UPPs – punições administrativas antecipando-se às decisões judiciais
“Excesso
de justiça, excesso de injustiça.”
(Cícero
– De Officis, I. 10.33)
O lamentável episódio das jovens supostamente estupradas na Favela do
Jacarezinho por PMs da UPP, que culminou com três deles presos, denunciados e
processados, e mais um que, embora inocentado por opinião do Ministério Público,
foi disciplinarmente excluído a toque de caixa, assim como também o foram os três
denunciados à justiça, irrefutavelmente demonstra como é ilógico o militarismo
na PMERJ. Porque há no fato em comento uma espécie de supremacia do processo
administrativo em detrimento do processo judicial, com o primeiro atropelando solenemente
o segundo ao modo de sempre: manu militari
Sim, o sistema militar não dá tempo ao sagrado princípio da presunção
de inocência se forjar em inteireza nem considera que a ampla defesa e o
contraditório são direitos constitucionais aos quais os PMs, enquanto cidadãos,
deveriam gozar na sua plenitude. Mas não gozam, os direitos são citados pro forma e em insolente descaramento no
texto das punições administrativas. Porque a PMERJ sabe que conta com o
beneplácito do Poder Judiciário, completando-se assim uma espécie de “vingança”
do sistema estatal contra PMs faltosos, ou não, tornando-se soberanas as
decisões administrativas
Todo o processo punitivo acirra-se ainda mais neste conturbado e
falseado ambiente social hodierno, eis que infestado de poderosos traficantes
capazes de manipular situações contra PMs que os admoestam por terem sido
jorrados nas UPPs geralmente em número inferior ao real poderio do tráfico. Ah,
sem essa de “conquista e pacificação”, ou de “polícia de proximidade”, indigestas
falácias que somente têm produzido resultados nefastos para a PMERJ, esta que,
todavia, não amarga qualquer tristeza ante o fácil cerceamento da liberdade de
oficiais e praças que ela mesma, PMERJ, protagoniza, demais de não prantear
como deveria seus mortos e feridos neste confronto desigual.
A desigualdade dos confrontos baseia-se na ausência absoluta duma
técnica denominada “seletividade do uso da força”. Para que o leitor a entenda,
foi fácil percebê-la no dia da retomada do Complexo do Alemão, em ação
operativa planejada e comandada pelas Forças Armadas, contando ainda com forte
aparato policial civil e militar. A cena nas telinhas de tevê (bandidos fugindo
como o fazem as gazelas frente aos leões nas savanas de África) não deixa
dúvida de que havia naquele instante a superioridade das forças estatais
Mas depois, com efetivo mirrado e muito barulho midiático, os efetivos
mínimos ocuparam as favelas do Complexo do Alemão, no que os eufóricos do
sistema político e da mídia entenderam como “conquista e pacificação”, ignorando
a inelutável hipótese do retorno dos bandidos, já que não foram alcançados e
apenas migraram para outros homizios. E a PMERJ deixou lá nas UPPs, jogados à
própria sorte, os apodados como “espartanos”, não somente no sentido do “guerreiro
idealista”, mas também devido à sua espantosa inferioridade numérica em relação
aos criminosos que tornaram ao Complexo do Alemão, afirmação válida para a
maioria das localidades ditas “pacificadas”
Sim, os tais “300 de Esparta” (jovens, cultos, idealistas e “não
contaminados pelos antigos”, segundo discurso do sistema estatal) foram à linha
de frente sem retaguarda veloz para socorrê-los nos momentos de risco, e o
resultado tem sido as muitas mortes deles ao troco de sustentarem esta
temerária “política de segurança pública” dos membros de um sistema político que
não mediu a força adversária como deveria, ou pior, mediu e não considerou a
possibilidade de derrota ao longo do funcionamento das UPPs nas poucas favelas
da capital com elas privilegiadas em contrapartida da discriminação de muitas
com iguais características.
Isto, porém, pouco lhes importa, quem morre não são eles, os feridos
não são eles, e os abruptamente descartados por falhas mal apuradas ou nada
apuradas podem ser substituídos tais como o são os materiais de construções que
se quebram antes do uso. Nada demais, podem quebrar, e são substituídos porque
têm a garantia do fabricante..
Já os jovens PMs (que não são coisas, mas gentes humanas no verdor da
mocidade) também são substituídos por novas levas de milhares deles que,
desesperados ante a imobilidade social, aceitam o repto de enfrentar o risco da
morte precoce por salário ínfimo. Fazem, sim, como os soldados que vão à guerra
morrer pela pátria, aflitiva situação reeditada na contemporaneidade de um RJ
que ainda pensa vivenciar a Colônia e o Império, o que me remete àqueles tempos
de outrora:
“Que as alegres canções dos trovadores eram sufocadas pelo barulhento
tilintar das armas, que as festivas passeatas com tochas eram substituídas por
marchas guerreiras para os campos de batalha, e que os exuberantes jovens, no
verdor da mocidade, eram chamados às armas pelo sino de guerra, para dar suas
vidas pela Igreja ou pela coroa, pela honra do senhor feudal ou pelo orgulho
dos burgueses. (René Fülöp-Muller in OS
SANTOS QUE ABALARAM O MUNDO).”
2 comentários:
Cel Larangeira
Além de tudo isso que o sr citou no texto, existe o problema social causado por essas exclusões, pois não é todo ex-policial que se adapta à vida aqui fora. Ex-PM é considerado por boa parte da sociedade pior que ex-presidiário, eu mesmo já senti isso na carne; se não tiver profissão terá que aprender uma rapidamente ou partir para sub empregos ou atividades ilícitas para sobreviver. Muitos partem mesmo para o crime num gesto desesperado e quem conviveu com essa pessoa, muitas vezes não acredita no que vê.
Certa vez, faz uns quinze anos, um amigo veio me perguntar o que eu achava do seu filho entrar para a PM e eu respondi que da mesma forma que eu não gostaria que o meu fizesse isso, aconselhei-o a demover o rapaz dessa idéia. O jovem não só ingressou na PM como tornou-se um combatente dos bons, não dava trégua aos traficantes da cidade, quando num certo dia, vindo de motocicleta por uma RJ, lhe passaram por cima com um carro, quase vindo a falecer. Este filho do amigo hoje está reformado com problema de locomoção e eu mesmo já fui visitá-lo em outra cidade; quanto ao atropelador, era um traficante que foi assassinado numa disputa com facções rivais.
Como se vê, não é uma atividade fácil, ao contrário do que muitos pensam, além das mazelas que o dia a dia apresenta a esses profissionais.
Emir disse;
Caro Paulo Xavier, isto não é profissão, é carma, é sina, é fado. Não gostaria de ter visto meu filho na PM. Ainda bem que não tiveram esta pretensão. Abraços
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