Multivariada, confusa, empolada, a política partidária brasileira não passa de galhos de uma só árvore por onde flauteiam todos, sem exceção, embora esses todos se considerem “exceções” dentro de seus pseudofragmentos que de ideológicos nada têm, todos apenas fingem. E são esses fragmentos que espertamente se unem em “coligações” para reforçar nominatas e disputar, principalmente, o voto proporcional. Beneficiam-se então desse estranho somatório partidário, logo batizado em nome bombástico, que vai de zero a alguns votos de nomes sem chance de vencer eleições. Mas a eventual junção partidária, que logo se desfaz ao findar sua finalidade pontual, é importante no contexto da disputa eleitoral, em especial quando se trata de abocanhar tempo de televisão, mais uma vantagem a se somar ao modelo que se poderia resumir numa espécie de “ideologia do voto”.
Deste modo bizantino, a política culmina não representando mais que a discutível intenção dos candidatos: políticos profissionais que mantêm e/ou transferem seus mandatos como herança aos descendentes e amigos íntimos, não sendo de espantar quando um grupo a outro se une em irmandade mesmo após longos tempos em litígio extremado e confrontos inclusive sangrentos. De repente, sem qualquer intervenção divina, desafetos tornam-se irmãos siameses e seguem lado a lado na disputa por um pedaço do delicioso bolo chamado poder, cujo glacê costuma ser dinheiro público migrado para bolsos particulares: Pusillum pusillo si addas, fiet ingens acervus (De muitos poucos se faz um muito).
Curioso é que disputei um mandato parlamentar convidado a “emprestar” meu nome a uma sigla partidária que antes elegera três deputados estaduais. Fui convidado por um desses três sob a singela alegação de que o meu nome reforçaria a nominata dos votos perdedores, porém em quantidade tal que lhe garantiria a reeleição. Aceitei, é bem verdade, até crendo na impossibilidade de vitória, mas, no meu íntimo, sentia-me capaz de ocupar uma cadeira na ALERJ por via desse inusitado convite que não constava dos meus planos. Por isso entendo que muitos candidatos se lançam com o mesmo sonho, embora sem noção de suas reais condições de vitória, que, na maioria das vezes, efetivamente não se concretiza. Não foi meu caso: disputei como coadjuvante e me tornei personagem principal vencendo a eleição, enquanto aquele que me convidara com a mesma intenção ficou no meio do caminho.
Confesso que fui tomado por um grande susto. Tanto que, depois do pleito, recolhi-me à minha insignificância num sítio sem telefone ou qualquer outro contato com a civilização além de livros e discos. No quinto dia da apuração recebi a visita de um amigo levando o jornal que me anunciava vencedor. Custei a crer. Li para lá e para cá e lá estava o meu nome em negrito na tal “coligação” a que me refiro e que supostamente reunia “partidos trabalhistas”, sem que me ocorresse qual o significado real do meu, que se chamava “PTR”, e logo depois entrou em extinção, deixando-me sem sigla em pleno mandato. Migrei então para outra sigla que me parecia mais clara em significado ideológico (PSDB) e defendia a social-democracia. Havia na ideologia do PSDB certa dose de “fabianismo”*, doutrina que alguns ícones do partido abraçava, assim como defendia algumas privatizações para enxugar a maquinaria governamental, mistura ideológica que se esgueirava perto do centro do ininteligível continuum “esquerda-direita”.
Claro que a minha carreira política não se destinava ao eterno. Ao me posicionar no PSDB, naturalmente assumi o que eu era: antibrizolista de carteirinha por razões mais que óbvias: sou policial e combati ferrenhamente a criminalidade, o que, inclusive, preencheu o vácuo do prestígio eleitoral que me elegeu com votos de PM (oficiais e praças da PMERJ). Não me há dúvida disso, assim como sei que muitos amigos civis me ajudaram, especialmente nos bairros de Niterói e São Gonçalo, onde passei a maior parte da minha vida. Amigos preciosos, aos quais ainda devo gratidão, embora não mais me imagine candidato a nada. Sim, estou fora, pois não consigo entender nem absorver com facilidade as articulações político-eleitorais entre desafetos e não apenas adversários. Não significa, todavia, que eles estejam errados, é assim o jogo do poder político. Portanto, o problema é meu, que prefiro mesmo é ser um PM fiel à crença que inclui o rigor contra os criminosos e o respeito aos cidadãos ordeiros, sejam eles ricos ou moradores de rua. E assim pretendo atar meu início de vida castrense ao seu fim: sempre com a certeza do dever cumprido e alheio às infâmias dos que preferem a amizade de bandidos com fins eleitorais e outros objetivos inconfessáveis.
* Fabianismo (Ipsis litteris): A Fabian Society, esboçada em Londres em 1882-1883, é organizada em 1884 e dura até 1930. Tem como objectivo inicial contribuir para a reconstrução da sociedade de acordo com as mais altas possibilidades morais. Entre os fabianos, George Bernard Shaw, Graham Wallas, Edward Pease, Annie Beasant, H. G. Wells e o casal Sidney e Beatrice Webb (com o nome de solteira de Beatrice Potter). O termo apenas se consagra em 1889 com a publicação dos Fabian Essays in Socialism, organizados e prefaciados por Shaw. Cimentam-se em 1895 quando promovem a fundação da London School of Economics com o objectivo de dar uma instrução nas ciências políticas e económicas e de constituirem um centro de pesquisa sistemática nas ciências sociais. Distanciando-se de Marx, e influenciados por Proudhon e John Stuart Mill, reinventam um socialismo democrático que esteve na origem do trabalhismo britânico, influenciando o programa de 1918, Labour and Social Order, esboçado por Sidney Webb, que se manteve até aos anos cinquenta, quando foram publicados os New Fabian Essays, de 1952. Baseiam-se nos anteriores radicais utilitaristas, mas, ao contrário da perspectiva de Bentham, que punha acento tônico nas reformas legislativas, vão, sobretudo, defender reformas de carácter económico e social, a inevitabilidade do gradualismo. Defendem a meritocracia e o recurso a peritos competentes para a gestão dos negócios públicos. Preferem o reformismo ao radicalismo. Assumem-se como defensores da eficácia da gestão. Utilizam como título o nome do general romano Quintus Fabius Maximus Verrucosus (morto em 203 a.C), o cuntactor, que venceu Aníbal, apenas o atacando quando chegou o momento propício, através de uma táctica que tanto foi subtil como eficaz.
Um comentário:
Muito boa, nós é que temos mania de pensar que Político briga de verdade. Eles se xingam de mentirinha para enganar o povo!
Mari Torres - Uma cidadã indignada com tanta covardia.
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