Quando critico os defeitos das
PPMM, em especial os da PMERJ, faço-o por entender que muita coisa precisa
mudar para melhor. E não se pode mudar coisa alguma se não se localizar seus
defeitos e também suas virtudes. No caso das virtudes, devemos investir nelas.
No caso dos defeitos, devemos eliminá-los. Ocorre que não é fácil nem uma coisa
nem outra. Eliminar defeitos sempre machuca, e as pessoas se aborrecem. No caso
das virtudes é mais fácil: elas existem porque boas pessoas acertaram e ninguém
se aborrece. Fechando então o zum na PMERJ, tudo seria complicado ou quiçá impossível
de ser sequer abordado se os defeitos fossem consequentes das pessoas de
dentro. Mas não, a maioria dos defeitos se situa do lado de fora, vem de fora
para dentro, e não sei se a atual conjuntura permitiria bloqueá-los para
avançar com as virtudes do lado de dentro até elas se refletirem em bons
resultados do lado de fora. Vamos primeiramente aos defeitos...
Comecemos pela Carta Magna, que
representa grave obstáculo à modernização das PPMM pátrias. Diz o Art. 22 ,
caput, e seu Inciso XXII da CRFB: “Art.
22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXI - normas gerais de
organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das
polícias militares e corpos de bombeiros militares;” Bem, é fácil perceber que aos
Estados Federados só lhes cabe pagar a conta de uma estrutura inteiramente
agrilhoada à vontade da União. Durante muito tempo eu ironizava dizendo que
onde se lê União entenda-se Exército Brasileiro. Hoje não sei se isto
equivaleria a alguma realidade, creio até que não. Mas isto não é bom, pois
significa que as PPMM estão à deriva, sem qualquer noção quanto ao seu futuro.
Daí é que proliferam PECs no Congresso Nacional, cada uma mais absurda que a
outra, meras tentativas político-ideológicas, inclusive temerárias, como a pura
e simples extinção das PPMM desconsiderando-se o fato de que elas são
independentes entre si e cada qual se reporta ao seu Estado Federado e à sua história
feita de luta e sangue. Porém somam todas, no território pátrio, talvez mais de
500.000 (quinhentas mil) almas humanas carregadas por corpos fardados, ademais
de muitos corpos inativos que ainda não morreram e se poderão somar àquele meio
milhão de PMs. Não exponho esses dados com exatidão; na verdade, eles são fruto
de observações que faço, mas são aproximados da realidade atual.
A Inspetoria Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros
Militares (IGPM) ainda existe na estrutura do Estado-Maior do EB, mas hoje até
parece cartório de registro de almas mortas nos moldes apontados por Gógol em
seu romance Almas Mortas. Aquela
sadia dinâmica de interação das PPMM com o EB, através da IGPM, não mais acontece.
O EB cuida das PPMM como se não mais existissem como forças auxiliares reserva.
Mas eis como está na CRFB: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos: (...); V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (...) §
5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias
militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do
Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - A lei disciplinará a
organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública,
de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
Grafei o parágrafo 7º para lembrar que ainda estão vigentes os mesmos
dispositivos legais que norteiam as PPMM, tais como o Decreto-Lei nº 667, de 02
de julho de 1969, que “reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de
Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá
outras providências”, e o Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983 (R-200),
que “aprova o regulamento para as Polícias Militares e corpos de bombeiros
militares”. Demais dessas legislações, e suas poucas alterações que nada
acrescentam ou retiram, há leis e decretos federais de convocação, de
mobilização etc. Há ainda a referência dessas forças auxiliares no Estatuto do
Desarmamento, este que, todavia, não aborda a questão estrutural. Enfim,
praticamente nada mudou em termos conjunturais e estruturais nas PPMM. Ora, há
um aforismo que alguns designam como “máxima arquitetural”, de Louis Sullivan,
que, em apertada síntese e respeitando a originalidade atribuída ao autor,
resume o seguinte: “O formato deve seguir a função.” Ou seja, a estrutura deve
seguir os objetivos. Como estão as PPMM em relação a esta máxima arquitetural
tão consagrada na Administração, em especial no âmbito do Planejamento
Organizacional?... Respondo: estagnadas em vista do rígido regramento
constitucional sublinhado.
A verdade é que cada PM pátria é adulta, tem história e sabe como gerir
seu destino, não depende de paternalismo do EB, que, embora assim escrito na
CRFB, se tornou defasado e prejudicial ao desenvolvimento das PPMM em vista de
suas responsabilidades ante as demandas de seus multifacetados ambientes
sociais. Pois é certo que os dirigentes de cada corporação têm preparo e
maturidade suficientes para cuidar das transformações estruturais em vista das
atuais incertezas e turbulências do ambiente, que são inegáveis e demandam
solução no seu conteúdo e não apenas no continente. Eis a maior de todas as
virtudes: a qualidade das pessoas!... Portanto, manter engessadas as
corporações militares estaduais num contexto de mera desconfiança, aí sim é
apostar no caos da segurança pública. Afinal, a manutenção do staus quo das PPMM, ou seja, atreladas
ao EB como “apêndices supuradas” não dá mais.
Creio que as PPMM, hoje, representam um incômodo também para o EB. Mas
não se deve pensar em teses demagógicas como algumas que estão contidas em PECs
tramitando no Congresso Nacional à revelia das PPMM e do EB. Ora, cada Estado
Federado deve cuidar da segurança pública como acontece em muitos países
civilizados, em especial nos EUA, onde não importa quantas polícias existam, as
leis federais, estaduais e de condados é que predominam como paradigmas. Também
é imperioso que as PPMM discutam entre si um novo e independente modelo de
militarismo policial, se é que isto é possível. Se não for, que desmilitarizem
as PPMM se crie outro modelo de hierarquia e disciplina, como, por exemplo, o
que existe na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária Federal, ambas civis. No
fim de contas, a hierarquia e a disciplina não são privilégio ou exclusividade
de nenhum militarismo, elas são indispensáveis ao funcionamento da sociedade e de
seus multivariados segmentos. Por conseguinte, a desmilitarização das PPMM não deve
ser vista como mito. Por outro lado, as PPMM não devem ser atropeladas como um
distraído gambá, que, ao se surpreender, põe tudo a feder. É possível
desmilitarizar as PPMM, sim. O problema é só de critério e respeito à
instituição nacional que elas representam, e, principalmente, deve haver respeito à sociedade brasileira, esta sim, que
necessita de melhor segurança pública, pois a atual está abaixo da crítica.
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