sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O Estado Morreu...

Enquanto isso, lá no Céu...



— Pedro, chame o Paulo para uma reunião de emergência! — conclamou o Criador.
— Sim, meu Senhor! Farei isso imediatamente! Posso saber a razão?
— Falo com ambos! Vá! vá!
O Criador está visivelmente irado, para melhor situar a Ira Divina. E logo que Paulo se aproxima, o Criador dispara:
— Não agüento mais a audácia do Diabo. E é ele mesmo quem diz, pelo boquirroto de almas perdidas, que é uma audácia dentro da barbárie o que ele vem praticando costumeiramente na Terra, a me desafiar ante o Universo inteiro! E uma alma perdida corrobora dizendo ser uma covardia dentro da crueldade! Mas nada fazem esses prepostos do Diabo a não ser jactarem-se do que não fazem; eles não estão a meu serviço. Pior é ter de aturar uma outra alma perdida dizer que a vítima foi vitimada porque assim o quis; que contava com a minha proteção e era o que bastava pra ficar vivo. Não precisava da segurança terrena... E agora? Sim, refiro-me ao pobre coitado do PM. Veja como foi cruelmente assassinado aquele que me amava. Ah, o planeta Terra, minha obra-prima, tornou-se a principal colônia de férias desse maldito Lúcifer! Estou envergonhado por receber a alma do PM precocemente, alma que deveria permanecer entre os mortais a depurar as outras pelo meu Evangelho. Antigamente, o Diabo desafiava-me dizendo que onde eu construísse uma Igreja, ele construiria uma capela ao lado. Mas o que vejo é ainda pior: eu planto uma Igreja e ele a rodeia de capelas maiores, tal como a erva daninha a matar a árvore frutífera. Assim não dá! Vou eliminar esse Diabo!
— Mas, meu Senhor, o Senhor não pode... — tenta dizer Pedro.
— Nem senhor, nem senhora! Afinal, é passada a hora de eu eliminar esse Diabo dos diabos!... — interrompe o Criador.
— Falou certo, Senhor! São muitos diabos, não é um só! Não adianta eliminar apenas um... — arriscou-se Paulo.
— Sei disso! Até as harpas não as posso mais ouvir, os diabinhos entram aqui sorrateiramente e as desafinam sob os olhares atônitos dos anjos. Vou matar esse Lúcifer miserável!
— Não há como, Senhor, ele tem vida eterna tanto como o Senhor! — enfrenta Pedro a Ira Divina.
— Então, que faço? Não sei pra que há tantos santos e anjos aqui. Vocês não servem nem pra combater os diabinhos que se desdobram a mais e mais pela eternidade dos tempos.
— Bem, meu Senhor, eu creio que o Senhor quer ouvir verdades de nossas bocas... — dispara Paulo com seu temperamento quente.
— Claro! A mentira pertence ao Diabo e não a nós! — reage em Ira Divina o Criador.
— Então, meu Senhor, acostume-se com a idéia de que o Diabo se renova e multiplica, enquanto o Senhor insiste em ser apenas três... — replica Paulo.
— Mas eu sou o Poder Maior!
— Hum... — discorda Pedro em evidente ironia.
— Não sou? Não sou? Quem criou o mundo? — irrita-se o Criador.
— Foi o Senhor, meu Senhor — conserta Pedro.
E continua:
— Mas o Senhor, meu Senhor, não criou o Diabo! Ele veio ao seu lado, irmãozinho, e mudou de lado! E é tão eterno quanto o Senhor, meu Senhor, e está vencendo a guerra do Mal contra o Bem e ainda coloca o Mal na sua conta por conta dessa sua Ira Divina que espalharam entre os mortais ser realmente sua. Quem se liga ao Senhor, meu Senhor, o faz a medo da Ira Divina. Já Lúcifer, que até o nome o ajuda, — pois ele só declara por aí que é um Anjo de Luz, — já Lúcifer apela para ao seus diabinhos assessores e para anjos e santos quando quer conquistar o espírito dos mortais. Por isso o céu está ficando vazio e obsoleto.
— É, tá difícil! Não sei como vencer esse Diabo nem como conviver com tanta distorção da minha verdadeira Verdade. Acho que terei de admitir aquela minha versão que disseminei pela caneta de Marx e Engels e esperar...
— Qual, meu Senhor? — indagou Paulo em curiosidade.
— Aquela, de que tudo que é estável e sólido desmancha no ar...
— Mas, meu Senhor — atalha Paulo com a franqueza de sempre —, quem inventou isso não foi a sua pessoa, foi o Diabo...
— Como o Diabo? Será que estou ficando esclerosado? O que eu disse?
— Ó, meu Senhor! O meu Senhor, pela caneta do Rousseau, disse que se o malfeitor existir numa sociedade o Estado que a representa morre. Por isso o malfeitor deve ser eliminado para o Estado não morrer. Acontece que o Estado está entregue e submisso ao malfeitor... O Estado morreu!
— E então?...
— E então é que ninguém mais cumpre a Sua Palavra e os Seus Mandamentos. Eles preferem abraçar os direitos humanos apregoados por Lúcifer e criticar a barbárie e a crueldade sem eliminar o bárbaro e o cruel. É papo diabólico, mesmo, treinadinho, e o Diabo e seus malfeitores e seus prepostos continuam construindo milhões de capelas ao lado de uma só Igreja, e muitas capelas dissimuladas em Igrejas a engrupir desatentos fiéis.
— Ai, meu Deus, ajude-me!
— Não há como, meu Senhor! — atalha Paulo. — Deus é o Senhor mesmo! É melhor o Senhor tomar um calmante para acalmar a Ira Divina e dormir um pouco. Pelo menos não haverá catástrofes durante o seu eterno sono dos justos.
— Mas eu tenho de trabalhar contra Lúcifer...
— Não se preocupe meu senhor, eu e Pedro ficaremos aqui recolhendo as boas almas assassinadas pelos diabinhos assessores de Lúcifer. Não são muitas as que aqui chegam, mas são boas e com chance de ocupar largos espaços neste céu vazio... Afinal, esta é a sua vantagem: Lúcifer está cada vez mais atrapalhado com a superpopulação de almas penadas que o servem lá na Terra, não apenas matando inocentes, mas ocupando cargos públicos e justificando as mortes com discursos diabolicamente programados a fazerem o mundo de bobo.
— Vou mandar um raio!!!!
— Calma, meu Senhor! Não faça isto! A coisa está tão descontrolada que o raio pode ricochetear nas nuvens e destruir os céus!...

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