sábado, 30 de janeiro de 2016

RIO EM GUERRA - CRÔNICA DO SOLDADO WESLLEY COSME



Nota de Emir Larangeira: trata-se de história real, ou de ficção, que retrata a cruel realidade enfrentada pelos PMS da PMERJ nos dias de hoje. O autor, Soldado PM com bastante vivência operacional, culmina por nos oferecer momentos de muita emoção com suas crônicas literárias de alto gabarito. Para mim é uma honra postá-las aqui!


 CONTO DE FARDA IV


Instinto animal, selvagem e único! Todos nós possuímos, mas nenhuma profissão desenvolve tão bem o instinto de sobrevivência como a profissão Policial Militar!

Temos que viver, sobreviver, vencer o inimigo, derrotá-lo e não ser derrotado! Somos o bem e eles estão do lado do mal!

De um lado o traficante desesperado, temendo ser preso ou morto! Em contrapartida, do outro lado, eu, louco pela vitória, mas morrendo de medo de morrer!

Engana-se quem pensa que policial não tem medo! Todos nós sentimos, uns menos e outros mais! A diferença está justamente na forma que administramos esse medo misturado com um coquetel monstruoso de adrenalina, coragem, aventura, perigo e realidade, que explodem em nossas veias, corações e pensamentos, e ativam ao máximo todos os sentidos durante o combate!
Para manter-se vivo é preciso, muitas vezes, fazer com que pessoas ruins não vivam mais! É cruel de escrever, de falar e, acredite, pior ainda de fazer!

Não é glória nenhuma matar uma pessoa! Porém o meu psicológico deve estar preparado para tudo, inclusive para ceifar a vida, sem remorso e pena, de um bandido que possa atentar contra minha vida!

Não importa se o lafranhudo possui 10 ou 150 anos de idade, se ele apontar a arma para mim, sem sombra de dúvida alguma vou rasgar seu corpo na base da bala, até que não reste nele um pingo de vida humana! Irei fazer de seu corpo uma peneira profissional com tantos furos que colocariam inveja em telas protetoras de mosquito!...

Não sou cruel e não sou psicopata! Sou trabalhador e trabalho muito! Se alguém tem que morrer, que seja o maldito bandido!

Já são 17hs e o nome da comunidade que vamos incursionar chama-se "Favela Da Pulga". Recentemente, um bandido chamado "Cachorro" feriu um policial durante um assalto! O policial está bem, afastado para tratamento, mas está bem.

Por semanas fizemos diligências à paisana, contatamos informantes moradores da favela, monitoramos seus passos no facebook, vigiamos sua namorada, descobrimos sua casa e locais onde ele sempre lanchava!

Hoje, mais cedo, na hora do almoço, um dos nossos policiais à paisana, que não parece policial de jeito nenhum, pelo contrário, parece até bandido, subiu a comunidade!

O colega disfarçado subiu as ladeiras, escadas e vielas indo em direção onde o nosso alvo estaria almoçando! Imediatamente o policial reconheceu o bandido dentro da pensão, juntamente com sua namorada!

Antes que o PM entrasse no estabelecimento, dois traficantes mirins, de no máximo 15 anos, desconfiaram do agente! O traficante Cachorro fica observando seus comparsas durante a “abordagem feita no policial" pelos bandidos.

Em tons agressivos e com pistolas apontadas para as suas costas, os traficantes ordenam que ele levante a camisa! Ele obedece, vira-se para eles e um único disparo acontece!

O bandido portava uma pistola calibre 45mm, uma arma poderosa, capaz de quebrar ossos! O barulho ecoa por toda favela como se fosse um trovão nos piores dias de tempestade! Um único tiro, barulhento, poderoso e ensurdecedor, que inundou todo o ambiente com forte cheiro de pólvora.

Pessoas que passavam próximo da pensão se jogam no chão! O traficante Cachorro engasga-se com a comida, tosse cerca de seis vezes, levanta-se da mesa derrubando tudo em cima de sua namorada, vai na direção do bandido que atirou, retira a arma do traficante mirim e desfere-lhe um poderoso tapa em sua face esquerda! Tapa tão forte que facilmente seria confundido com um tiro de calibre menor pelo barulho causado.

Cachorro ordena que o bandidinho vá embora e imediatamente volta para a pensão, furioso pelo tiro acidental que quase acertou o policial. Adentrou a pensão e atingiu a vitrine de bebidas, espalhando refrigerantes por toda a pensão.

O policial abaixa a camisa (sua arma estava no tornozelo e por isso não foi identificado ) e entra na pensão para fazer seu pedido!

O traficante, furioso ainda, pede desculpas ao policial e diz que ele pode pedir o que quiser que o mesmo faria questão de pagar!

Cachorro não imagina que horas mais tarde iria morrer!

O bandido não percebeu nada; afinal, até para os mais experientes esse policial conseguia enganar, caso não soubessem sua real identidade!

Ele é um artista, trabalhou mais de 20 anos no setor de inteligência e coleciona milhares de disfarces! Cachorro estava sentado na pensão de 5x5 metros quadrados, com duas portas verticais de ferro que funcionava como a única entrada e saída.

O telefone do bandido grita avisando que alguém está ligando! Ele parece ansioso, atende rápido demais! Parecia que ele estava esperando essa ligação por muito tempo! Ele está à vontade e por isso não se preocupa em falar baixo ou disfarçar o conteúdo da conversa! O policial rapidamente consegue entender o teor da conversa, alguém do outro lado da linha adverte o bandido para tomar cuidado, porque circula na impressa e nas redes sociais o retrato falado dele.

Ele agradece e diz que vai passar um tempo na casa da pessoa que estava do outro lado da linha. Desliga o telefone e fala para a namorada arrumar as coisas na casa dele que às 17h ele vai partir para outra favela como abrigo.

Era tudo que o policial precisava saber. O agente levanta-se, vai em direção ao caixa para efetuar o pagamento. Momento esse que Cachorro esbraveja:

– Porra coroa! Já não disse que eu vou pagar esse caralho aí? Tá tranquilo, pode ir, tá tudo suave. É tudo comigo!

O policial pede desculpas e aperta a pata do cachorro! Olha nos olhos e agradece com um "muito obrigado".

Poucas profissões no mundo serão capazes de provocar toda essa tensão. Quase nenhuma!

O policial desceu a favela e foi em nossa direção. Já estávamos todos reunidos esperando a hora exata de agir! Já planejamos tudo e cada um sabe exatamente o que vai fazer!

A hora chegou! Oramos juntos antes de prosseguir, um costume da nossa equipe. Todos de mãos ou ombros dados, pedindo para Deus abençoar nossa operação!

Terminamos de pegar nossos equipamentos e conferir tudo: Fones de ouvido para Comunicação; pistolas PT 840 calibre 40mm com 5 carregadores; fuzil FAL calibre 7.62 com 4 carregadores; placas balística de kevlar, frontal e traseira; placas balística de cerâmicas, frontal e traseira; rádio portátil da polícia; faca tática; joelheira; reservatório de água.

 Embarcamos e cortamos a cidade indo na direção da comunidade da Pulga.

Vai começar a brincadeira de gente grande! Brincadeira que vai mostrar para aquele matador de policial que ele é PittBul para os outros, mas para nós não passa de uma Lassy!

 Não adianta abanar o rabo, latir, uivar, deitar, rolar ou se fingir de morto!

Ou ele se entrega e vai para o canil ou, de fato, vai fingir-se de morto para sempre!

Eu desembarquei na principal, no acesso as escadas que dariam acesso à casa dele, de onde o mesmo sairia com suas malas fugindo para outra comunidade!

Na minha cobertura tem mais dois policiais! O restante da equipe progrediu pela parte de trás, que é uma espécie de mata!

Não tem tráfico nessa parte, mas se Cachorro correr vai ser por essa parte que ele vai tentar fugir! Só tentar mesmo!

A casa do informante fica próxima da casa do bandido, e o informante está falando comigo no fone de ouvido que ele ainda está dentro de casa. Pela janela ele consegue ver Cachorro pegando umas mochilas de roupas e pondo sobre a cama!

Ele senta-se e abaixa para amarrar o tênis; veste a camisa, olha-se no espelho, faz o sinal da cruz, abraça e beija a namorada!

Ficam abraçados por três minutos, até que ele pega a mochila e vai em direção à porta de saída!

A namorada parece que sente a tormenta que o pobre “cãozinho” dela está para passar! Segura o seu braço e insiste para ele não sair! Ele a beija novamente e diz que vai ficar tudo bem.

Ela insiste, chora e implora pelo amor de Deus para ele não sair por aquela porta. Ele força a mão e se desvencilha de sua amada.

O Informante avisa que ele está saindo, está chegando á porta! O informante começa esbravejar que ele já saiu:

– Ele saiu! Ele saiu, saiu!!!

Desligo o fone de ouvido e o informante se esconde em casa, sabendo que o mundo vai acabar em bala e vai mesmo!

Fatio a parede para a direita com uma precisão cirúrgica de colocar inveja nos melhores cirurgiões. Bem lentamente vou fatiando, meus olhos cada vez enxergam mais a visão da escada!...
Continuo fatiando com precisão e cuidado,eu tenho que vê-lo e não o contrário! Ainda nao! Tenho meu primeiro contato visual com o cachorro! Ainda não terminei de fatiar a parede e só consigo vê sua perna!

Canela fina, andar desenvolto e malandreado! Um tênis branco com os cadarços bem amarrados...

Fatio mais ainda e minha visão torna-se cada vez mais privilegiada.

Já consigo ver todo o seu corpo. Ele desce as escadas parecendo político em época de eleição acenando para todos nas janelas dizendo que em breve estará de volta! Pelo menos é o que ele acha.

Realmente o filho da puta é muito querido pela comunidade, mas, para azar dele, não é nem um pouco querido por mim!

Ele desce segurando sua pistola, uma Glock de rajada com carreador alongado. Ótima arma, uma das melhores pistolas do mundo! Ela é feita com material espacial e quase nunca falha.

Se a arma que está com ele quase nunca falha, eu que não posso cogitar a ideia de falhar. Senão estou morto, ele fatalmente iria despejar todos os tiros possíveis em minha direção!...

Estou a 40 metros de distância do cachorro brabo e ele ainda não me viu...

Decido que chegou a hora. Avanço um metro. Ele está completamente na minha mira. Meu fuzil está como um touro de rodeio dentro do cercado, esbanjando energia, pronto para dissipar todo poder de que ele é capaz.

Minhas sobrancelhas praticamente caem nos olhos... A minha cara é de colocar medo mesmo, cara de tigre, imponente, mostrando para ele que só eu vou sair vivo caso ele tente algo! Estou mirando exatamente em seu peito, um pouco abaixo da garganta, sem margem para erro!

Mas nem toda intimidação que provoco é suficiente para que Cachorro desista de um embate.

Ao mesmo tempo em que miro o seu tórax, minha visão periférica acompanha suas mãos como fanáticos acompanham o Big Brother Brasil...

Para alguns vagabundos, a morte não é nada. Eles preferem morrer que serem presos! Com Cachorro é assim!

Seus músculos contraíram, seu olhar era de medo, e agora tinha o mesmo olhar que o meu...

 Nos encaramos. É inútil ordenar que ele largue a arma! Não existe mais esta possibilidade. O desafio está lançado! Um racha, não de carros, mas de bandido e polícia, os dois lutando pela vida e um só lutando pela liberdade...

Sua mão direita, empunhando a pistola, começa a levantar! Ele sabe que por mais rápido que ele seja jamais conseguirá atirar primeiro... Atitude suicida!... Ele desafiara-me e eu não o decepcionaria... O Cachorro quer?... Então o Cachorro vai ter!

Meu dedo contrai e o gatinho começa a ser pressionado! Todo o mecanismo do fuzil pronto para funcionar! Exerço mais força no gatilho, estou de olhos bem abertos, quero ver o peito dele explodindo igual bomba com o impacto do poderoso projétil calibre 762, simplesmente o que há de mais devastador!

Ele continua a erguer o braço! Ele vai me matar se eu bobear!Cachorro! Segura, que é de graça! Pega essa totó!... Disparo contra ele!

O projétil calibre 762, imponente e destruidor, atinge seu peito! Faz um buraco de entrada do diâmetro de uma tampa de garrafa pet, atravessa e sai pelas costas com diâmetro de manga Tomy, aquela bem grande!

Antes que seu corpo caia ao solo seus pulmões são expulsos de seu corpo com o deslocamento de ar do projétil. Estão espalhados pela escada junto com fragmentos de ossos da coluna e de costelas!

Sua coluna parte em vários pedaços! Para onde quer que ele vá, inferno ou céu, ele vai paraplégico!
Foi assim, que Cachorro morreu! Morreu sem proferir seus últimos latidos e uivos! Morreu como um verdadeiro cachorro: com a língua para fora, de boca aberta, e mostrando os caninos!
AU! AU! AU!...



Esse não morde mais ninguém!

       Soldado Weslley Cosme

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