quarta-feira, 19 de outubro de 2016

VIOLÊNCIA URBANA NO RIO DE JANEIRO – A SAÍDA DE BELTRAME



“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


Encerra-se uma década de José Mariano Beltrame à frente de uma secretaria das mais problemáticas do país: a SSP/RJ. Não foi pouco tempo, mas talvez tenha sido mínimo em relação à gravidade do banditismo do tráfico que assola como calamidade social o RJ, esta que se reporta à década de 80, época em que os fuzis estrangeiros começaram a pousar nas favelas da capital. Disso eu posso falar porque o primeiro deles, um Fuzil AR-15, versão civil do M.16, Cal. 223mm, fabricado pela Colt norte-americana para a Guerra do Vietnam, foi apreendido em 1989 na favela de Acari por guarnições do nono batalhão sob meu comando. O autor da façanha foi o então Cabo PM Wilton Elias da Cunha, ainda hoje na ativa como subtenente PM, servindo no CEFAP. Excelente combatente, ele desconfiou de uma terra remexida num pequeno lote ainda não ocupado, cavou com as mãos e deparou com a peça ainda sem uso, envolta em papel celofane e protegida com graxa — como saída de fábrica. Depois ele encontrou farta munição por perto.





Na época, reclamei na grande mídia que não dava para a PMERJ, — armada de revólver .38, escopeta calibre 12 mm e metralhadora INA adaptada de 45mm para 9mm, armas fabricadas aqui e obsoletas, — não dava para a PMERJ enfrentar bandidos com armamento tão sofisticado como o AR-15. Como a apreensão gerou notícia até no New York Times, a polêmica apreensão tomou de assalto a mídia tupiniquim, em especial porque eu declarei não ter cabimento essas armas entrarem pelas fronteiras brasileiras para matar policiais no Rio de Janeiro. Enfim, sem ser oráculo ou adivinho, profetizei esta desgraça que se vê hoje: numerosos bandos de traficantes armados com fuzis fabricados mundo afora, com destaque para o AK-47, russo, arma de altíssimo poder letal que conta ainda, muitas vezes, com luneta de longo alcance. Eis então o que Beltrame encontrou ao chegar: uma nítida superioridade do banditismo em relação à polícia como um todo, sendo a PMERJ a mais sacrificada por estar diuturnamente na linha de frente e sendo mais atacada que atacando, sendo mais surpreendida que surpreendendo, enfim, em inferioridade de forças, mesmo com todo o seu efetivo empenhado no extenso ambiente geral do RJ.



Por conta desse cenário caótico, a PCERJ invadiu o Complexo do Alemão no início do primeiro desgoverno do senhor Sérgio Cabral, ocasião em que morreram 19 suspeitos de envolvimento com o tráfico. Ante a realidade do fato, Cabral veio à linha de frente e declarou com veemência: “É enfrentamento mesmo!”, Em seguida, no vácuo da valentia governamental, Beltrame disparou a frase atribuída à esposa de um escritor russo assassinado por Stálin: “Não se pode fazer omelete sem quebrar ovos.” Estava declarada a senha governamental, a polícia iria ao combate com todo o seu mirrado poderio em relação aos bandidos, que floresceram em armas, dinheiro e drogas nos dois períodos de brizolismo no RJ, época em que a polícia se viu impelida pelo ferrão disciplinar a recuar, inclusive com ordem de não invadir favelas nem fazer sobrevoar sobre elas seus helicópteros. Essa dubiedade permaneceu nos governos seguintes até chegar a Cabral e à cena verbal descrita no calor dos corpos de 19 meliantes tombados em confronto com a PCERJ.



Mas as pressões das ONGs alienígenas e tupiniquins aumentaram de tal modo que o governador e seu secretário passaram um tempo baratinados, sem saber que rumo tomar, até que a sorte soprou seus ventos favoráveis a partir do Morro Dona Marta: uma casual ocupação da favela por guarnições do 2º BPM para garantir a visita do governante a uma creche fechada fazia um ano, porque os traficantes impediram seu funcionamento. Como se tratava de comunidade pouco povoada e territorialmente pequena, não foi difícil ao batalhão afastar os bandidos e ocupar totalmente o terreno, permitindo assim a visita do governante com seu secretário; e este, percebendo que a ocupação ficou melhor que a encomenda, decidiu manter na favela, por tempo indeterminado, a tropa de rua do 2º BPM, “pacificando” a localidade favelada da Zona Sul. Emblema melhor não haveria de haver, só faltava transformar a ideia, mais que batida no âmbito da operacionalidade da PMERJ, em programa permanente. Como eles mesmos alardearam: um “programa de estado”... Assim, ao acaso dos ventos fortuitos, o governante Sérgio Cabral “descobriu a pólvora”, logo batizada como “Unidade de Polícia Pacificadora” (UPP). Que sorte!...



Sim, que sorte! Pois já apontavam no horizonte a Copa do Mundo e as Olimpíadas, eventos bilionários e de alto interesse da Grande Mídia, em especial do Sistema Globo. Bem, deixando de lado os concertos de bastidores, as UPPs foram abençoadas pela mídia global e por estudiosos sempre por ela ouvidos, tudo já gravado em partituras antigas. Assim o secretário tornou-se herói nacional e quiçá internacional, ampliando-se as operações aparatosas nos complexos favelados notabilizados por homiziarem lideranças das mais poderosas facções criminosas (Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, dentre outras comunidades emblemáticas como Favela da Maré e Cidade de Deus). E havia, sim, no início, a máxima empolgação, com a mídia elegendo os primeiros recrutas como “incorruptíveis e sem vícios”, tais como os “Trezentos de Beltrame”, em alusão aos de Esparta. Porém, antes mesmo de os eventos se iniciarem os problemas de interação já eram sentidos, com a mídia fingindo não vê-los ou minimizando-os ante a opinião pública. Assim se criou a falsa impressão de segurança que se desmascararia a partir do assassinato de uma PM Fem no Complexo do Alemão, abrindo caminho para sucessivas mortes de capitão, de tenente, de sargentos, de cabos e de soldados em comunidades com UPPs.



Mesmo assim, a mídia sustentou a falsa sensação de segurança, os eventos aconteceram, os bilhões de dólares foram aos cofres e a cortina da realidade finalmente descerrou: as UPPs não são o que apregoaram, não houve a prometida “invasão social” e Beltrame se viu só e abandonado.



Se não bastasse, veio a crise a desonrar compromissos com os policiais civis e militares ante as metas por eles alcançadas sem a contrapartida dos prêmios financeiros. Foi demais da conta, Beltrame cansou-se das promessas não cumpridas e pediu pra sair. Fê-lo, sim, em hora certa, pois o futuro é incerto e não sabido, e não seria justo ele ter de bancar até o fim pessoas que o deixaram no meio do caminho. Que tenha ele sorte na vida e que o novo secretário, agora com a batata pelando nas mãos, seja bem-sucedido, e a sociedade, enfim, goze uma real segurança ou pelo menos enfrente a real insegurança garbosamente, como sempre crendo em dias melhores. No fim de contas, a esperança é a última que morre!

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