segunda-feira, 12 de março de 2018

“UM ABISMO PUXA O OUTRO”

“O mundo é perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que os veem e fazem de conta de que não viram,” (Albert Einstein)

Quando as cabeças pensantes do regime militar decidiram pela fusão da GB com o RJ, tendo como animação, - dentre outras animações menores, - a inauguração da Ponte Rio-Niterói, não consideraram que a baía de Guanabara, na verdade, era um abismo a separar joio de trigo. Lembro-me, - no caso das Polícias Militares de lá (GB) e de cá (RJ), - lembro-me das palavras de um coronel de lá que ocupava uma alta posição antes da fusão: “No nosso caso é fácil, é só colocar em forma por graduação e patente e a hierarquia e a disciplina resolverão o resto!” Mas logo se arrependeu ao perceber que os coronéis de lá, dentre os quais ele se incluía, estavam já de cabeça branca, alcançados pela longevidade. Já os de cá ostentavam cabeleiras nem ainda grisalhas ou mesmo sem um fio de cabelo branco; eram bem mais novos de idade. Porém, para azar do coronel de lá, os de cá eram mais antigos no posto, o que os colocavam na cabeceira da hierarquia e da disciplina da “nova” instituição. Ora, foi mais que balde de água fria, foi temporal inesperado, e, claro, o comentário dele foi abafado por um comando ainda verde-oliva salvador da pátria que perduraria até o ano de 1892, vindo depois a desgraça do brizolismo que dispensa comentários.

A baía de Guanabara encolheu com a ponte, sem dúvida. Os mais ou menos 14 quilômetros da água abissal eram vencidos em minutos, e tudo parecia um mar de rosas para os cariocas que a cruzavam buscando as delícias da serra e do mar do lado de cá, e um mar de delícias do lado de lá da Cidade Maravilhosa. Tudo era euforia... Sim, o povo simples de cá também se beneficiou com a ponte que uniu dois lados separados por um abismo cultural e ideológico extremo, este que se poderia resumir numa famigerada frase que se tornara histórica bem antes: “A única imagem boa de Niterói é a vista do Rio, e a pior imagem do Rio é a vista de Niterói”. Quem não se lembra?

Mas, se o povo buscou se adaptar, as instituições até hoje enfrentam dissensões invencíveis, tornando o ambiente de convivência entre os dois Estados distintas, e suas instituições, um abismo tal como o natural representado pela baía de Guanabara. Nem me vou tornar ao passado mais distante das hostilidades até bélicas nem pretendo esmiuçar suas causas, das quais nem me lembro, mas podem ser estudadas até via Google. Mas é certo que há tradições de um lado e de outro que estão enfiadas no espírito dos povos antes separados e felizes e hoje embolados em favelas acrescidas de migrantes, formando superpopulações desordenadas em virtude, ainda, dos efeitos e defeitos da Casa Grande e da Senzala. De modo que é nítida a diferença de pensamento entre uma sociedade e outra, e entre comunidades carentes e sociedade formal, embora muitos de lá e de cá prefiram externar uma integração que se confunde entre a hipocrisia a ingenuidade e o sarcasmo. É como um flamenguista a se fingir de vascaíno e vice-versa, quando em situações assim os exigirem o fingimento.

Neste conturbado ambiente pós-fusão proliferaram, sim, de maneira quase que de progressão geométrica, as populações carioca e fluminense. E se ampliou sobremodo a miséria e a informalidade como forma de vencê-la, tudo porque fundiram terras, encurtaram a baía de Guanabara, mas se esqueceram de estruturar um novo Estado capaz de lidar com a nova “Torre de Babel” tupiniquim, esta que hoje é mal administrada porque a sua “Forma” não segue a “Função” desde o início (“A forma segue a função” – Louis Sullivan). Sim, ignoraram a máxima do arquiteto proto-moderno. Também ignoraram o alerta do jurista e juiz espanhol, professor Manuel López-Rey, em seu clássico “O CRIME”, fruto de exaustiva pesquisa mundo afora, sob os auspícios da ONU. Em dois pontos fundamentais que reproduzo grosso modo: como o crime é inerente ao ser humano, como espécie de “sentimento”, tal como o amor e o ódio, ele sempre existirá enquanto houver conglomerados humanos, isto desde os mais remotos tempos. Em sendo inevitável, não se deve associar o crime a generalizações causais como a pobreza, a falta de educação etc. na verdade, o crime deve ser visto como um problema sociopolítico, e, portanto, deve ser atalhado num primeiro e dinâmico processo de rotulação pela sociedade e sua respectiva punição, - via poder político representativo (?), - valendo para todos. Mas isto também falhou, e talvez não tenha passado de sonho do pesquisador, pois o peso das diferenças sociais é evidente, as leis são feitas para atender aos plutocratas, hoje, por sinal, bem representados nos três poderes da suposta República Federativa do Brasil.

Escrevo assim porque entendo ser impossível atacar os efeitos de muitas variáveis como se fossem uma só e representada pela violenta criminalidade que assola calamitosamente o malfadado RJ, fruto de muitas decisões irracionais num passado recente. Escrevo porque vejo a necessidade de se criar um grupo pensante, quase que um “observatório”, não das ações das Forças Armadas e das estruturas que compõem a “arquitetura” avocada pelo General Interventor Braga Netto, em vista de um objetivo extraído do decreto presidencial e que se resume, também grosso modo, a “pôr termo às desordens públicas no RJ”. De fato, algo imediato deve ser feito. Mas esse “imediato” não deve ser sustentado por estudos profundos e simultâneos, por pessoas não ideológicas, desse RJ aleatoriamente criado com a fusão, mas já desnorteado com a ida do Distrito Federal para Brasília. Enfim, se “a forma segue a função”, para se chegar a ambas é imperioso conhecer profundamente a “forma”, que mais se representa como “deformação estrutural” e a “função”, que se representa por uma impressionante desordem pública a demandar tropas para confronto bélico numa primeira antevisão superficial do ambiente social, mero efeito de causas distantes e até transnacionais.

Como disse Leo Smolin, Físico Quântico, Prêmio Nobel, em sua obra “Três Caminhos Para a Gravidade Quântica”: “Existem objetos como as rochas e os abridores de latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas contando uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição nunca é suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim processos que se desenvolvem no tempo.”

Há de haver uma história a explicar e justificar as ações. Pois o RJ não é uma rocha nem um abridor de latas, como propõem os críticos ideológicos de plantão, mas uma estrutura social feita de gentes, assim como o Estado é uma organização social, que, no mínimo, é composta por seis variáveis básicas: estrutura, ambiente, tecnologia, tarefas, pessoas e competitividade. Destaco as pessoas, tanto as do Estado-membro como as dos Municípios e da União, mais particularmente as que se integram ao ambiente de tarefa na segurança pública, sendo certo que isto não exclui o “dever” de todos os servidores públicos de outros órgãos municipais, estaduais e federais com sede no RJ, no mínimo, e a “responsabilidade” da sociedade civil organizada, como prescreve o Art. 144 da CRFB. Portanto, que a Intervenção Federal tenha sucesso! Mas não o terá se se posicionar como “sistema fechado e autossuficiente”...




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