenômeno e o mesmo ovo se desespatifar, sendo ainda capaz de gerar um pinto que crescerá e se tornará galinha a botar ovos iguais ao ovo espatifado que lhe deu origem. Daí não ser nada demais ir ao futuro, e tornar ao passado, e ao presente, e vice-versa, pois tudo está adrede gravado dentro do multiverso, nada está fora dele, o somatório de tudo é UM (como nos ensina Pierre de Fermat).
Deglutida a realidade ou a irrealidade da existência anterior, posterior e atual de tudo, – e em simultaneidade, – no multiverso do espaço-tempo, o Todo-Poderoso, embora defensor da igualdade entre seus administrados, decide atender ao antigo rogo de Rousseau e ordena a destruição dos descumpridores do Contrato Social. Manda eliminar os malfeitores pobres, sempre em maior quantidade em vista da desigualdade social. Já os bandidos ricos ficam para o próximo milênio, pela simples razão de que, se aplicada uma pena concomitante, pouca gente restará para fazer proliferar gentes novas no mundo. E que também fique claro que os policiais mortos são imunes às balas de metralhadoras, fuzis e similares! São imortais, eis que já estão mortos, e ninguém morre duas vezes a não ser que desmorra tal como o ovo se desespatifa...
Vamos ao evento: os policiais defuntos começam a faxina rua a rua, favela a favela, eliminando os bandidos a fedor de seus corpos e caveiras. O povo ordeiro, – sem nada sentir ou ver além dos bandidos caindo sem vida, – o povo ordeiro vibra com o acontecimento, porém em espanto e sem entender por que os bandidos desabam em tudo que é canto do Rio de Janeiro, da Baixada Fluminense, enfim, do Grande Rio. E logo os policiais mortos dos cemitérios interioranos se levantam e iniciam o mesmo labor de eliminar bandidos por via da fedentina se enfiando no nariz dos merecedores da penalidade máxima. E os corpos dos bandidos igualmente fedem, em “efeito borboleta”, acelerando o processo de limpeza das cidades do RJ.
A moda logo se espalha para outros estados brasileiros e ninguém mais duvida de que alcançará o mundo. Como as almas mortas não possuem idioma pátrio, a comunicação entre elas é imediata, e não mais os policiais mortos param de se levantar e eliminar a fedor os vivos e assumidos bandidos. São russos (vide Almas Mortas, de Gógol) chineses, japoneses, africanos, mexicanos, alemães, finlandeses, venezuelanos, colombianos, norte-americanos, bolivianos, argentinos etc. É a Grande Vingança!...
O mundo vai se tornando limpo e seguro, de tal modo que os mortos montam uma escala de serviço para cuidar dos bandidos nascidos em gerações seguintes. Enquanto isso, os policiais mortos vão singularizando e eliminando os bandidos chiques e escorregadios. Em caso de dúvida o Todo-Poderoso entra em cena, evitando-a. Afinal, cabe-Lhe exclusivamente determinar o destino das almas desligadas dos corpos mortos dos marginais, ricos e pobres, tudo feito em vibração pelos putrefatos policiais.
E o Todo-Poderoso vai mandando levas e levas de almas impuras ao inferno, para gáudio de Satanás, que fica de casa cheia. E assim, ao despontar a primeira hora de 3002, e dias seguintes, – e não mais havendo na face da Terra bandidos pés-de-chinelo, – os raros facínoras de luxo se ferram. Tudo rápido! Em apenas um ano, todos mortos e suas almas entregues ao inferno. Tornam-se almas mortas sem o direito de desmorrer. Para esses, não há o UM de Fermat, eles estão fora da unidade fermatiana, o inferno é território proscrito do multiverso e frio feito praga diabólica. A única temperatura elevada que lá existe é proveniente do calor desumano...

Fim da alegoria... Muito bem, voltemos ao hoje e à desgraceira sem solução que nos assola. Os bandidos se multiplicam enquanto os policiais diminuem em quantidade morrendo aos montões. As armas dos bandidos se multiplicam enquanto as armas dos policiais se somam. Enquanto os policiais percorrem a cidade em carros ultrapassados, os bandidos usam carrões roubados à vontade em cada semáforo e noutros lugares, em onipresença impossível de ser acompanhada e atalhada pela lerda polícia.
Quando chega algum reforço policial, os bandidos já acrescentaram às suas quadrilhas mais gerações de pivetes sem temor do perigo e com perfeita noção da impunidade que os rege. Para no mínimo equilibrar a desigualdade de forças, o investimento em corpos vivos e tecnologia ultrapassa a capacidade financeira do Estado. Daí, a única solução é enrolar o povo com mentiras de impacto midiático que jamais alterarão a dura realidade da pujança do crime.
Essas mentiras oficiais não diferem da alegoria que ora arremessa o raciocínio a este ponto. Enfim, como é tudo cenário de ficção, nada nos impede de assim distrair o grande público. Porque os policiais não serão os vencedores desta desequilibrada contenda. Resta, portanto, apelar para a “providência divina”, que bem poderia ser neste ou noutro formato surrealista, já que a sociedade é sempre platéia-vítima por opção. Tanto faz, então, pois o resultado será o mesmo: vitória do crime. Quem viver até o ano 3000 verá!...

Um comentário:

CHRISTINA ANTUNES FREITAS disse...

Sr. Cel. Emir Larangeira:

Estes seus "Defuntos Policiais", seriam Obsessores, muito bem vindos...

Ah! Depois, como Espírita Cristã, pediria as Falanges de Bons Espiritos, que encaminhassem os "Defuntos Policiais" para o esclarecimento, e merecida Paz Espiritual!

Hummmm! Que Deus me perdoe!

Abraço fraterno,
CHRISTINA ANTUNES FREITAS