(Visão sistêmica, da lavra do Professor DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO)
(Análise intertextual, por Emir Larangeira)
Arrisco-me aqui, em
texto que não pode ser tão sucinto devido à complexidade, a adaptar
intertextualmente uma palestra do emérito Professor Universitário de Direito
Administrativo, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, autor de mais de duas dezenas
de livros e de muitos artigos versando sobre ordem pública, segurança pública e
seus desdobramentos doutrinários, que são vastos. Finalizo comentando sobre as Guardas
Municipais em vista dos Decretos-Leis
nº 667/69 e nº 88.777/83 (R-200). Alerto aos leitores que posso ter cometido deslizes
de conceito. Afinal, o assunto é ainda muito incerto e duvidoso até para
expertos. Em tendo ocorrido falhas conceituais, solicito aos leitores que me perdoem
e informem no campo de comentários para os devidos reparos, assim como serão
bem-vindas quaisquer contribuições. Dito, vamos então à análise proposta.
1. Partindo do conceito
genérico de sistema e depois fixando o raciocínio no sistema social, o Prof. Diogo
fez inovadora abordagem a respeito da ordem pública e da segurança pública,
argumentando inicialmente que todo sistema possui uma organização e uma ordem.
Eis alguns conceitos preliminares por ele firmados para escudar a evolução do
seu raciocínio:
1.1 – sistema (Hanika, F. de P.): “qualquer entidade, conceitual ou física, composta de partes
inter-relacionadas, interatuantes ou interdependentes”.
1.2 – ORGANIZAÇÃO: “caráter regular e estável das interações dentro de um
dado sistema”.
1.3 – ORDEM: “pré-requisito funcional da organização. Disposição interna que viabiliza uma organização”.
1.4 – PRÉ-REQUISITO FUNCIONAL: “condição indispensável para o
funcionamento de uma sociedade concebida como um sistema social”.
1.5 – CIÊNCIA SOCIAL: “é a ciência dos sistemas sociais” (Gorokin).
2. Com base nesses
fundamentos teóricos aqui resumidos, o Prof.
Diogo passa então a formular seu entendimento da ordem pública e da segurança
pública a partir de um POLISSISTEMA
SOCIAL por ele concebido para estudo da seguinte maneira:
2.1. O POLISSISTEMA SOCIAL deve ser
primeiramente desdobrado em dois grandes sistemas, a saber: ORGANIZAÇÃO e ORDEM SOCIAL.
2.2. Mantendo o
foco apenas nesses dois grandes sistemas, não sem explicar que são infindáveis
os grandes sistemas, tais como econômico, familiar, religioso, acadêmico,
sistema de convivência pública etc., o mestre fixa-se em dois específicos: SISTEMA POLÍTICO e SISTEMA JURÍDICO, esclarecendo que ambos, respectivamente, possuem
sua organização e sua ordem: ORGANIZAÇÃO
E ORDEM POLÍTICA e ORGANIZAÇÃO E
ORDEM JURÍDICA.
3. Em seguida o Prof. Diogo faz distinção entre SISTEMA
SOCIAL e SISTEMA NATURAL, assinalando
que o sistema social ocupa-se também da DESORDEM,
advindo daí a ORDEM NORMATIVA. Em
outras palavras, as ciências naturais cuidam do estudo dos sistemas reais (SER), enquanto as ciências sociais
ocupam-se do estudo dos sistemas reais (SER)
e dos sistemas ideais (DEVER SER).
4. As ciências sociais, no primeiro caso
(SER), são DESCRITIVAS (constatação e descrição); no segundo caso (DEVER
SER), elas são NORMATIVAS (imposição).
5. Restringindo o raciocínio àquela ORDEM SOCIAL do POLISSISTEMA SOCIAL retro-mencionado, o Prof. Diogo estabelece o entendimento de que existe uma ORDEM SOCIAL DESCRITIVA e uma ORDEM SOCIAL NORMATIVA (FORMAL).
6. A seguir, deduz que todo sistema
social (político, familiar, jurídico, religioso, da convivência social etc.) possui uma EXPRESSÃO DESCRITIVA e uma EXPRESSÃO
NORMATIVA. Torna então ao SISTEMA
POLÍTICO para aprofundar o raciocínio:
6.1. Deste modo, o SISTEMA POLÍTICO se desdobra em duas vertentes
sistêmicas: ORDEM POLÍTICA DESCRITIVA
(estudo das ciências políticas) e ORDEM
POLÍTICA NORMATIVA (referente ao direito político).
6.2. Ou seja, cada
nominação, descritiva ou normativa, representa um subsistema de um só sistema,
ficando clara a disposição e a função de cada subsistema.
7. E finalmente ele focaliza o SISTEMA
DE CONVIVÊNCIA PÚBLICA, objeto restrito do raciocínio sobre a ordem
pública, para posteriormente se chegar à segurança pública vista como GARANTIA da ordem pública.
7.1. Sobre o sistema de convivência
pública o mestre enquadra “todas as relações entre indivíduos e coletividades”.
E seguindo a linha de raciocínio temos de um lado o subsistema ORGANIZAÇÃO e
do outro o subsistema ORDEM, que no
caso é a ORDEM PÚBLICA.
8. Sim, eis que surge a ORDEM PÚBLICA, que,
segundo o Prof. Diogo, é “pré-requisito
de funcionamento do sistema de convivência pública”. E complementa assegurando
que este “pré-requisito de funcionamento se contém em todo polissistema social,
porque viver em sociedade importa em viver publicamente”.
8.1. Observe-se que
a noção sistêmica permeia todo o estudo, significando dizer que não existe ente
isolado no mundo, real ou ideal, tudo interage com tudo, tudo influencia tudo e
é por tudo influenciado. Enfim, um conceito é sistema e sua prática é sistema,
e ambos podem ser supersistemas ou subsistemas dependendo da ótica do
observador.
9. Partindo dos conceitos preliminares
até aqui descritos, o Prof. Diogo
esboça suas acepções da ordem pública
como componentes de estudo das ciências sociais naqueles dois aspectos: DESCRITIVO e NORMATIVO:
9.1. ACEPÇÃO DESCRITIVA OU MATERIAL: situação
de fato, modelo real, resultado de observação (SER). (“tranquilidade pública, segurança e salubridade” — Louis Roland).
E sublinha que a ordem pública pode restaurar-se naturalmente.
9.2. ACEPÇÃO NORMATIVA OU FORMAL: conjunto valores,
princípios e normas que se pretende devam ser observados (IDEAL). Sistema abstrato de referência — “sobredireito”
— leis de ordem pública (DEVER SER).
10. Desta maneira, da ACEPÇÃO MATERIAL DA ORDEM PÚBLICA, da
qual o Prof. Diogo extrai seu lapidar CONCEITO OPERATIVO:
“Ordem pública, objeto da segurança pública,
é a situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos
princípios éticos vigentes na sociedade”.
11. Diz ainda o Prof. Diogo que a ordem pública material é a projeção imperfeita da
ordem pública formal, sendo ambas interagentes, assim como assegura que “os
princípios éticos vigentes na sociedade” são de tal amplitude que abrangem “as
leis, a moral e os costumes”.
12. Com já demonstrado, o Prof. Diogo assinalou a DESORDEM como inevitável ingrediente
social, porquanto a ordem pública material não pode ser estereotipada em
formalismo rígido, mas apenas controlada na sua imperfeição através de
mecanismos garantidores da convivência pública, nos termos do conceito
operativo da ordem pública, esta que é “objeto da segurança pública”. Daí
emerge a segurança pública (sujeito) como garantia da ordem pública (objeto).
13. Ainda com o foco na Teoria de Sistemas,
o Prof. Diogo associa magistralmente a segurança pública com a homeostase, significando
o processo que garante a vida do sistema para que ele não se degenere, indo à
destruição (entropia).
13.1. No organismo
humano o processo homeostático se faz presente na doença (formação de
anticorpos) para garantir o equilíbrio (saúde). Quando isso não acontece, o
indivíduo entra em processo entrópico (destruidor) e morre.
13.2. Nos sistemas
sociais é possível a criação de dispositivos corretivos para o reequilíbrio
(homeostase), podendo compensar indefinidamente o processo de entropia
(regeneração).
13.3. A homeostase
de um sistema de convivência pública consiste na manutenção da ordem pública.
13.4. Dentro desta
ótica de sistema, a segurança pública pode ser considerada como o conjunto de
processos homeostáticos da ordem pública. Enfim, a segurança pública é a garantia
da ordem pública. Neste ponto o Prof. Diogo fixa seu conceito de SEGURANÇA PÚBLICA:
“É o conjunto de
processos políticos e jurídicos destinados a garantir a ordem pública na
convivência de homens em sociedade”.
14. Deve-se observar a distinção doutrinária
entre ORDEM PÚBLICA (situação), SEGURANÇA PÚBLICA (garantia)
e DEFESA PÚBLICA (ato).
14.1. É fácil
concluir que tanto a ORDEM PÚBLICA como
a SEGURANÇA PÚBLICA situam-se no plano
conceitual, enquanto a DEFESA PÚBLICA
representa o dia a dia do funcionamento das estruturas de segurança pública,
esta que é vista pelo Prof. Diogo no
seu sentido amplo, ou, conforme ele recomenda: sem preconceitos semânticos ou
ideológicos contra o vocábulo “segurança”, cujo significado universal no Direito
Administrativo é o de “garantia contra antivalores e riscos à convivência
pública”.
15. Depois destas explanações, o Prof. Diogo externa seu entendimento a
respeito da estrutura de um sistema de segurança pública, assim delineado:
15.1. SUBSISTEMA
POLICIAL — PODER EXECUTIVO
15.2.
SUBSISTEMA JUDICIAL — PODER JUDICIÁRIO
15.3. SUBSISTEMA
PENITENCIÁRIO — PODER EXECUTIVO E PODER JUDICIÁRIO
15.4. SUBSISTEMA
MINISTÉRIO PÚBLICO — FISCALIZA E DÁ COERÊNCIA
Obs.: como são sistemas
e subsistemas, deduz-se que há interação permanente entre eles, o que não
implica subordinação formal, sendo
certo que outros subsistemas podem ser integrados, inclusive um específico representado
por Guardas Municipais, estas que também poderiam ser subsistemas do subsistema
policial por ser afim (minha dedução).
16. Indo adiante, o Prof. Diogo enfoca a polícia
administrativa, no caso representada pela Polícia Militar, para distingui-la da
polícia judiciária, representada pela Polícia Civil. Desta maneira, partindo da
classificação funcional tradicional da polícia (polícia administrativa e
polícia judiciária), o Prof. Diogo assegura que a Polícia Administrativa preenche os requisitos do Ato Administrativo:
16.1 - COMPETÊNCIA: ação direta, discricionária e imediata da segurança
pública.
16.2 - FINALIDADE: manutenção da ordem pública.
16.3 - FORMA: mediante atos e procedimentos formais ou informais.
16.4 - MOTIVO: riscos à ordem pública.
16.5 - OBJETO: prevenção e repressão a ações e processos que perturbem a
ordem pública.
17. Desta maneira, o Prof. Diogo conclui conceituando a POLÍCIA ADMINISTRATIVA DE SEGURANÇA PÚBLICA, in
casu, a Polícia Militar ou semelhantes:
“É o ramo da polícia administrativa, inserido no
sistema da segurança pública, que tem por atribuição a prática de atos de prevenção
e de repressão destinados a evitar, reduzir ou eliminar, direta, imediata e
discricionariamente, as perturbações à ordem pública”.
18. Esta é a definição clássica da polícia
administrativa de segurança pública — ou polícia de manutenção da ordem pública
— representada na estrutura do Poder Executivo Estadual pela Polícia Militar.
18.1. Isto conduz o
raciocínio à “competência” da Polícia Militar para executar a “ação direta,
discricionária e imediata da segurança pública”. Mas esta “competência” aludida
pelo mestre é também, — mesmo que em âmbito restrito aos territórios dos
respectivos Municípios, — a das Guardas Municipais, senão a existência delas
não teria sentido.
18.2. E, como a
ordem pública material (ser) é inevitável e não pode se
enquadrar em formalismos prévios e condicionadores de comportamentos
individuais e coletivos, a Polícia Militar atua de maneira executória, discricionária e coercitiva na manutenção da ordem
pública, ou seja, age tendo como fundamento o Poder de Polícia. Mas, o que vem
a ser Poder de Polícia?
18.3. Uma coisa é
conceituar Poder de Polícia, outra é esmiuçá-lo, o que não faremos aqui, nosso
escopo é o de apenas explicar superficialmente esta faculdade jurídica inerente
ao Estado e inacessível ao particular, sendo temerário supor que se restrinja à
atuação da polícia de manutenção da ordem pública, no caso a Polícia Militar,
esta que apenas pratica Atos de Polícia fundados no Poder de Polícia, sem que,
no entanto, impeça outros segmentos da Administração Pública de fazê-lo sob o
mesmo manto estatal, como é o caso das Guardas Municipais. Eis então um
conceito consagrado de PODER DE POLÍCIA, da lavra de Hely Lopes Meirelles:
“Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a
Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens,
atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio
Estado.”
18.4. Sobre os atributos do Ato de Polícia
(fundados no Poder de Polícia), que são três (DISCRICIONARIEDADE, EXECUTORIEDADE e COERCIBILIDADE), trazemos à lide os ensinamentos do mesmo
administrativista Helly Lopes Meirelles:
18.4.1. Sobre a DISCRICIONARIEDADE, o não menos
emérito professor conceitua-a como “a livre escolha, pela Administração, da
oportunidade e conveniência de exercer o Poder de Polícia, bem como de aplicar
as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a
proteção de algum interesse público.”
18.4.2. Sobre a EXECUTORIEDADE
(ou AUTOEXECUTORIEDADE), o Professor Mário Fernando Carvalho Ribeiro (Vide Google: Do poder de polícia no direito brasileiro. Breves apontamentos),
reporta-se ao mestre Hely Lopes Meirelles, que a caracteriza como “atributo do
Poder de Polícia Administrativa". Depois acrescenta “que o STF já decidiu que no
exercício regular da autotutela administrativa pode
a Administração executar diretamente os atos emanados de seu Poder de Polícia
sem utilizar-se da via cominatória. A ação cominatória prevista Código de
Processo Civil é simples faculdade para o acertamento prévio dos atos
resistidos pelo particular, se assim o desejar a Administração.”
18.4.3. Por fim a COERCIBILIDADE. Novamente trazendo à
lide Mário Fernando Carvalho Ribeiro, ele registra que este atributo do Ato de Polícia,
na visão de Hely Lopes Meirelles, “é a imposição coativa das medidas adotadas
pela administração; constitui também atributo do Poder de Polícia. Todo ato de
polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), admitindo até o
emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo
administrado, ainda que não se legalize a violência desnecessária ou
desproporcional à resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de
poder e o abuso de autoridade.”
18.4.4. Se bem
atentarmos para os atributos do Ato de Polícia fundado no Poder de Polícia, e
apelarmos para a Psicologia
Social e seus conceitos sobre "atitudes" (não observáveis) e “comportamentos”
(observáveis), poderíamos aqui asseverar que a discricionariedade e a
executoriedade se situam no campo das “atitudes”, ou seja, o agente público
considera-os subjetivamente por estarem nele introjetados, mas não são visíveis
aos destinatários, sendo certo que somente a coercibilidade representa o “comportamento”
visível e endereçado ao administrado em grau de força (monopólio do Estado)
equivalente à intervenção desejada pelo agente público e necessária no sentido
de garantir a paz e a harmonia na convivência social.
19. O Poder de Polícia tem bases
conceituais antigas e é consagrado entre os estudiosos de diversos países como
uma necessidade que tem o Estado de suprir lacunas que decorram da
impossibilidade de se tipificar, na sua totalidade, as restrições individuais (crimes
e contravenções) em prol da convivência harmoniosa e pacífica de uma coletividade.
19.1. Sim, porque o
Poder de Polícia é vinculado muito mais à dinâmica multivariada da convivência
social, cujo controle não pode ser adstrito a normas precedentes.
19.2. São as
surpresas do cotidiano que implicam a necessidade de imediatamente contê-las,
com o fim de se evitar danos coletivos.
19.3. Quando um
policial, por exemplo, interrompe o tráfego numa via pública, mesmo com o
semáforo indicando livre circulação, ele está agindo com fundamento no Poder de
Polícia. É lógico que o policial não pode adotar tal comportamento que não vise
ao interesse coletivo.
19.4. Em outras
palavras, ao restringir direitos individuais, com base no Poder de Polícia, o
agente público tem em mente que não pode ultrapassar os limites impostos pela
constituição e pelas leis, sob pena de ele, agente público, ser enquadrado no crime
de abuso de autoridade, podendo,
portanto, ser punido pelo Poder Judiciário.
20. O estudo do Poder de Polícia é
primordial ao agente público em geral, e ao agente policial em particular.
20.1. É importante generalizar o conceito para que
não se pense que o Poder de Polícia se refere exclusivamente à ação policial.
20.2. Longe disso, trata-se de uma faculdade do Estado visto como um todo
e cujo poder é uno e indivisível, porém exercido através de seus segmentos organizados
nos três níveis da Administração – federal, estadual e municipal – e por seus
poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário, estes que funcionam
independentes e harmônicos em vista dos objetivos fixados pelo povo brasileiro
na sua Carta Magna.
21. Depreende-se do exposto que o Poder de Polícia não é exclusividade das Polícias Militares, mas tem abrangência muito
mais ampla no âmbito do Estado nos seus patamares políticos (União, Distrito
Federal, Estados Federados e Municípios).
22. Também releva esclarecer que quando ocorre alguma repressão de
polícia judiciária incidindo sobre pessoas em virtude de tipo penal (crime
tipificado), esta repressão não é de polícia administrativa e o poder de agir,
no caso, não se escuda no Poder de Polícia,
embora a polícia judiciária possa também agir em algumas situações menos usuais
com base no Poder de Polícia, em
especial quando cuida de permissões e proibições, hoje mais afetas às Polícias
Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares.
23. Importa, por conseguinte, jorrar luz no fato de que “polícia
administrativa” e “polícia judiciária” não são instituições, mas atividades (funções).
Significa dizer que as atividades (funções) legalmente endereçadas a esta ou
aquela organização estatal são as que determinam seus fins sociais, sendo certo
que enquanto as “polícias administrativas” se encarregam da preservação da
ordem pública bem mais por meio da faculdade estatal do Poder de Polícia, as “polícias judiciárias” agem diante de
flagrantes delitos decorrentes de investigação ou após o cometimento de crimes adrede
tipificados, também os investigando e singularizando criminosos por meio de
provas em inquéritos, para finalmente levá-los às barras dos tribunais.
24. Eis então a grande questão nacional: inexiste o ciclo completo de
polícia nos Estados Federados. As Polícias Militares atuam como “polícias
administrativas de segurança pública” (ou “polícias de manutenção da ordem
pública”) e as Polícias Civis, como “polícias judiciárias”. Daí é que as
Polícias Militares se obrigam, – em caso de intervenção como “polícia
administrativa” em flagrantes delitos de crimes tipificados (repressão de
“polícia administrativa”), – a conduzir suas ocorrências às sedes das “polícias
judiciárias” (Delegacias Policiais Civis), estas que, por sua vez, prepararão
os inquéritos e os flagrantes e os encaminharão ao Poder Judiciário, do qual
elas são auxiliares diretas e a ele se reportam no dia a dia, sendo ambas as
polícias (administrativa e judiciária) fiscalizadas pelo Ministério Público.
25. Embora tudo seja sistema, mesmo assim é natural que ocorram fricções
nessas interações entre instituições independentes e nem sempre harmônicas.
Porque não é muito fácil separar a polícia administrativa e a polícia
judiciária, que, juntas, compõem o que se denomina “ciclo completo de polícia”,
aspiração de ambas e foco central de não raros conflitos.
25.1. Eis uma síntese extraída do trabalho de Mário Fernando
Carvalho Ribeiro:
25.1.1. “O que
efetivamente aparta Polícia Administrativa de Polícia Judiciária é que a
primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais
enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem
jurídica.”
25.1.2. “A importância da distinção entre Polícia
Administrativa e Polícia Judiciária está em que a segunda rege-se na
conformidade da legislação processual penal e a primeira, pelas normas
administrativas.”
25.1.3. “O erudito
Hely Lopes Meirelles (1996, p. 124) distingue a Polícia Administrativa da
Polícia Judiciária e da Polícia de Manutenção da Ordem Pública. A primeira é a
que incide sobre bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam
sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A Polícia
Administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública,
enquanto as demais são privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou
corporações (Policias Militares).”
25.1.4. “A
professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 112) citando Álvaro Lazzarini
(RJTJ-SP, v. 98:20-25), afirma residir a diferença na ocorrência ou não de
ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente
administrativo (preventiva ou repressivamente), a Polícia é Administrativa.
Quando o ilícito penal é praticado, é a Polícia Judiciária que age.”
25.1.5. Percebe-se que Hely Lopes Meirelles distingue a polícia
administrativa da polícia de manutenção da ordem pública, talvez para explicar
a função das Polícias Militares em contraposição às Polícias Civis (objeto
deste específico estudo dele, publicado num livro de Direito Administrativo da
Ordem Pública editado pela Forense sob os auspícios da PMERJ). Muito interessante,
porque o que ele afirma, situando lado a lado três polícias, corrobora nossa
pretensão no sentido de que o Poder de Polícia permeia toda a Administração
para depois ser situado nas partes (Polícias Militares Guardas Municipais, Corpos
de Bombeiros Militares etc.).
25.1.6. Ocorre que o mestre, quando afirmou que a polícia de manutenção
da ordem pública é “privativa” das Polícias Militares, ele o fez em cotejo com
as Polícias Civis (era a ideia central do livro, que contou ainda com abalizados
pareceres de Álvaro Lazzarini, Sérgio de Andrea Ferreira, José Cretella Júnior,
Caio Tácito, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, dentre outros) e não com outras
instituições de manutenção da ordem pública, com destaque para as Guardas
Municipais, citadas inclusive nos dispositivos federais que regulam a atuação
das Polícias Militares (Decretos-Leis 667 e 88.777).
26. Toda esta explanação, ainda pouca e superficial, é para situar as Guardas
Municipais, inegáveis órgãos de segurança pública cujas missões atualmente se
definiram como mais amplas, sendo certo, porém, que mesmo antes elas já
autuavam com fundamento no Poder de Polícia,
ou seja, como “polícia administrativa de manutenção da ordem pública" ou como
"polícia administrativa de segurança pública”, claro que exercitando suas funções
nas circunscrições municipais, portanto territorialmente mais restritas que as das
Polícias Militares (circunscrições estaduais).
27. Portanto, o fato de as Guardas Municipais terem ampliado suas funções
em nada muda o contexto da segurança, que é antes de tudo função-síntese do Estado
Brasileiro, este que se faz representar na manutenção da ordem pública por meio
de muitos subsistemas: federais (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal,
Sistema Carcerário Federal etc.), estaduais (Polícias Militares, Polícias
Civis, Sistema Carcerário Estadual, DETRAN etc.) e municipais (Guardas
Municipais, Secretaria Municipal de Segurança Pública ou de Ordem Pública,
Postura etc.).
28. Enfim, uma gama de organismos que cumprem funções de segurança
pública como garantia de uma ordem pública tão ampla que ainda abrange as Forças
Armadas, estas que cuidam da lei e da ordem em situações de desordem que os
Estados Federados não conseguem controlar com seus meios. De tão ampla, aliás,
a ORDEM está ao lado do PROGRESSO no Pavilhão Nacional. Daí ser garantia desta ordem
genérica aquela segurança que é função-síntese do Estado Brasileiro, assim
repiso para concluir que nenhum órgão público aqui referido tem luz própria nem
esgota em si nenhum monopólio do Poder de Polícia, foco central desta explanação. Pois o monopólio do uso da força pertence
ao Estado. Seus agentes públicos apenas são encarregados de usar esta força na
medida certa e acolhida por lei, sob pena de, ultrapassando-a, incidir em crime
tipificado como abuso de poder, dentre outros.
29. Ainda sobre as Guardas Municipais, eis o que consta no Art. 45 do
Decreto-Lei nº 88.777 (R-200) – Regulamento para as Polícias Militares e Corpos
de Bombeiros Militares:
“Art . 45 - A competência das Polícias Militares estabelecida no artigo
3º, alíneas a, b e
c
do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, na redação modificada pelo
Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e na forma deste Regulamento, é
intransferível, não podendo ser delegada ou objeto de acordo ou convênio.
§ 1º - No interesse da Segurança Interna e a manutenção da ordem
pública, as Polícias Militares zelarão e providenciarão no sentido de que guardas ou vigilantes municipais, guardas ou
serviços de segurança particulares e outras organizações similares, exceto
aqueles definidos na Lei nº 7.102, de 20
de junho de 1983 (transporte de valores), e em sua regulamentação, executem seus serviços atendidas as prescrições
deste artigo.
§ 2º - Se assim convier à Administração das Unidades Federativas e dos
respectivos Municípios, as Polícias Militares poderão
colaborar no preparo dos integrantes das organizações de que trata o
parágrafo anterior e coordenar as atividades do
policiamento ostensivo com as atividades daquelas organizações.”
30. Como se vê, já era imperativa às Polícias Militares a convivência
harmoniosa com as coirmãs Guardas Municipais, cabendo às primeiras apenas
reconhecer como atividade essencial de manutenção da ordem pública o labor das Guardas Municipais e semelhantes (Guarda Noturna, Vigilantes
Municipais etc.). Portanto é dever das Polícias Militares prestigiar ainda mais
as Guardas Municipais em vista do seu Estatuto Nacional recentemente aprovado em lei federal
(Lei 13.022/2014), não se
justificando qualquer discussão a negar, ainda mais judicialmente, a
competência dessas estruturas de segurança pública municipais. O que as Polícias
Militares devem é colaborar com as Guardas Municipais, pois estas igualmente
existem para servir ao povo.
Por enquanto, é o que basta!
2 comentários:
uma rica explanação na qual as sombras de ser ou não inconstitucional a atuação de polícia das guardas municipais logo se esvaem ;
sou agente de segurança socioeducativo, agente público responsável pelo encarceramento de menores infratores, minha categoria profissional, ainda numa situação mais retrógrada se comparada ao significativo avanço conquistado pelos guardas municipais, é alvo de linchamento social constante por parte das ONG's de direitos humanos e de quem mais deveriam atuar em prol das vítimas ou mesmo os familiares dos vitimados pelos delinquentes infratores juvenis : a Defensoria pública e o Ministério público.
E muito é útil a tergiversação aqui sobre o poder de polícia pois em diversas unidades federadas é situação comum o encarceramento de menores infratores sob cuidados de ONG's ou então Fundações geridas pelo ente privado ao passo que o poder de polícia é atributo típico de Estado inacessível ao particular.
recentemente descobri a existência desse veículo informativo e confesso toda manhã sempre o acesso em busca de saciar a satisfação do raciocínio por luz, sempre mais luz.
Emir disse;
Prezado companheiro, na verdade a sua função de agente público é abraçada pelo Poder de Polícia, fundamento exclusivo do Estado e intransferível ao particular. Entretanto, na prática vislumbramos o particular cerceando até o direito de ir e vir de cidadãos em situações várias, algumas compreensíveis, como nas obras em vias públicas nas quais os empregados das empreiteiras controlam o tráfego para dar prosseguimento aos trabalhos de restauração das pistas de rolamento. Para evitar isto, o Estado (União, Estados-membros e Municípios) teria de dispor de agentes públicos para cumprir tal tarefa, já que ao particular não é dado o direito de cercear liberdades a pretexto de nada. Mas isto seria admitir um realismo maior que o rei. Por outro lado, a aceitação passiva de situações em que o particular se enfia em tarefas exclusivamente estatais culmina por criar situações aberrantes. Sei de muitas. Portanto, o ideal é primeiramente conhecer a doutrina de ação para questionar tal procedimento comum, porém ilegal. Daí o esforço que fiz, cujo objetivo é exatamente este: despertar os agentes públicos em geral para a ideia de que o Poder de Polícia não é exclusivo da polícia, como muitos pensam.
Obrigado pela útil intervenção.
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