sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sobre o novo estatuto da PMERJ



Se tivesse de escolher adjetivos para desqualificar a sugestão de mudança do estatuto que tramita na ALERJ como Projeto de Lei Complementar, eu diria: espantoso, aterrorizante, retrógrado, tacanho, anacrônico, aterrador, casuístico, inconstitucional; e assim adjetivando eu caminharia sem parar até alcançar o ponto final da “obra-prima” que estão prestes a enfiar no fiofó do PM. Se eu fosse o Gérson Nunes (“canhotinha de ouro”), eu diria: “É brincadeira!” Sim, é vero, estão a consagrar a permanência na ativa de coronéis com tempo de serviço no posto já vencido, apenas por serem eventuais detentores de cargos, chefias e direções comissionados, assim expandindo um privilégio antes restrito ao Comandante-Geral e ao Chefe do Estado-Maior... Em virtude disso, restam discriminados os demais coronéis, o que é constitucionalmente proibido (§ 1º do Art. 9º da Carta estadual). Ah, que Lei Complementar é essa? Que adequação constitucional é essa? E a Isonomia?... Ora, a primeira providência de uma Lei Complementar é ajoelhar-se ante a Carta Magna e persignar-se à vista da Carta Estadual. E não cuidar de miudezas. De miudezas cuidam Leis Ordinárias, Decretos, normas, resoluções etc. Demais disso, o Estatuto dos Servidores Públicos Militares, inserido no Art. 118, IX da Carta Estadual como Lei Complementar, está sub judice. O dispositivo constitucional estadual em referência parece estar com sua eficácia suspensa no STF (ADIN 1087-5/600) por votação unânime em liminar:

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STF - ADIN 1087-5/600, de 1994 – Decisão da Liminar: “Por votação unânime, o Tribunal deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia do inciso IX do parágrafo único do art. 118 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Votou o Presidente”. - Plenário, 01.02.95. Acórdão, Publicado no D.J. Seção I de 09.02.95, página 1.729.
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 118 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. - Não há dúvida de que há relevância jurídica nas questões de saber se, em face da atual constituição, persiste a necessidade da observância pelos estados das normas federais sobre o processo legislativo nela estabelecido, bem como se os preceitos do § 9º do artigo 42 e do § 7º do artigo 144, ambos da carta magna federal, os quais aludem a lei ordinária, abarcam o estatuto dos servidores públicos militares. - dada a relevância jurídica dessas questões, que envolvem o alcance do poder constituinte decorrente que é atribuído aos estados, é possível - como se entendeu no exame da medida liminar requerida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 568 - utilizar-se do critério da conveniência, em lugar do ’periculum in mora’. Para a concessão de medida cautelar, ainda quando o dispositivo impugnado já esteja em vigor há alguns anos. Pedido de liminar deferido, para suspender ‘ex nunc’, e até a decisão final, a eficácia do inciso IX do parágrafo único do artigo 118 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.”

Não há informação, pelo menos até novembro de 2008, de que o mérito da ADIN 1087-5/600, de 1994, haja sido julgado. É o que nos informa o Site da ALERJ e torço para que seja verdade!... Como se vê, a PMERJ não tem jeito: com o tema judicialmente travado, mesmo assim ela avançou contra si com o aval do distraído governante. Porque, se estiver ainda hoje acautelada, a iniciativa nasce viciada e se traduz em anomia.
Em celeridade inconstitucional, pelo que se infere, a PMERJ intenta mudar as péssimas regras estatutárias por outras piores. Forçam a manutenção do statu quo e a consagração da opressão (o novo estatuto inicia-se com “obrigações” e “deveres” precedendo os “direitos” e “prerrogativas”). Enquanto isso, delegados de polícia e guardas municipais, – livres desse militarismo anômico, – alargam os passos na estrada que trilhamos à retaguarda deles, sem enxergá-los, pois eles, íntimos conhecedores do jogo político, apagam-na como se ela, a estrada, fosse feita e desfeita em desenho animado. E nós permanecemos teimosamente “em formatura, de farda pesada, mochila nas costas e fuzil em bandoleira”, a mirar, exaustos, o reduzido mundo intramuros dos quartéis de dentro para dentro dele mesmo; e nossos supostos concorrentes avistam suas possibilidades externas, e livres do peso inútil, ganham terreno fazendo-nos comer poeira. E o máximo que conseguimos é debulhar lágrimas em chororô infantil, buscando nossos próprios calos para pisar, nossas próprias canelas para pontapear, e nossos miasmas para cheirar. Que horrível!... Mas a culpa é nossa, daí a pouco estaremos “festejando” o novo estatuto como quem está feliz da vida em ser estuprado.
Trata-se de estatuto elaborado em “segredo de estado”, sem a participação da tropa. Estatuto feito por uma PMERJ comprometida com o atraso: perfeito na forma, desesperador no conteúdo. Mas não podemos reclamar; ao que tudo indica, foi grafado por nós mesmos; e todos nós ficaremos, mais uma vez, sentados no cais a ver navios partindo para novas conquistas, ou sentados à beira do caminho vendo a caravana passar e os cães ladrarem. Nem navegamos, nem passeamos, nem ladramos. Nada fizemos, fazemos ou faremos; e o ferrão se tornará mais afiado que antes, um antes reportado à II Guerra Mundial e à cópia autenticada do estatuto do EB daqueles maus tempos e ainda hoje patrão da PMERJ, mas que se lixa para a nossa boa ou má existência institucional. Tornamo-nos vira-latas assanhados, que, mesmo apanhando do seu dono, continuam a lamber seus pés balançando os rabos até o próximo pontapé. Ó “canhotinha de ouro”!...
Ora bolas! Onde estão os valentes e inteligentes oficiais da briosa? Existem? Claro que sim! Mas, que fazem a respeito? Preocuparam-se em ler o novo estatuto que tramita na ALERJ? Que acharam dele?... Não sabem? Que pena! E as Associações de Graduados e Praças? Onde estarão dormindo e por que não acordam?... Não percebem a armadilha da Previdência Social a impedir a contagem do tempo dos licenciados da corporação para efeito de aposentadoria futura? Eis a inovação: devolução aos excluídos do dinheiro descontado, porém sem correção. Ora! Afinal, são os graduados e praças os mais prejudicados por exclusões injustas, sempre, e sempre, e sempre... Eu, de minha parte, confesso minha pequenez ante o Leviatã que nos aguarda em tocaia. Li o estatuto. Nada vi senão coisas iguais ou piores, e mais exigências aos que pretendem ingressar numa profissão que “avança para trás”, parodiando o mestre Deonísio da Silva.
Mal comparando, o que o novo estatuto propõe, sob a ótica do trabalhador civil, é que este, em sendo demitido de sua empresa sem indenização, receba do INSS, sem correção, o somatório de sua contribuição previdenciária ao longo dos anos, de modo que jamais conte esse tempo na sua aposentadoria.
Engodo!...
Jamais imaginei ver algo tão teratológico contra o PM. Pois ele, tornado ex-PM, e desesperado, correrá para receber de volta sua mixaria não corrigida e perderá o direito à contagem desse tempo no INSS ao encarar o desconhecido mercado de trabalho civil.
No caso do PM, tentam prejudicá-lo livrando a Previdência Social Estadual de ônus futuro, embora lhe subsista, em contrário, o direito de contagem do tempo de contribuição do INSS para aposentadoria na PMERJ.
Tentam assim eliminar a contrapartida em prejuízo da União. Pior ainda: o ex-PM, levado à estaca zero do seu tempo de aposentadoria, e com poucas chances de se empregar por falta de capacitação, e principalmente revoltado, poderá formar em milícias ou se sustentará no tráfico. Porque é certo de que ninguém cuidará de sua ressocialização depois de excluído, nem como o fazem com ex-presidiários.
O novo e injusto texto ignora o desconto obrigatório para o Fundo de Saúde da PMERJ, que possui como contrapartida o direito de o PM e sua família serem atendidos pelo sistema de saúde para o qual obrigatoriamente contribui muitas vezes sem fazer uso dele. Ao ser excluído, o PM e seus familiares perdem imediatamente o direito ao atendimento médico-hospitalar, sem qualquer tabela de carência que considere o seu tempo de contribuição. Desculpe-me, “canhotinha de ouro”, mas “é brincadeira!”
O novo estatuto propõe o Bacharelado em Direito para ingresso na Academia de Formação de Oficiais e o Ensino Médio para candidato a soldado PM. E dirão: “Que bom!” Assumimos que nosso Curso de Formação de Oficiais não presta ou queremos ser delegados de polícia? Por que não nos valorizamos como autoridades competentes de polícia administrativa da ordem pública?...
Querem saber?...
Porque na Constituinte de 1988, enquanto defendíamos o lambe-saco ao EB, as Polícias Civis avançaram e se consolidaram em vista do futuro. E no vácuo do nosso desleixo vemos hoje crescerem em prestígio as Guardas Municipais, já executando até a “Polícia de Choque”, atividade que se situa além do “Policiamento Ostensivo Geral”.
A Guarda Municipal do Rio de Janeiro, por exemplo, desde muito ultrapassa seus limites constitucionais: “guerreia com ambulantes” e manda às favas nossa “exclusividade institucional”. Enfim, avança em liberdade e se legitima, e logo se legalizará, e faz muitíssimo bem: não depende de continência nem de ordem-unida. Nem se apega a tradições...
Por nossa única e exclusiva culpa, somos o fim da fila, os desterrados que insistem em se jogar de peito em baionetas por nós mesmos armadas. Somos suicidas querendo receber a morte por mãos de terceiros, mas os terceiros não olham para trás. Vão à frente e, como sempre, alcançarão o pódio. Nós seremos sempre lanterninhas, saco de pancada da mídia (militar=ditadura...). E comeremos as migalhas jogadas ao chão pelos bem alimentados que nos precedem em se tratando de polícia, e de poder, e de política, e de salário, e de tudo mais que nos desagrada e passivamente aceitamos. Até quando?... Ah, eu afirmo e reafirmo: até sempre, e sempre, e sempre...
Somos objetos de consumo, raspas de tacho, pó de serra, restos de tudo, monturo; somos, entretanto, arrogantes e vaidosos; enfeitamo-nos deveras para impressionar: farda bonita, algibeiras vazias; somos separatistas doentios. Empinamos nossos narizes para nós mesmos; não nos envergonhamos de nada e festejamos solenemente a miséria e o desprestígio pregando medalhas no peito dos que nos empobrecem e desprestigiam.
Que diabo de covardia é essa? Onde está a nossa honra? Para que serve o juramento? Cadê a nossa coragem? Por que não marchamos juntos na mesma direção, nem que seja dando “meia-volta volver”? Sim! Sim! Eis a saída! Se “avançarmos para trás”, seremos os primeiros e não os últimos. É melhor do que comer poeira alheia a vida toda por conta da vontade de um e do interesse pessoal de alguns efêmeros que se tentam tornar eternos. É melhor voltar ao ponto de partida e recomeçar de novo, revendo cada erro e reforçando os acertos.
Muito bem, o assunto não termina aqui. Sugiro aos companheiros líderes de classe da PMERJ que busquem cópia do Projeto de Lei Complementar e o analisem sob o crivo das Leis maiores e dos anseios e valores da tropa (oficiais e praças), que, no meu modesto entendimento, correm perigo. Caso contrário...

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, teria como se possível o senhor indicar qual o número so projeto de lei complementar ou então enviar um link com o texto do novo Estatuto.
Meu email é: marcellusdepaula@hotmail.com. Tenho que pedir isso, pois não estou conseguindo encontrar o texto no site da Alerj.
Muito bom o texto que o senhor escreveu, eu sou cadete do 3° ano da APM Saldanha.