quinta-feira, 2 de julho de 2015

RIO EM GUERRA XCIV

MAIORIDADE PENAL III

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

“DO G1 Brasília 02/07/2015 00h51 - Atualizado em  02/07/2015 01h40

Por Nathalia Passarinho


Estratégia de Cunha garantiu a aprovação da PEC que diminui para 16 anos a maioridade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão seguida de morte.



Aprovação ocorreu um dia após PEC semelhante ser derrubada na Casa.

Idade penal reduz para 16 anos em homicídio, lesão grave e crime hediondo.


Após polêmica sobre a validade da votação e com as galerias do plenário vazias, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (2) proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal para crimes hediondos, homicídio doloso, e lesão corporal seguida de morte. O texto ainda precisa ser votado em segundo turno antes de seguir para o Senado.

A aprovação se deu com 323 votos favoráveis, 155 contrários e 2 abstenções. Eram necessários ao menos 308 votos a favor para a matéria seguir tramitando. De acordo com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a votação em segundo turno deverá ocorrer após o recesso parlamentar de julho, já que é preciso cumprir prazo de cinco sessões antes da próxima votação.

Pelo texto, os jovens de 16 e 17 anos terão que cumprir a pena em estabelecimento penal separado dos menores de 16 e maiores de 18. Ao final da votação, deputados seguraram cartazes na tribuna em defesa da proposta e comemoraram com gritos em plenário (veja vídeo acima).

A aprovação da proposta ocorre depois de a Casa derrubar, na madrugada de quarta-feira, texto semelhante, que estabelecia a redução casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, crimes hediondos (como estupro), homicídio doloso, lesão corporal grave ou lesão corporal seguida de morte, tráfico de drogas e roubo qualificado.

Após a rejeição na noite anterior, Cunha afirmou que a Casa ainda teria que votar o texto principal, mas ressaltou que isso só ocorreria após o recesso parlamentar de julho. No entanto, após reunião com parlamentares favoráveis à redução da maioridade penal, ele decidiu retomar a análise do tema nesta quarta (1º) para apreciar um texto parecido com a proposta rejeitada.

Jovens da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (UNBES) não esperavam a retomada da votação e, por isso, não conseguiram fazer protestos como os mobilizados na noite anterior.

Cunha também não permitiu a entrada dos poucos estudantes que foram à Câmara para defender a derrubada da proposta, alegando que os manifestantes fizeram tumulto na noite anterior. A decisão do presidente da Câmara de votar um texto semelhante ao derrotado de madrugada também gerou bate-boca e questionamentos por parte de deputados contrários ao texto, mas o peemedebista conseguiu prosseguir com a votação.

Durante a sessão, deputados do PT, do PSOL e do PCdoB defenderam a derrubada da PEC. O governo defende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente e ampliar o tempo máximo de internação de 3 para 8 anos.

“Todos nós queremos resolver a questão da violência, da criminalidade, queremos evitar que crimes bárbaros terminem. Mas precisamos, de forma madura e responsável, encontrar qual a alternativa real para resolver o problema. E a alternativa real é alterarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente. Os efeitos colaterais dessa redução da maioridade penal são maiores que os alegados benefícios”, disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS).

O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), também discursou contra a proposta. “Não queremos jovem infrator na rua, mas queremos lugares decentes para que eles sejam punidos. Mas não dá para misturar os jovens com bandidos de alta periculosidade. O que está em jogo é o futuro dessas gerações. É um retrocesso se aprovarmos essas emendas”, afirmou.

Já parlamentares favoráveis à redução da maioridade penal argumentaram que a PEC não soluciona o problema da violência, mas reduz o sentimento de “impunidade”. "Nós sabemos que a redução da maioridade penal não é a solução, mas ela vai pelo menos impor limites. Não podemos permitir que pessoas de bem, que pagam impostos, sejam vítimas desses marginais disfarçados de menores", discursou o líder do PSC, André Moura (SE).

O líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), um dos articuladores da votação nesta quarta, também defendeu a redução da maioridade penal. "O PMDB afrma a sua posição de maioria pela redução da maioridade penal, nos crimes especificados. Achamos que a proposta é equilibrada, ela é restrita", disse. “A sociedade não aceita mais a impunidade e não deseja mais sentir o medo, o pavor e o receio que vem sentido no dia a dia.”

Emenda apresentada na quarta

A proposta derrubada nesta quarta é produto de uma emenda aglutinativa – texto produzido a partir de trechos de propostas de emenda à Constituição apensadas ao texto que está na pauta do plenário.

Essa emenda foi elaborada pela manhã por deputados do PSDB, PHS, PSD e PSC, e protocolada na Secretaria-Geral da Mesa. No plenário, deputados do PT, do PDT e do PCdoB alegaram que a elaboração de uma proposta com teor muito semelhante ao texto derrubado contraria o regimento. Argumentaram ainda que, para ser votada, a emenda teria que ter sido elaborada e apensada antes da votação ocorrida durante a madrugada.

Cunha rebateu os argumentos citando o artigo 191, inciso V, do regimento interno da Câmara. Conforme esse trecho, na hipótese de rejeição do substitutivo (texto apresentado pelo relator da proposta, como é o caso), “a proposição inicial será votada por último, depois das emendas que lhe tenham sido apresentadas”.

Segundo o peemedebista, como o texto original ainda não havia sido votado, é permitida a apresentação de novas emendas aglutinativas com base nas propostas apensadas a essa redação.

saiba mais

Os parlamentares continuaram a protestar e Cunha chegou a bater boca com eles. “Quando o senhor é chamado de autoritário, o senhor se chateia”, protestou o deputado Glauber Braga (PSB-RJ). Cunha rebateu: “Ninguém vai vencer aqui no berro”.

“Não imagine que o senhor vai nos escravizar, porque não vai. Não imagine que todos os parlamentares vão abaixar a cabeça”, emendou Braga. O deputado Weverton Rocha (PDT-MA) acusou Cunha de “aplicar um golpe”. A deputada Erika Kokay (PT-DF) chamou o presidente da Câmara de Luiz XIV, em referência ao rei francês absolutista, e disse que ele tentava sobrepor a sua vontade a dos parlamentares.

José Guimarães (PT-CE), fez um apelo para que a votação fosse suspensa e a Câmara discutisse como alternativa um projeto de lei que tramita no Senado ampliando de 3 para 10 anos o período máximo de internação de jovens infratores.

Segundo ele, “uma discussão tão importante como essa” não poderia ser tratada “com tamanho radicalismo”. Guimarães argumentou ainda que a aprovação da emenda poderia trazer “sequelas”.

“Reverter [a posição] de ontem para hoje é o melhor caminho? Claro que não, porque pode deixar sequelas”, disse sobre o impacto da redução. No entanto, Cunha não cedeu e continuou a sessão. Os parlamentares contrários à redução da maioridade decidiram, então, obstruir a sessão, utilizando-se de manobras previstas no regimento para postergar ao máximo a votação.

MEU COMENTÁRIO

Faz muito tempo que a tramitação de projetos na Câmara dos Deputados exigia da situação (base do governo) pouco mais que um ou outro bocejo enquanto a oposição clássica, que é a da esquerda radical, cumpria o papel exercitado pelo PT durante décadas: o de estilingue apedrejando a vidraça. Depois então se iniciava a votação, o governo vencia e a oposição esperneava, abrindo espaço na mídia para lhe garantir votos futuros. Enfim, nada mais que manobra, assim como a situação manobrava por meio do fisiologismo dos cargos no Poder Executivo futuramente trocados por votos nas urnas. Por isso é que as caras parlamentares são as mesmas, ou seja, um bando de caraduras, salvo pouquíssimas exceções.

O resultado não foi nada surpreendente. A manobra, sim, foi surpreendente, já que o presidente Eduardo Cunha (PMDB) passou o dia afirmando categoricamente que o assunto jamais passaria por aprovação no Plenário que preside. E enquanto blefava com maestria, desviando a atenção dos eufóricos esquerdistas vencedores na véspera, por ausência de alguns deputados e por dúvida de outros, os partidos favoráveis à aprovação da PEC 171 costuravam nos bastidores suas emendas aglutinativas, retirando de pauta algumas sugestões polêmicas em demasia, como o tráfico de drogas, situação demasiadamente subjetiva, tendente a armações policiais no cotidiano do combate ao tráfico. Sem dúvida, este item dispararia na dianteira das prisões de jovens usuários confundidos com jovens traficantes e vice-versa.

A verdade é que só este item garantiria a superlotação das cadeias já superlotadas, e talvez em somente uma semana de vigência da nova lei. E alguns parlamentares devem ter sinalizado que votaram antes contra a PEC por conta de serem contrários a este particular item sabiamente excluído da pauta, deste modo oxigenando o texto que culminou aprovado com larga vantagem. Mais que isto, o resultado real da véspera já demonstrava a fraqueza dos contrários à redução da maioridade penal, sendo certo que a mudança do ECA, como anunciada por esse grupo, não teria o mesmo efeito rigoroso que a maioria pretendia, ou seja, o de aplicar aos menores infratores, nos casos previstos, a mesma pena hoje destinada aos adultos.

Não se pode negar valor à percepção dos favoráveis à aprovação da PEC no sentido de que havia poucas pedras no caminho, no caminho havia poucas pedras, parodiando o poeta. Retirá-las era preciso, e isto foi feito de modo inesperado pelos que votaram contra a aprovação da PEC 171 na véspera. Ficaram sem discurso, a tal ponto que muitas “pérolas” foram proferidas nos microfones da Câmara durante a sessão plenária, dentre as quais destaco a do líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE): “Não dá para misturar os jovens com bandidos de alta periculosidade”. Que "ato falho"! Ora, os tais jovens, em infringindo a lei nos crimes que restaram elencados no substitutivo da PEC derrotada, já teriam provada na prática sua “alta periculosidade”, tais como a dos adultos. Misturá-los é outra coisa, e aqui residirá o maior dilema do Poder Executivo e quiçá do Poder Judiciário: como separar o joio do trigo?...

Quanto a este aspecto, é certo que a mudança da regra constitucional, - se vencer todas as suas etapas, incluindo a apreciação pelo STF, o que é certo como a morte, - a mudança da regra constitucional demandará o aporte de verbas para aplicar na construção imediata de presídios específicos, dentro de regras próprias de acomodação e da falaciosa ressocialização, esta, que ocupará a mídia com o máximo fervor dos falaciosos. Talvez por isso o líder do governo (PT-CE) se antecipou à realidade de que poderá, mesmo, ocorrer o que sugeriu em “ato falho”: “Não dá para misturar os jovens com bandidos de alta periculosidade.” E se não houver outro jeito?...

Bem, como diz o ditado latino (Alea jacta est): “A sorte está lançada”. Mas apenas o primeiro passo concreto foi dado. Falta muito pela frente, tudo dependerá de como reagirá a presidente dos 9% de aceitação popular, que chegará soltando fogo por tudo que é lado ante mais esta derrota do PT, pior que com o concurso do seu principal aliado: o PMDB. Que tempos sombrios!... Sem falar no famoso neologismo que cai pesadamente no colo do seu partido: “lava-Jato”...



2 comentários:

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Veja como essa PEC é polêmica, fazendo com que alguns dos nossos legisladores mudem de opinião da noite para o dia. Não sabemos as razões dessa súbita mudança de opinião tão de repente, afinal essa PEC por ironia do destino recebeu o número de 171. Sinceramente eu não tenho opinião formada a respeito e acredito que muitos dos nossos políticos também não tem, cabendo a nós brasileiros esperar, alguns de camarote, outros na arquibancada e outros tantos em cima do muro, o que vai dar esse balaio de gatos.

Anônimo disse...

Emir disse:

Caro Paulo Xavier

Eu mesmo não tenho opinião formada. Hora sou a favor, hora sou contra, mas apenas por entender que tal medida não terá grandes impactos na diminuição da criminalidade como um todo. Parece com as UPPs, postas como salvação da lavoura aqui no RJ, e quem tem experiência policial sabe que elas vão morrer na praia, tais como morreram os PPCs (Postos de Policiamento Comunitário) num passado recente, muitos deles edificados próximos ou no interior de favelas. O crescimento do poderio do tráfico obrigou a PMERJ a desativá-los para não passar vergonha. A diminuição da maioridade penal para os crimes elencados, segundo comentários da mídia especializada, baseados em estatísticas, não afetará o todo. Pois a maioria dos casos de menores infratores situa-se exatamente nos crimes de tráfico e nos roubos qualificados retirados da Emenda Constitucional. O restante (crimes mais graves) é pouca coisa e não entupirá nenhuma cadeia. Enfim, ninguém ganhará com a esta experiência, que não passa de fragmento de um problema tão maior que fica parecendo um "dedo de menino holandês" a tapar o buraco da barragem para escorar milhões de litros d'água. Mas se o dedo foi providencial e deu tempo de reparar o vazamento, esta lei não funcionará assim. Portanto, creio que mudar o ECA para alcançar todos os menores infratores acima de dez anos, separando-os dos menores abandonados (outra situação), e punindo-os com a pena máxima de oito ou doze anos, ou mais, dependendo do crime, aí sim, seria um bom primeiro passo. Agora, mudar o texto constitucional tendo como paradigma de responsabilidade penal os 16 anos, deixando de fora os menores de 16 como se fossem incapazes de cometer crimes conscientemente, isto não me agrada. De tudo que vi até agora, o que mais me impressiona é o fato de que estão lá os mesmos caras de pau de algumas décadas atrás, o que prova ser esta democracia uma merda.
Abraços.