segunda-feira, 30 de julho de 2012

Novamente sobre as UPPs


Sabemos que num momento de morte de um comandado, independentemente da dor familiar existe outra, que é a do comandante, este que se abate como qualquer ser humano. Refiro-me, claro, ao comando que compartilha problemas e soluções com seus subordinados crendo neles e respeitando-os como basicamente bons, e jamais os desdenhando como fundamentalmente maus. E sendo assim, de espírito aberto, o comandante sofre sinceramente ao perder um comandado. Creio sinceramente que está sendo assim...
Esta camaradagem, porém, tem de ser mui bem cultuada em se tratando de UPPs, porque elas formam subsistemas por vezes distanciados e isolados. Quando atuam numa mesma comunidade, a interação, a interdependência e o inter-relacionamento dos subsistemas UPPs produzem mais sinergia. Enfim, considerando o fator distância e as características diferenciadas dos ambientes de tarefa das UPPs (não existe um ambiente igual a outro), manter a coesão entre os operadores demanda esforço de onipresença do comandante e de seu estado-maior, de tal modo que o todo das UPPs seja sempre maior que a soma das partes.
Não é fácil gerir uma UPP isolada, o que implica considerar uma hercúlea dificuldade a ser vencida por quem detém a responsabilidade de coordenar todas elas para eliminar ou minimizar o isolamento. Assim me ponho por saber que, gostemos ou não, as UPPs existem, e muitos abnegados militares estaduais nelas atuam por imperativo profissional, inobstante o proselitismo midiático com fins políticos e mercadológicos. Mas, partindo do pressuposto de que as UPPs são reais, não podemos imaginá-las somente sob a ótica dos meios materiais e da tecnologia postos à disposição dos homens e mulheres militares estaduais nelas lotados. Há bem mais...
Não se trata apenas de garantir um máximo conforto a essas gentes fardadas. Trata-se de comandar espíritos livres, capazes de se aproximar dos favelados ordeiros gozando da confiança permanente deles. Isto, porém, é discutível, senão impossível, se atentarmos para as pesquisas sérias de que dispomos no mundo acadêmico. Há, por conseguinte, muitas dúvidas quanto à utilidade das UPPs porque circunscritas a algumas poucas favelas. Realmente, é sistema operacional contraditório e deve ser submetido a críticas. Por exemplo, o modelo é concentrador de gentes numa PMERJ que existe para fracionar ao máximo seu efetivo e deste modo aumentar a frequência do patrulhamento nas ruas. Também é verdade que a sensação de segurança depende da presença ostensiva de uma polícia eminentemente preventiva e excepcionalmente repressiva. As UPPs atendem a este segundo princípio, mas, como sabemos, em locais restritos, o que as torna um privilégio comunitário.
Espalhar o efetivo no ambiente social é o modelo precípuo da PMERJ como polícia administrativa de segurança pública. Não é, porém, um modelo ideal: falta-lhe uma perna, que é o exercício pleno da atividade de polícia judiciária. Vale a assertiva para a PCERJ, que carece de ganhar nova perna (exercício pleno da atividade de polícia administrativa) para também não claudicar. Enfim, ambas as polícias deveriam ser uma só ou deveriam ser completas e independentes, separadas talvez por região ou atuando no mesmo terreno priorizando a que primeiro atender a alguma ocorrência. Não sei como ficaria melhor, mas o ciclo completo de polícia é imprescindível à ótima atividade policial. Mas não é assim no geral nem no particular das UPPs.
Fechando o zum nas UPPs, de pronto falta-lhes competência para iniciar e terminar uma ocorrência policial; e, quando há alguma anormalidade, ela por si só gera dificuldades porque seu desenrolar é demorado, já que não há ao lado das UPPs um núcleo da PCERJ em condições de fazer imediatamente a sua parte de polícia judiciária. Este é um grave óbice a ser suprido antes mesmo de se pensar em invasão social. Porque a excelência do labor policial só se dá numa polícia capaz de exercitar o ciclo completo. Cá entre nós, pelo menos um protótipo de polícia completa poderia ser montado juntando a PMERJ e a PCERJ num só espaço físico, sem qualquer necessidade de uma abalroar a outra nos seus misteres.
Até agora, porém, a PMERJ avança instalando UPPs, com sua inteligência policial mui distante e um grave sintoma de fragilidade. Também a PCERJ não está lá investigando o ambiente e singularizando criminosos ininterruptamente. Mas o oba-oba midiático vem instituindo a falsa impressão de totalidade ao modelo operacional das UPPs, que é para além de incompleto na medida em que os militares estaduais não podem nem lavrar Termos Circunstanciados. Deste modo, por serem insuficientes na prática de suas atividades operacionais, as UPPs correm o risco de ingressar num processo entrópico irreversível. Porque a repressão de polícia administrativa (PMERJ) não deve tardar em desembocar na polícia judiciária (PCERJ). Em havendo demora por falta de núcleos de apoio da PCERJ especificamente destinados a receber os insumos das UPPs, estas permanecerão estáticas por razoável tempo, maior ainda se a distrital da PCERJ for distante da UPP.
Exemplo inegável de fragilidade vimos agora com a morte da jovem Fabiana, e aí sim, o aparato policial civil pôs-se imediatamente na favela. Mas isto somente vem acontecendo em situações extremas e incomuns. A questão, na verdade, se resume ao dia a dia e ao volume de ocorrências atendidas pelas UPPs, estas que são obrigatoriamente levadas às sedes distritais da PCERJ, consumindo-se tempo, policiais e viaturas que saem do ambiente de ação, ficando ele ainda mais enfraquecido. Afinal, se a lógica da ocupação se prende a uma proporcionalidade entre população, condições do terreno e possibilidade de confronto com criminosos para determinar os meios materiais e humanos necessários à superação permanente da força adversa, – o que designamos como seletividade do uso da força, que deve até ser calculada matematicamente (Pesquisa Operacional) – se a lógica é esta proporcionalidade, cada vez que algum efetivo se ausenta para conduzir ocorrências simples aos distantes balcões da PCERJ há uma entropia em curso.
Claro que o efeito da entropia pode passar muitas vezes despercebido, mas haverá momento em que o enfraquecimento dos meios será de tal monta que estimulará o retorno do bandido em demonstração maior de força. Pode ter sido assim no caso da jovem Fabiana, pra começo de conversa, pois é inconcebível pensar que ela estava sozinha no bar, mesmo que próximo do container, e que somente dois companheiros a socorreram, dando a impressão de que ali estava todo o efetivo daquela UPP. Será?... E o container esburacado? E o colete dela perfurado como manteiga? E a conduta de combate da novata?... Enfim, quantos serão os porquês de a jovem ter morrido além da simplória explicação do “fato isolado”?... Ah, pelo menos sabemos: não há mais como propalar o sucesso das UPPs em ufanismo exagerado depois da morte da jovem Fabiana. É hora de passar tudo a limpo para que não ocorram outros “fatos isolados” a nos entristecer a nós todos...

Um comentário:

Luiz Monnerat disse...

Dileto amigo,

Este teu post, na minha avaliação, talvez seja dos melhores, para não falar o melhor, que li sobre o 'problema' UPP. Aproveitaria este transcurso olímpico londrino para dizer que a flecha atingiu o centro do alvo: dez pontos. Nota 10.
Fico imaginando que , houvesse dentro das instituições envolvidas alguém com interesse em estudar a fundo as suas questões pertinentes, bom seria que o texto fosse separado para um ESTUDO DE CASO a ser utilizado como estratégia de pesquisa sobre as tais UPPs, pois "a essência de um estudo de caso é tentar esclarecer uma decisão ou um conjunto de decisões: o motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e com quais resultados (Schram, W. 1971)".
Ora, a minha convicção se alicerça na oportunidade que o post está abrindo, para os verdadeiramente interessados (entre eles o primeiro deveria ser o governo), pois o passo mais importante, que é definir as questões de pesquisa, encontra-se, gratuitamente e dado de bandeja, em termos precisos e contundentes do post.
Penso, até, que diante do texto fica provada a inconsistência do programa, ou projeto, ou ideia, ou o que for,da instituição da UPP. De fato, salta aos olhos que o isolamento a que fica submetida a fração, contando apenas com a boa vontade dos moradores de bem em não fazer mal a ela, compromete a lógica do seu emprego e da sua existência nessas circunstâncias. Basta examinar o caso dorido da execução da nossa irmã PM FABIANA APARECIDA DE SOUZA. (Não podemos nunca esquecê-la e nunca cansar de sempre citá-la com nome completo!)
Por outro lado, com o estudo e providências que fossem apontadas, certamente esse governo poderia corrigir os rumos erráticos até agora observados, fazendo as UPPs se acompanharem da entourage estatal que lhes falta, como a polícia judiciária, as unidades de saúde, de serviço social, de educação e outras.
Considero, também, que o post está a merecer muitos comentários tal a riqueza de pontos importantes que ele alinhava tão bem. Termino com um sincero PARABÉNS!
Um abraço fraterno,
Monnerat