sexta-feira, 1 de julho de 2016

VIOLÊNCIA URBANA VII — O PM E O ABRIDOR DE LATAS




"O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o vêem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

(De janeiro de 2016 até o início de julho — 226 policiais baleados. 59 morreram)


“Existem objetos como as rochas e os abridores de latas, que simplesmente existem e podem ser completamente explicados por uma lista de suas propriedades. E existem coisas que somente podem ser explicadas contando uma história. Para as coisas do segundo tipo, uma simples descrição nunca é suficiente. Uma história é a única descrição adequada para elas, porque entidades como as pessoas e as culturas não são de fato coisas, mas sim processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin, Leo – Três Caminhos Para a Gravidade Quântica)


A estranha comparação entre o PM e o abridor de lata serve ao propósito desta reflexão. Sobre o abridor de lata, sabemos ser uma ferramenta de grande utilidade doméstica e comercial, pois atende indistintamente ao lar e ao restaurante. A falta dele, inclusive, pode causar grandes transtornos ao ritmo de funcionamento e levar à loucura uma dona de casa ou um renomado chefe de cozinha. Apesar disso, para descrevê-lo (o abridor de lata) basta listar os materiais que o compõe e explicar o modo industrial ou artesanal de produzi-lo. Pô-lo em ação não depende de muita habilidade prática. E depois de ele cumprir sua finalidade (não pode ser fabricado para durar eternamente, pois levaria seu fabricante à falência), basta jogá-lo fora e substituí-lo por outro novinho em folha, sem mais necessidade de explicar como é feito, a máquina faz tudo pelo homem, que só tem de apertar o botão e organizar os estoques para a distribuição. Enfim, fabricar um abridor de lata não demanda grande esforço. Mas houve antes, sim, a imaginação humana dando-lhe forma e função.

Já o PM é ser humano dotado de alma e espírito, tal como os demais seres humanos que dele dependem ou que dele fazem uso como se fosse, também, um mero abridor de lata. Mas não é assim o ser humano, porque para descrevê-lo depende-se de avaliações permanentes desde que nasce, enquanto cresce, e assim segue o seu processo de existência até a morte. Mas, para procriá-lo em massa, é possível supor que o ser humano se reproduz quase que numa sequência de uma fábrica, pois segue o mesmo rito, aqui não se considerando os fatores físicos e emocionais.

O que diferencia, então, o ser humano do abridor de lata?... Vejamos...

Claro que uma parte dos seres humanos existe para o exercício de habilidades conceituais, para o exercício do pensamento, para mandar e não ser mandado. Nesse grupo seleto, pelo menos supostamente, predomina a razão e o conhecimento mais acurado das coisas práticas do mundo que não lhe cabe executar, mas apenas inventar, reinventar e pô-las em funcionamento.

Já a imensa maioria dos seres humanos não passa de massa de manobra, de rebanho submisso às ordens de poucos que detêm o mando, este, que se associa ao poder em si e à capacidade de construir “fábricas” para produzir coisas em série (abridores de latas) ou de formar seres humanos obedientes e robotizados.

E há quem defenda, não sem razão, que a “fábrica” de militares (PM é militar) é a que mais se assemelha à dos abridores de latas, ou seja, “coisas” descartáveis após um tempo de uso, porque não guardam mais que a especificação inicial de sua fabricação. Com o tempo, porém, tanto os militares como os abridores de latas atingem a entropia. Os primeiros morrem e vão ao caixão, os segundos deterioram e vão ao lixo, sendo possível supor, todavia, que podem ser reciclados e reutilizados em novos e idênticos formatos, daí eternizando suas funções. Já os militares, sejam da base ou do topo, ao fim e ao cabo vão ao túmulo. Mas, enquanto não morrem, funcionam como “corpos dóceis” a serviço dos que mandam em todos, pois, em se tratando de obediência cega, um general não difere dum soldado, a não ser quantitativamente, lembrando-se aqui que o método de fabricação dos militares é o mesmo: soldado e general existem para obedecer...

Sim, todos vão ao túmulo, mas passam a vida em ilusão de eternidade, tais como os faraós, embora nem estes tenham escapado da morte, apenas foram mais enfeitados e guardados na presunção de que seus corpos protegidos do apodrecimento um dia levantariam do túmulo, o que sabemos hoje não ter acontecido, o máximo que conseguiram foi se tornarem enfeites de museus. Mas pelo menos houve o respeito à vida que gozaram como “seres superiores”, o que de fato foram em relação aos seus rebanhos. Também hoje ocorre com os que mandam ou são mandados, com líderes e liderados, com aqueles que tangem ou são tangidos.

Cá entre nós, que diferença há entre um ser humano e um abridor de lata, já que ambos são fabricados em série?... Ora, a diferença está na possibilidade de reciclagem do segundo, que pode voltar a ser abridor de lata. Já o PM não possui esta qualidade comum às coisas inanimadas. Pois não há como reciclar seu corpo dilacerado ou morto. Em compensação, é fácil abarrotar o mundo com raça humana, assim como é simples dizimá-la, mais simples até que danificar um abridor de lata.


O PM é um ser humano?... Sim! Sim!... Mas é manipulado como se fosse abridor de lata, ou seja, uma “coisa” inanimada, que se torna inservível na inatividade ou morre antes. Nas duas situações, todavia, não são reciclados, são descartados e vão ao lixo ou ao túmulo. Enfim, morrem como qualquer gado de rebanho. E assim segue a vida do PM enquanto espera a morte ou a inatividade: como gado sem vontade. Porque enquanto o gado pasta esperando a fila do abate, o PM “repasta” formado na mesma fila, já que não lhe é dado o direito de possuir nem mesmo alma e espírito, nem mesmo sentimento, nem o direito de ver sua família sofrer e chorar a sua morte. Família, aliás, que vive em sobressalto diário até que receba seu “lixo inativo”: um corpo vivo, porém dilacerado, ou simplesmente morto. Enfim o PM, por ser militar, o que vale de soldado a coronel, não consegue ter mais vida nem a ela retornar como sói ocorrer com o abridor de lata...

2 comentários:

Anônimo disse...

Na inicial da reflexão ...eu logo discordei em relação ao abridor de lata e seu comparativo ! ..rsss Imagine que tenho um abridor de lata em minha residência que quase não tem mais serventia, devido a modernidade de nova formas de abrirmos latas ( puxamos o elo e ela abre rapidamente ) , ocorre que o abridor que tenho foi de minha avó, depois de minha mãe ...e quando mamãe veio a falecer ..quis pegar alguns utensílios pois imaginem o metal antigo como era ? Ocorre que um abridor de lata, dificilmente é DESCARTADO ..sabe porque ? putz ...caracolas ...ELE NÃO ACABA ...mas o POLICIAL ..ele se auto destrói ...simples meu entendimento ... alguns como alguns abridores de lata são conservados ...cuidados ..e tratados e NÃO DESCARTADOS ...besos fraternais

Anônimo disse...

Emir disse: Rsrsrs. O modelo que escolhi dura pouco. Realmente há modeloes duráveis, mais até que o PM, mas quando vão ao lixo voltam refabricados, pois a matéria-prima é reaproveitada. Esta é a essência do texto: O PM vale menos que esta "coisa", que poderia ser outra, até de plástico, não importa, é tudo reciclável. Já o PM é tratado como "coisa" que o tempo inexoravelmente destrói e ele é substituído por outro que se destina ao mesmo fim tristonho da doença, da mutilação e da morte. Como há seres humanos demais no mundo, a recomposição é feita e a sociedade não percebe. Ela vê sempre um PM na rua e pensa ser o mesmo. Este é o recado: não valorizam o ser humano, o militarismo infeliezmente guarda na sua essência, desde os remotos tempos, a cruel ideia de que o ser humano da base da pirâmide é "bucha de canhão" a ser utilizada já com a seguinte pronta para usos sem volta.