
Vamos então ironizar, começando por lembrar o saudoso Stanislaw Ponte Preta, que por essa hora deve estar mais calmo no túmulo. Mas, durante a semana, com certeza ele ficou como o Brás Cubas machadiano ao tentar decifrar os acontecimentos desastrosos acontecidos no Rio e em São Paulo: “Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.”
Assemelha-se realmente ao enigma da esfinge a morte estúpida do tenente-coronel PM José Roberto do Amaral Lourenço, abatido com 60 tiros de fuzil, segundo o noticiário. Pois os desencontros e a desinformação transformaram o caso em mistério e num festival de besteiras, ditas e publicadas, que não levam a nada além de aprofundar o enigma. Parece-se também com o enigma da esfinge a morte não menos estúpida da adolescente em São Paulo, ocasião em que a preservação da vida do criminoso predominou como a “mais-valia social” em contraposição à “menos-valia” das vítimas: um absurdo!
Sim, incrível inversão de valores: o criminoso não foi considerado de imediato como tal porque era “primário e de bons antecedentes”. As autoridades paulistas, na maior cara-de-pau, ignoraram o fato de que para alguém ser criminoso há de haver a primeira vez. Era o caso do marmanjo que manteve as meninas em cárcere privado, ele, um reles bandido, de arma em punho, demais de atirar pela janela e dizer que estava à mercê de um diabinho a incitá-lo ao pior. Romanticamente, porém, as autoridades envolvidas não creram nisso; pareciam estar anestesiadas ante o estrelismo do homicida potencial e se transformaram em personagens de ópera bufa. E pasmem: segundo as notícias, fazia três anos que o criminoso, de vinte e dois anos, namorava a menina de quinze, o que remete a idade dela aos doze anos, estando ele então com dezenove. Pergunta-se: isto é normal?...
Muito bem, é bom dizer que as especulações midiáticas costumam atrapalhar investigações sérias; por outro lado, entretanto, essas especulações podem ser uma chave a abrir a porta da esfinge onde se guarda a decifração do enigma. Uma linha, um comentário, a inferência de algumas declarações oficiais estranhas pode apontar o rumo certo das investigações. Por exemplo, a conclusão de um jornalista global, posta em seu blog (REPÓRTER DE CRIME), resumiu-se à idéia de que o tenente-coronel assassinado foi o único culpado por sua morte. Enfim, num viés alegórico, o jornalista concluiu que o tenente-coronel “assassinou-se”, tendo em vista as declarações do titular da SEAP dando conta de que o notoriamente incorruptível diretor, e por isso constantemente ameaçado, teria dispensado o carro blindado e a segurança pessoal. No entanto, parece que havia uma resolução (007/2003), assinada pela SEAP e pela SSP, a indicar que ambos — o ameaçado, na condição de diretor de presídio de segurança máxima, e seu chefe, na condição de secretário em exercício — eram obrigados a honrar seus termos, assim como a SSP talvez devesse fazê-lo (não conheço o texto da resolução). Mas, em princípio, todos ignoraram a resolução; olvidaram o perigo e se atenderam em distração mútua, deste modo facilitando o atentado. Sim ou não?... Eis “x” (“decifra-me ou devoro-te!”), pois a SSP está quieta e o diretor está morto, e morto não fala. Se pudesse falar, poderia ou não confirmar a versão oficializada. Mas a SSP, embora silenciosa, está investigando...
Assim o tempo passa, e a voz do titular da SEAP, a solo apoiado por seu governante-mor, vem ocupando o espaço midiático debaixo de muita pressão. E até então ninguém considerou que a carcomida viatura oficial, a conduzir ao trabalho o diretor, já o punha em risco de acidente ou de nem chegar ao presídio por conta de falhas mecânicas; viatura oficial, aliás, que ele próprio dirigia por falta de motorista. Diante disso, parece que o jornalista Jorge Antônio Barros acertou ao concluir, ante as tumultuadas entrevistas do titular da SEAP, que a culpa da morte do diretor fora dele próprio. Um detalhe: o irônico jornalista e eu não somos amigos, muito pelo contrário... Esclarecido o detalhe, resta ainda saber se o diretor era autorizado a dirigir viaturas oficiais; se não, ele poderá ser “duplamente culpado”: pelo “assassinato de si mesmo” e pelo “comportamento não autorizado”.
Deixando para quem de direito a decifração do enigma, o resto – ah, o resto! – é mero detalhe... Nada demais um oficial superior da PMERJ e diretor de presídio de segurança máxima ter sido trucidado... Nada demais ele morrer sem chance alguma de revide ou defesa... Nada demais a família dele (esposa e filhos menores) sofrer eternamente a perda... Afinal, o sistema legitimou em nota oficial a versão estrambótica da SEAP e estará mais uma vez a salvo pela invariável superposição dos fatos graves que ocorrem no ambiente social. Assim a porta da esfinge permanecerá fechada e o enigma continuará vencendo os tempos.
Ah, e enquanto as especulações se multiplicam, e o enigma se aprofunda, o Brasil foi campeão de futsal; e, no Município de Itaboraí, um cabo PM patrulheiro foi assassinado com um tiro na testa ao atender a uma ocorrência: um carro preto cruzou com a patrulhinha e os bandidos atiraram incontinenti contra o Estado ali representado. E o Estado, que vem contribuindo para a morte de quem deveria proteger, mais uma vez morreu pela representação do cabo PM fardado e em viatura caracterizada... Desculpe-me terminar assim! Afinal, trata-se de notícia banal. Seria, sim, espetaculosa, se o cabo PM Paulo Henrique Ferreira, em vez de morrer, tivesse matado algum dos bandidos. Por esta hora, decerto estaria preso, com sua arma apreendida para exames balísticos e o bandido sendo tratado pela mídia como um “suposto”. É assim o poder, seja lá qual for: estatal ou midiático...
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