terça-feira, 20 de março de 2012

Sobre a fusão do RJ com a GB e seus reflexos na PMERJ









O Estado do Rio de Janeiro poderia ser alçado ao topo dos lugares em que as pessoas somente fingem ser felizes. Parece mulher feia a se lambuzar em cosmético para se apresentar sempre à meia-claridade: brilham-lhe os dentes artificiais porcelanizados e as lentes de contato realçam-lhe a falsa cor dos olhos. Aqui no RJ nada precisa estar bem, basta insinuar que está e o resto é propaganda enganosa com o intuito de vencer o tempo e amortecer a dura realidade de que tudo vai de mal a pior.
Para mim, a descontrolada entropia do lado de cá da baía começa com a fusão do antigo RJ com a GB, em esmagamento da autoestima de fluminenses e cariocas, com ambos fingindo ser o que não são e escamoteando frustrações em falsidades elegantes. Enquanto isso, muitos de lá e de cá derramam iras ostensivas ou surdas. As amizades e o parentesco entre alguns garantem um mínimo de veracidade nas relações interpessoais e institucionais a justificarem a bela ponte. Fosse um túnel, o escoamento das riquezas do RJ para a nova capital seria mais apropriado, pois se resumem ao petróleo... O resto tão-somente se emoldura na “persona” que volta e meia desaba e mostra muitas caras ocultas em cinismo atávico.
Sobre a entropia, basta focar Niterói e São Gonçalo. Ah, velhos tempos que não voltam mais!... Claro que os construtores republicanos da ponte sabiam adrede que o petróleo jorraria!... E apostaram na fusão para acoplar a ventosa da sanguessuga a ser alimentada pelo óleo negro. Lembra o café torrado e desviado para além-mar nos idos monárquicos e imperiais, com a Corte e depois a Capital Federal a mamarem as riquezas minerais e vegetais do resto do Brasil. Como então os descendentes da sanguessuga do café, do pau-brasil e dos minerais exauridos poderiam sobreviver sem o ouro negro? Como suportariam um Estado do Rio de Janeiro prestes a se tornar rico e, em consequência, modernizado, sofisticado, com serviços públicos excelentes, e com o povo fluminense feliz na convivência social? Qual!... Os descendentes do Poder Central foram para Brasília, mas não deixaram seu rincão predileto abandonado. Tornaram-no “Estado” sem Municípios e lhe garantiram sobrevivência vampiresca, pondo aqui o sangue nacional agora feito de petróleo...
A constatação da existência de petróleo abundante – o sangue – motivou todo o resto. E à sanguessuga bastou agarrar-se antecipadamente ao corpo rico para sugá-lo sem sair do lugar. Daí a ponte, espécie de tubo sugador (a ventosa) ligando a voracidade carioca ao alimento fluminense, não dando ao antigo RJ mais que um papel coadjuvante nas cenas de risco para o carioca garantir seu eterno glamour, que, aliás, não se perdeu na transferência do poder político para Brasília. Para lá seguiu a filha da sanguessuga que aqui ficou a sugar o alimento negro. Já os vazios fluminenses foram preenchidos pela pobreza migrada de lá para cá, fazendo surgir uma favela atrás da outra até formar um foco de miséria onde antes só havia a mata virgem dentro das zonas urbanas. E, nos dias de hoje, à miséria foi acrescido o domínio do banditismo armado do tráfico. Enfim, nenhum lucro, só prejuízos...
Hoje, no antigo RJ, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, de qualquer centro urbano se pode visualizar o entorno favelado e a pauperização regada a suor e sangue dos miseráveis nos deslizamentos mortais de barreiras ou em virtude dos buracos de bala. Perdemos a mata virgem e ganhamos de presente a desgraça de vermos a miséria e a violência alastrarem na proporção direta do escorrer dos royalties das terras fluminenses para as plagas gananciosas da nova capital. Aliás, é este mesmo centro de decisões que investe em descaramento o dinheiro nosso e ainda nos convoca para a defesa dos royalties, como se dependêssemos da ex-GB para existirmos no mundo pátrio.
Ora, não houvesse fusão os guanabarinos estariam por aqui à cata de trabalho, e não o contrário que amargamos nas travessias dolorosas por barcas carcomidas e veículos de passagens caras, para chegarmos à capital concentradora do dinheiro nosso. E dentre essas migrações há a dos militares estaduais fluminenses, feita “a pau e corda” (modo histórico de recrutamento dos primeiros “corpos dóceis” das forças policiais nos idos monárquicos e imperiais), a engrossar efetivos de UPPs, deixando como contrapartida o vazio nos quartéis interioranos já mirrados se comparados com os efetivos anteriores à fusão, e mais ainda deteriorados em função do crescimento populacional e da franca expansão do crime. Enfim, o interior do RJ produz “petróleo humano” para alimentar o glamour da capital.
Nada contra ninguém, somos todos brasileiros, mas não se há de negar a importância dos regionalismos pátrios e muitos menos abominá-los como se fosse possível destruir cultura por decreto. No caso do antigo RJ, o poder político dito “ditatorial” escarrou na nossa cara e o poder político dito “democrático” nos escarra em dobro. E é nesse contexto desinfeliz que está a atual PMERJ, fruto híbrido decorrente da fusão de duas tropas com diferentes histórias e absolutamente contrárias ao status quo atual. Por que nós, treme-terras, sofremos a esquivança dos federais e guanabarinos quase que nos culpando pela fusão. Daí estarmos num segundo plano que aflora em dia especial: 14 de abril. Pois neste dia, em 1835, a Força Policial da Província Fluminense foi criada e forjou sua história em guerras estrangeiras e outras lutas no seu torrão. E é aviltante assistirmos à nossa comemoração como autênticos coadjuvantes de uma corporação que não é a nossa, e que nos tomou de assalto, de tal modo que os treme-terras sentem-se intrusos em seus próprios quartéis.
Sim, nós, oriundos da PMRJ, fomos engolidos pelo “Leviatã” formado por PMDF e PMEG, que nos chutou a escanteio e festeja sua criação em 08 de maio desde a fusão de 15 de março de 1975, esta que, na verdade, sepultou as duas datas (14 de abril de 1835 e 13 de maio de 1809). Mas nós, treme-terras, temos sido desde então apenas alimento consumido pela PMERJ (o “Leviatã”), tal como a “Cidade Maravilhosa” suga nosso petróleo... Por isso não mais participo de solenidade alguma em 14 de abril. Envergonha-me saber que a festinha não passa de encenação, “coisa de treme-terra” a incomodar quem não se interessa por festejos alheios. Parece festa de genro a acariciar a sogra, preferindo, porém, vê-la morta, sepultada e descendo ao inferno. É como me sinto quando compareço àquela festa de 14 de abril, em indignação, que, todavia, não se destina a nenhum militar estadual das corporações simultaneamente aviltadas, nem de ontem nem de hoje, mas se endereça aos poderosos políticos de ontem e de hoje que decidiram e ainda decidem nossos destinos sem ouvir ninguém: nem o povo, nem seus segmentos sociais organizados, nem as instituições, nem os cidadãos individualizados. No fim de contas, mudaram os regimes, governos se sucederam, mas a sanguessuga é a mesma, ou seja, foi parida pela fusão para se alimentar do petróleo fluminense. Sim, tanto faz o regime, a ideologia, à vista do ouro, marcha igual: “Direita, esquerda!” Marcham, sim, como pernas de um só “corpo dócil”: “Direita, esquerda – direita, esquerda!”, e assim sucessivamente vai o corpo único em direção ao mesmo objetivo (o ouro), revezando-se as pernas em passo marcial e o corpo puxado pelo nariz pelo capital selvagem...

6 comentários:

Luiz Monnerat disse...

Caro e choroso Larangeira,
penso que não procede mais tais lamentações a respeito da fusão, a qual mereceu tanta interpretação, ora calcada em critérios políticos-partidários, ora em critério histórico e em outras coisas, sem se esquecer que o problema econômico-financeiro, talvez, à época, tenha sido o mais ardoroso na discussão. Diga-se, discussão que não houve!
Se algum bem deixou, e certamente inúmeros foram, a contrarrevolução pode com toda justiça reclamar este, pois simplesmente, numa penada só, concertou uma grande porcaria que era aquela situação. Uma cidade - o Rio - sem água, sem território e só vivendo do terceiro setor, o qual, sem a Capital Federal, estaria fadado ao insucesso face a potência São Paulo, o que de fato não demorou a acontecer. O trauma pelo qual passamos nós, azulões e treme-terras, uns mais outros menos e alguns nem isso, já faz parte da história, diga-se, que também não existe. Aliás, por um motivo fortíssimo: a total falta de interesse de ambas as partes, 'ambas' também porque ainda teimam viver poe aí uns pouquíssimos - nosotros, los que están sin uniforme - que daqui a pouco virarão pó ou purpurina (em respeito aos novos tempos permissivos)! Então, as partes praticamente já não mais existem, pois partes de quê? de onde? De nada.

Emir Larangeira disse...

Irmão Monnerat

Que seria do mundo sem seus contrastes? Que dele seria sem a fricção? É da fricção que nasce a vida! Tem razão, sou um choroso sim, é saudosismo de mais. Mas que existe nesta vida senão o olhar ao passado, já que o futuro não existe? Pior é que o passado já passou, e, portanto, não existe. E, se não existem, o passado nem o futuro, inda mais inexiste o tempo presente, como o que transcorre enquanto escrevo, e já é passado e se tornou pó. Enfim, pensando assim, nada mais há a fazer que nos tornarmos paisagem, natureza morta, ou o que o valha e esperar a morte para começar, aí sim, uma nova vida (espiritual e eterna) que depende não mais que nela crer como possibilidade divina, que, para variar, oferece também o inferno eterno aos descrentes. Tem razão, caro amigo, quando afirma que as partes "não mais existem". Faz pouco tempo que um fardado azulão da nova safra, que existe, disse que o Colégio da PM era "coisa de treme-terra" e que iria ao brejo. Pois os "sin uniforme", ou seja, "nosotros", deram o peito à luta e lá estão 500crianças, filhas de PM, estudando. Daí valer a pena fingir, pelo menos, que existimos, pensdamos e agimos, nem que seja aqui neste blog, espaço para rir e chorar. Só para rir não teria graça...
Ah, no sábado eu fui ao aniversário do Cel EB Hindemburgo Coelho de Araújo. Completou 90 anos. Foi ótimo revisitar esse passado de honestidade e seriedade ao vê-lo ainda com saúde e vida longa. O Monsenhor Motta fez uma bela pregação sobre o valor da vida como o maior dom divino, com o que eu concordo. Creio que passado assim vale a pena relembrar. Nós éramos uns treme-terras de péssimos salários e recebendo com três meses de atraso, mas a vida era boa, útil, desprendida e alegre. Hum, cá estou novamente com vontade de chorar dando vivas ao passado...

Emir Larangeira disse...

Desculpándo-me por algumas incorreções no texto anterior, aproveito para gravar a velha frase: "nosotros" éramos felizes e não sabíamos!...

Luiz Monnerat disse...

Irmão Larangeira, te disse choroso, por safadeza, para que não se esquente por pouca coisa. A história do colégio eu soube e fica devendo aos de pijama, segundo me contou o Peixoto. Mas, voltando ao chorar e ao sorrir, de fato temos coisas da velha província para nos comover às lágrimas e histórias para gargalhar, sem dúvida, principalmente no período de fusão recente. Do Cel Hindemburgo a lembrança me traz o Luiz Fernando, que morou conosco no quartel, em Campos, enquanto fazia medicina, e tornamo-nos grandes amigos naquela época...

Emir Larangeira disse...

O Luiz Fernando estava lá, claro. O que me impressionou foi a ótima saúde do Cel Hindemburgo e o seu senso de humor sempre afinado. Padre Motta está ótimo também. Vou mandar uma foto que guardo com carinho, tirada na antiga Cia escola, com o Burunga do meu lado e o Cel Hindemburgo visitando-nos com um general, creio que o IGPM. Não nego o chororô: bons tempos!

Luiz Monnerat disse...

Larangeira, se fizemos algo de bom, certamente foi naquela época, como que desatinados, imaginando que a salvação do mundo dependia de cada um de nós. Certamente éramos santos vivos, provados e imolados para o bem do povo. Hoje somos malvados e desconfiados de tudo e de todos e, além disso, nada produzimos. Você fala muito em fricção, pois desconfio que até isso vai ficando cada vez mais difícil!Resta fazer o possível para ver no que resulta. Entretanto, como você bem falou, a esperança nos pertence e nela se encontra a grande aposta, pois temos os nossos entes queridos, os nossos amigos e amigas que nos aguardam e todo o povo de Deus reunido para nos abraçar, se bobear até o pessoal que gosta de aparecer no Fantástico para dar receita de como funciona a máquina pública e fazer todo mundo aprontar aquela cara de admiração e espanto espetacular diante do impossível acontecendo! De fato, para essa festa é que temos que estar preparados da melhor maneira possível, mesmo assim contando com a Infinita Misericórdia do nosso Pai Eterno para bem nos receber e nos ajudar a ouvir aqueles relatos vagos que vão parecer que não dizem nada a nosso respeito, como: 'Eu estive com fome... com frio... doente... preso... aflito... precisando estudar... sem dinheiro para me manter ... com sede de água... com sede de Justiça ... sem esperança ... precisando me formar em medicina e sem recurso algum na bolsa ... e até mentindo que precisava operar alguém no estrangeiro ... e, em tudo e até nisso, você Me socorreu, Me amparou, Me agasalhou... Me supriu ... Me formou ... então, entra e veja o que foi preparado por meu Pai para os seus eanbem-aventurados, como você, desde antes do início dos séculos!’ Isso , meu irmão estimado e querido, é o que interessa. No mais, manda brasa neste blog, pois está muito bom! Parabéns!