quinta-feira, 19 de abril de 2012

A árvore e o bosque



“Uma única árvore não faz uma floresta.” (provérbio chinês)




As duas matérias sugerem que a “árvore” não oculta o “bosque”. De um lado, Niterói com seus quase 500.000 habitantes (Censo IBGE de 2010 – Fonte Wikipédia) distribuídos em quase 130.000 Km2; do outro, o Complexo do Alemão, com seus quase 70.000 habitantes (Censo IBGE de 2010 – Fonte Wikipédia) distribuídos em 300 hectares, ou seja, quase 3 Km2. E aqui entra a questão da distribuição do efetivo. Vemos duas UPPs inauguradas no Complexo do Alemão com um efetivo concentrado de 660 PMs. Há previsão da instalação de mais seis (serão oito, conforme anunciado). Mas as duas bastam para comparar com Niterói, que conta com um efetivo de 700 PMs a ser reforçado pelo acréscimo de 366 PMs (1066 PMs), segundo nos informa a matéria. Há de se considerar, na hipótese de Niterói, que dispõe de batalhão, uma retaguarda de pelo menos 15% do efetivo a ser descontada do serviço de rua, diminuindo-se ainda o contingente destinado a Maricá (área: 362,477 km²; população: 127.519 habitantes – Censo IBGE 2010). Se de 1066 PMs diminuirmos os 15%, teremos um efetivo livre e desimpedido de mais ou menos 900 PMs. Mas, como visto, nem tanto livre e desimpedido: deve haver no mínimo uns 100 PMs em Maricá, para azar de quem mora lá, e é meu caso... Sobram então, talvez, 800 PMs para suprir Niterói, larga vantagem para as UPPs do Complexo do Alemão, que, além do gordo efetivo (ou Niterói e Maricá estão magérrimas?), o modelo independe de retaguarda nos moldes do batalhão, supondo-se, porém, que as UPPs estejam apoiadas pelo batalhão da área (16º BPM), pois não há como ignorar a necessidade de logística para garantir a eficiência e a eficácia da linha de frente. Eis um “buraco negro” resumido na indagação: “Quem desempenha o papel de retaguarda logística das UPPs do Complexo do Alemão e nas demais já instaladas?” A lógica nos remete para os BPMs da região onde elas estão funcionando, salvo outras medidas de apoio administrativo significando apenas a troca de meia dúzia por seis, sete, oito, sei lá...
Tornemos, porém, a Niterói e seu efetivo mais ou menos enxugado de 800 PMs. E, sem mais comparar a “árvore” com o “bosque”, para não me desanimar ainda mais, vamos agora considerar a velha e detestada escala de 24x48hs para facilitar o raciocínio. Tomemos uma guarnição de RP (dois PMs) como parâmetro, valendo o mesmo para a PATAMO ou outras guarnições compostas por cinco PMs. Como ninguém é de ferro, existe o “picadinho” (descanso de 8hs) em meio às 24hs, o que significa dizer que para cada RP ou PATAMO há de haver o dobro do efetivo para as viaturas permanecerem nas ruas durante as 24hs. Temos então a conta de quatro PMs por RP e dez PMs por PATAMO. Se se considerar somente RP, teríamos nas ruas 800:4 = 200 PMs, o que propiciaria 50 RPs num terreno de 130.000 Km2. Se o cálculo fosse por PATAMO, teríamos 80 PMs ou oito PATAMOS circulando pela cidade. Mas isto é muito otimismo, a realidade não deve ser esta, a distribuição do contingente pronto é bem mais complexa: há o policiamento a pé e tantos outros atendimentos em expediente ou fora dele (policiamento bancário, preservação de local de crime ou de acidente, escoltas, convocações para depoimento em juízo, estacionamento em delegacias policiais etc.); aí conta embola, e somente tendo acesso à realidade do BPM é que poderíamos concluir com maior precisão, e mesmo assim um dia será diferente do outro. Portanto, procede a dificuldade de os repórteres visualizarem PMs nas ruas de Niterói ou em outras ruas fluminenses...
Voltemos ao Complexo do Alemão. Nas UPPs, as quais defendo, e seguindo a lógica da mesma escala, e com todo o efetivo empregado nas favelas, geralmente circulando a pé, poderíamos subdividi-lo levando em conta sempre o “picadinho” de 8hs. Se fosse dupla, teríamos 660:4 = 165 duplas ininterruptas, diariamente, a pé ou em viaturas. Mas, como a área não está completamente controlada, presume-se temerária essa distribuição, sendo mais prudente considerar uma guarnição maior circulando naquele espaço restrito de população concentrada. Para facilitar, suponhamos que seja como da PATAMO, de cinco PMs, que se duplicariam em função do “picadinho”. Teríamos então 660:10 = 66 guarnições diárias distribuídas no terreno de 3000 Km2. Claro que nessas situações de concentração de efetivo as guarnições tendem a ser mais vistas pela imprensa e pela população favelada, o que é bom.
Agora devemos acrescentar mais óbices, alguns por demais contraditórios. Tornemos então às inevitáveis ocorrências que retiram as guarnições das ruas, eis que, como sublinhei, ficam obrigatoriamente estacionadas em Delegacias Policiais pelo tempo que lhes for exigido. Isto é incontornável, e o óbice é ainda ampliado pela impossibilidade de as guarnições lavrarem Termos Circunstanciados em ocorrências de menor poder ofensivo, obrigando-se, portanto, a conduzir “abobrinhas” paras os balcões da PCERJ. E a este poderoso óbice acrescentam-se ainda os administrativos: férias, licenças médicas, licenças-prêmio, restrições médicas ao exercício de serviço nas ruas, prisões disciplinares e outros afastamentos eventuais que independem da vontade de superiores e subordinados. Enfim, a “árvore” vista por todos nunca será o “bosque” idealizado. Daí ser impossível se repetir no dia a dia a imagem da tropa formada generalizando brilhantemente a aparência do “bosque”, não mais que um flash efêmero, para arquivo, que só se repete em solenidades.
Tal situação, tão complexa que até me confundo com os números, e peço desculpas, não me permite concluir onde nem com quem está a razão. Não culpo governos e autoridades, isto é reducionismo barato, o problema é antigo. No caso de Niterói, reclamo do esvaziamento crônico que se reporta à Fusão (1975), esta que, decerto, não foi planejada considerando consequências futuras na segurança pública. Lembra-me aqui o Cel PMEG Maldonado, primeiro Chefe do EM da nova PMERJ. Dizia ele, em outras palavras: “A Fusão mais fácil era a da PMEG com a PMRJ, pois bastava pôr ambas em forma obedecendo à hierarquia militar e fim de conversa.” E não se tratava de ironia dele, ele cria nisso por conta da cultura do militarismo, embora, e curiosamente, ele fosse mais moderno que alguns coronéis da extinta PMRJ, que, por sinal, eram mais jovens em idade que seus equivalentes coronéis da extinta PMEG. Eis a primeira contradição de natureza conjuntural atropelando o discurso estruturalista do então todo-poderoso Chefe do EM, apenas mais idoso...
Tudo bem, não é caso de discutirmos se antiguidade é posto nem estrutura versus conjuntura, embora ambas se situem no cerne do problemático continuum enfrentado pela atual conjuntura política, que se vê pressionada por um crescente aumento da criminalidade cujas causas estão amplamente expostas neste blog com o foco no mestre da criminologia Manuel López-Rey. Destaco então a afirmação do governante Sérgio Cabral na inauguração das primeiras UPPs do Complexo do Alemão, conforme está na matéria em comento:





Cabral afirmou ainda que o governo já tem um planejamento traçado para combater a violência em Niterói, com a criação das companhias independentes da PM no município – nos morros do Cavalão, em Icaraí, e do Estado, no Centro. De acordo com o governador, a cidade, que tem enfrentado uma onda de violência, só ganhará uma UPP caso o reforço no policiamento adotado não surta efeito.





Claro que estamos diante de insólita resposta conjuntural ante uma realidade que está além do poder político do governante: ele não pode mudar a estrutura da PMERJ em vista da Carta Magna. Deve então flexionar a arcaica estrutura respeitando as restrições da Lei Maior, e é o que a PMERJ se desdobra em esforços para fazê-lo. Não cabe, portanto, culpar A ou B, nem exigir além do que o Estado-membro atrelado a um Governo Central detentor de poder e de dinheiro pode oferecer. Tal comportamento de cobrança focado exclusivamente na PMERJ (a “árvore”) nos faz esquecer o “dever” dos demais organismos estatais e da “responsabilidade” de todos com a segurança pública (o “bosque”): Art. 144 da CRFB:





Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.





Obs.: serã bem-vindas as correções quanto às escalas de serviço e a real distribuição do contingente de PMs nas ruas, dentre outras concernentes a esta discussão.




4 comentários:

Paulo Xavier disse...

Percebe-se que a grita em torno da violência que assola Niterói está surtindo efeito, fazendo a cúpula da Secretaria de Segurança tomar as devidas medidas.
Os blogs dos Coronéis Jorge da Silva e Emir Larangeira já alertavam sobre o esvaziamento do policiamento e a consequente falta de segurança na ex capital do Estado do Rio, antes mesmo da imprensa divulgar fatos mais graves como os latrocínios acontecidos recentemente.
A população acredita que com essas operações sufocando a criminalidade e com o aumento do efetivo policial, a vida na cidade volte a normalidade, pelo menos é o que cada um espera, ou seja, ter o seu direito de ir e vir restabelecido.

Anônimo disse...

Sr cel Larangeiras, o senhor é um homem muito preocupado com nossa terra e com a Policia Militar. O sr nõ acha que de uns tempos pra ca,os oficiais que ficaram e estão no comando não estão preocupado o mínimo com o que agente antigamente chamava"coisas da Corporação":hierarquia, disciplina, patrimonio da policia, formação séria de seu quadros,seus segredos,fiscalização, ausencia de promiscuidade, etc, O que será que está havendo com essas novas gerações?, se continuar assim, realmente nossa PM vai acabar.

Emir Larangeira disse...

Vejo a PMERJ assim: muita "autoridade do ter" e pouca "autoridade do ser". E toda vez que predomina a primeira, o subordinado sofre e o puxa-saquismo endereçado ao andar de cima se amplia. Escrevi um artigo sobre o conformismo da oficialidade, que´é preocupante.
Não vejo solução para o problema, mas todo problema, quando não é solucionado, busca ele mesmo sua solução, claro que muitas vezes desmedidamente. E aí estará fora de controle...

Anônimo disse...

Caro Anônimo: Esse problema que você cita haver na PM está quase que generalizada em vários setores da nossa sociedade, senão veja.
-O atendimento nos hospitais é precário; às vezes leva-se horas aguardando atendimento.
-Você vai numa concessionária de automóveis fazer uma simples manutenção no seu carro, o serviço é pago e caro e você é mal atendido.
-Compare uma estrada com pedágio na Europa ou EUA com as do Brasil.
-Como anda a coleta de lixo na sua rua?
-A água chega com frequência na cisterna?
-Os Correios tem feito a entrega de suas correspondências em dia?
-Você acha que as arrecadações das multas de trânsito são revertidas em melhorias das nossas rodovias, ruas, passarelas, túneis, etc?
Pelo visto, o problema está no gerenciamento da coisa pública; na falta de ética que aumenta a cada dia; no jeitinho brasileiro; na Lei de Gerson (conheço o Gerson pessoalmente e é um cidadão sério e honesto) y otras cosita mas...