terça-feira, 5 de agosto de 2014

A desmilitarização das Polícias Militares II


Não há qualquer dúvida, bastando consultar a internet, para se concluir sobre a natureza militar das Polícias Militares pátrias, típicas “Forças de Segurança” ou “Forças Intermediárias” a exemplo do que se conhece na Espanha (Guarda Civil Espanhola), em Portugal (Guarda Nacional Republicana), ou as “Gendarmerias” em países como França, Chile, Argentina etc.

Faço a ressalva para demonstrar que as Polícias Militares são ainda Forças Auxiliares Reserva do Exército Brasileiro, organizadas à imagem e semelhança da força militar federal. Por conta desta subordinação concreta ao EB, e tendo em vista as missões de Defesa Territorial (geralmente acionada em caso de guerra externa – uma raridade), ou de Defesa Interna (situações de grave perturbação da ordem pública pondo em risco a ordem interna, seja por movimentos contrários à lei e à ordem, seja por calamidade pública) as Polícias Militares são típicas “Forças de Segurança”.

Nesta proposital escalada inversa da anormalidade para a normalidade chegamos à Defesa Pública (situação em que as corporações militares estaduais exercitam serviços policiais ou “Serviços de Segurança”). A Defesa Pública é, em última instância, o desdobramento pragmático da segurança pública, esta que é garantia da ordem pública em situação de normalidade.

Enfim, a Defesa Pública representa o cotidiano policial das Polícias Militares como “polícias administrativas”, ou seja, elas exercitam a prevenção e a repressão ao crime e à contravenção, sendo certo que ainda se escoram na figura jurídica denominada “Poder de Polícia” para coibir comportamentos individuais ou grupais inconvenientes, porém não prescritos em leis, mas que, eventualmente, possam trazer riscos à segurança da coletividade. Estas ações, que são muitas, esbarram nos direitos e garantias individuais e o excesso é punido como crime (abuso de poder).

Temos então uma contradição, pois como militares da força auxiliar reserva do Exército Brasileiro, podendo ser convocadas para ações operativas, as Polícias Militares se obrigam a manter treinamento com vistas a esta finalidade constitucional e legal. Ademais, são estruturadas de modo que a acoplagem ao EB seja possível em caso de convocação. Por outro lado, a missão policial como “Serviço de Segurança” impõe às Polícias Militares a necessidade dum intenso treinamento de natureza policial, quase exigindo que o militar estadual seja um super-homem.

Eis a contradição, pois acreditar que uma cultura não se choque com a outra (militar versus policial) é o mesmo que crer em Papai Noel. Isto porque não se há de negar que o militar, em especial o “soldado combatente”, guarda na sua essência o que denunciou Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir: são “corpos dóceis”, ou seja, são treinados em movimentos medidos e exaustivamente repetidos, de modo que obedeçam às ordens sem contestar, como autênticos robôs. Seriam eles, em comparação nem tão grosseira, “infantes guerreiros”, que iam à morte na guerra por cega fidelidade a reis e imperadores, ou nas cruzadas a morrerem pela Igreja.

Verdade é que o efetivo das Polícias Militares é formado por “infantes”, “combatentes”, “guerreiros”, eis que assim são treinados. Depois recebem uma pitada de instrução policial, mas é certo que a outra instrução visando a massificá-los, a torná-los “rebanho” ou “tropa”, a outra instrução é naturalmente preponderante na cultura do “soldado”. E é nesta condição, de “soldado”, craque em ordem unida, que eles se veem apartados e pulverizados em grupos pequenos para serem lançados às ruas e logradouros em guarnições de dois a cinco PMs. Daí entender o linguajar estereotipado do PM: “positivo”, “negativo”, “operante”, “correto” etc. Enfim, comportamento reduzido à ideia da obediência cega ao superior.

Por outro lado, este mesmo “soldado” deve discernir nas ruas como “policial” diante de multivariados conflitos humanos que não chegam a se constituir crime. Basta um exemplo: conflitos familiares em que são instados a mediar como verdadeiros “juízes”. E durante um mesmo turno de serviço o “soldado” (“policial”) é acionado para atuar repressivamente num assalto a banco, tendo que discernir sozinho o que fazer: se atira ou não atira no bandido no meio da multidão, se persegue ou não persegue os assaltantes com eles trocando tiros, e por aí vai o dia a dia do “soldado”, ou “policial”, dependendo do momento.

Mas não para por aí a diversidade de situações, pois este mesmo homem vai ao policiamento em Estádios de Futebol ou ao Sambódromo, a comando de oficial ou sargento, como integrante de “tropa”, e depois vai compor, mediante ordem imperativa de seus superiores, alguma guarnição para ações repressivas em favelas, situação gravíssima, geralmente de alto risco e com forte possibilidade de uma falha acabar com a sua carreira (exclusão disciplinar ou condenação judicial, ou ambos) ou com a sua vida.

Militar ou policial, eis a questão!... Num momento vai o “soldado”, ou “policial”, armado de pistola atuar somente com seu parceiro de igual cultura; em outro momento, que pode ser no mesmo serviço ou no seguinte, lá está ele armado de fuzil compondo uma guarnição de “guerreiros”, e aqui se indaga: está ele preparado física e psicologicamente para tanto? Será que seu treinamento é permanente ou esporádico ou é nenhum além do curso de formação, onde disparou alguns tirinhos, e que ficou para trás no tempo? Seu batalhão possui estande de tiro e há munição suficiente para treinamento intensivo? Há reciclagem visando ao labor policial no dia a dia de sua profissão? Ou ele sai do serviço e se manda para a segurança particular para complementar seus parcos ganhos? Ou vai ao extra (RAS) com a mesma farda suada do seu turno de serviço? Ah, será que ele, “soldado”, ou “policial”, tem tempo de descanso e de lazer com a família?...

Bem, eis aí o “militar PM” ou o “policial PM”, e o leitor tem o direito de refletir e opinar se o sistema nacional de segurança pública, modelo que retroage aos tempos coloniais e imperiais, com pouquíssimas alterações, deve permanecer como está ou deve mudar. Mas, se não deve permanecer como está, como equacionar a grave questão.

Será que basta desmilitarizar as Polícias Militares e tudo ficará bem?

Com a palavra o leitor...

3 comentários:

Cesar Muniz disse...

O grande problema é que as pessoas confundem subordinação ao EB com militarização.
A palavra militar em relação as polícias significa que elas tem uma estrutura estratificada com hierarquia claramente definida, o que não é o caso da polícia civil que não tem uma hierarquia definida.
Para maiores esclarecimentos é só pegar qualquer livro de administração e ver "estrutura militar" ou "organograma militar" que é a estrutura utilizada na imensa maioria das grandes empresas ( Ex. Petrobras, Eletrobras, etc ) e ninguém quer "desmilitarizar" estas empresas.

Anônimo disse...

Emir disse:

Anônimo disse...

Sugeri de pronto no meu artigo a consulta à internet para não gastar tempo com história de criação das PPMM. É só observar em Wikipedia e outros sites que explicam como se deu a militarização das PPMM. Mas que a militarização das PPMM se ajusta à subordinação ao EB, não há dúvida, tanto que a estruturação é idêntica (regimentos, batalhões, companhias, pelotões etc.). Suei muito estudando Ciências Administrativas e durmo com Idalberto Chiavenato na minha cabeceira. E posso garantir que atualmente os organogramas são desimportantes em função da velocidade da tecnologia e as turbulências do ambiente, demais das mutações não menos velozes dos objetivos de uma empresa, que por isso cuida de "desenho organizacional". Em determinadas circunstâncias da empresa, que pode ser as citadas pelo companheiro, a departamentalização de algum dos seus segmentos poderá ser do tipo "estrutura militar", que só não é mais antiga que a eclesiástica, mas ambas da Escola Clássica da Administração. Quanto à Polícia Civil, diferentemente do que alega o companheiro, há hierarquia, sim, só que não militar. E também há estrutura organizacional bastante evidente a partir da Chefia de Polícia e órgãos subordinados e hierarquizados em organograma bastante nítido e leis referentes. Eu sinceramente não sei quem confunde subordinação ao EB com militarização. Nada tem a ver com nada e tudo tem a ver com tudo. Existe a subordinação no âmbito militar ou civil. A diferença entre o militar e o civil está na funcionalidade de um e outro em tempo de paz ou de guerra. A funcionalidade do militar é mais rígida por razões óbvias; a disciplina é mais rígida a ponto de constar na Carta Magna a aberração de o militar não ter o direito de impetrar habeoas corpos contra medidas disciplinares, o que a justiça vem reparando em vista de direitos e garantias constitucionais de maior peso, como o direito de petição e, principalmente, o direito à liberdade do corpo, porque não há diferença entre prender um corpo humano disciplinarmente ou judicialmente, ambos lhe cerceiam a liberdade. Claro que o militarismo nas PPMM é do tipo "denorex", cópia mal urdida do militarismo autêntico das FFAA. Por isso lá há a disciplina consciente e nas PPMM funciona o ferrão e a injustiça impera. Encerro dizendo que não há como concordar com o argumento do companheiro. respeito, mas discordo e fico com a minha versão, porém aberto a críticas, pois são elas que contribuem para o encontro da verdade. Mas a verdade, quando encontrada, será relativa, jamais absoluta...

tom telles disse...

Concordo esta linha de raciocínio do blogueiro e acrescento se me permite que, administração pública moderna e funcional estão ligados a GESTÃO! Temos alguns bons gestores vestindo "Mug", mas tolhidos por forças inconfessáveis... Carvalhinho(prof.Jose dos Santos Carvalho Filho Dir. Adm)que o diga.