Em boa hora...
Faz tempo que aguardo um gancho para pendurar uma história pessoal em lugar visível ao meu público leitor. Ei-la então com poucas letras: a história de um Getúlio Vargas que não interessa aos sediciosos de esquerda que o mitologiza como espécie de “pai dos trabalhadores”, exagero que não se coaduna com seu perfil anfibológico, que vai de um extremo ideológico, nitidamente fascista, a outro, camuflado em roupagem democrática, mais a medo dos EUA. Interessa-me, todavia, situar o ditador fascista, o “germanófilo” que se reflete aos nossos olhos pela matéria publicada no O GLOBO de hoje, 28 de janeiro de 2011...
Nasci em 05 de julho de 1946. Até meus dois anos de idade, no mais ou no menos, eu crescia na cidade de São Gonçalo/RJ, em família composta pelo pai, por minha mãe, uma irmã mais velha, e um casal de irmãos mais novos que eu. Pelos idos de 1948, meu pai era empregado da Vidrobrás (fábrica de vidros também conhecida como “Vidreira”) e tesoureiro do sindicato da categoria. Por conta disso, foi ele fichado como comunista pela Polícia do Estado Novo, de Vargas, e perseguido tenazmente, obrigando-se a fugir para a mata virgem de Santo Antônio do Imbé, Distrito do Município de Santa Maria Madalena. O nome do pai era Emir Larangeira, exatamente como ele me grafou em certidão de nascimento, com o acréscimo do sobrenome da minha mãe (Campos) entre o Emir e o Larangeira. Acontece que, no meio do mato, onde a família se refugiara sem nada entender, o pai era chamado de “Seu Luiz”, para mim algo estranho, embora fosse pouca a minha idade para compreender o porquê do codinome dele. Sim, era um codinome, ele era ativista sindical crendo num ideal que não passava de sonho, nada mais que sonho e sofrimento, pois quem pensa que os métodos do Estado Novo cessaram em 1945, engana-se, a Era Vargas permaneceu opressora do comunismo tal como antes...
Naquele sertão isolado e hostil, numa palhoça de parede levantada em bambu e barro, com telhado de sapê, luz de lamparina, fogão a lenha improvisado em barro, sem água potável e mosquitos pra todo lado, eu vivi ou sobrevivi os anos da primeira infância. Não digo que me ressentisse, não me havia muita diferença, eu não possuía nenhuma maturidade que me permitisse comparar minha pouca vida anterior, em São Gonçalo, com aquela cheia de perigos no meio da mata virgem, à margem do rio Imbé. Enfim, de modesto operário da Vidrobrás, o pai passou a lavrador forçado, sobrevivendo a família da agricultura de subsistência e dos meios de fortuna que ofereciam aquela floresta rica em caça, demais de um rio cheio de peixes e infestado de jacarés. A verdade é que não nasci índio, mas vivi como um até que o pai deslocou a família para Campos dos Goytacazes, instalando-a numa casa perto da estação ferroviária conhecida como “Estação do Saco”. Ele, porém, obrigava-se a permanecer no mato, como “Seu Luiz”, vindo poucas vezes, e à surda, até Campos, para visitar a esposa e seus filhos, quando então fez aumentar a prole em mais um menino. Mas ele adoecera, e aí sua perseguição não mais interessava aos cruéis policiais comandados pelo fascista Filinto Müller.
Do mato para a cama da qual não mais sairia a não ser para pegar sol, não demorou muito para eu perceber, mesmo miúdo, que o pai carregava doenças graves. E foi uma aluvião delas, – destacando-se a tuberculose e o tifo, – às quais se somaram a insuficiência coronariana que faria o coração dele inchar até explodir em morte aos 39 anos de idade.
Desses anos de tormento familiar eu bem me lembro: o pai deitado, o balão de oxigênio sustentando-o em vida vegetativa durante quase três anos, o corpo apinhado de manchas roxas e o frio da morte indo dos pés gelados em direção da cabeça. E assim seguiu seu período de sofrimento, até que, no dia 22 de fevereiro de 1957, ele expirou nos braços do irmão mais novo, Urany Larangeira, momento que trago gravado na alma, pois eu me encontrava na porta do quarto quando ele se despediu do mundo. Eu contava dez anos de idade e, atônito, assisti a tudo... Ah, devo toda essa desgraça ao ditador Getúlio Vargas, cuja morte, em 24 de agosto de 1954 (eu contava oito anos), provocou no pai uma crise de choro que me levou a entender erradamente o seu sentimento: não era de dor, mas de alívio, o ditador já morrera menos tarde!... Porém, ao pai não mais era dado o direito de festejar. Já carregava a cardiopatia que o levaria à morte.
Esta história não teria sentido se eu não a complementasse com o acontecimento inusitado que me marcou em anos posteriores. Deu-se pelos idos de 1972 ou 1973. Eu envergava a farda de oficial da antiga PMRJ e cumpria serviço como primeiro-tenente. Ao me matricular na Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas Moraes Júnior, na Rua Buenos Aires, lá me exigiram um “atestado de ideologia” como precondição para minha matrícula ser aceita. O órgão que o expedia era o antigo DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) da Polícia Civil, em Niterói. Para lá então me dirigi e requeri o documento, e qual não foi minha surpresa, dias depois, ao ser encaminhado ao gabinete do delegado de polícia diretor do DOPS, por sugestão do atendente assim orientado, quando fui buscar o atestado. Como eu estava fardado, imaginei que se tratava de alguma deferência. Ledo engano: dei de cara com um carrancudo delegado de polícia, que ostentava nas mãos uma ficha amarelada. E ele de súbito vociferou: “Você não será atendido, o seu pai é comunista!” Na ficha constava o nome do pai, sua filiação, e em diagonal, e em vermelho, a palavra: COMUNISTA. Nada mais...
Parece incrível a história; há nela um olor de inverossimilhança. Mas é verdade! Foi mesmo assim, deste modo rude, que o delegado me recebeu, nem me oferecendo uma cadeira. E, de pé, provavelmente de cara amarrada, eu o retruquei no mesmo tom: “Meu pai morreu quando eu contava dez anos e não saio daqui sem meu atestado!” Claro que me passou pela cabeça até fazer uso da arma que eu naturalmente portava, dado o meu estado de ânimo. Mas, “para o bem de todos e felicidade geral da nação”, o truculento delegado de polícia desarmou-se por completo e mandou providenciar na hora o tal “atestado de ideologia”. E eu me retirei do empestado recinto louco para esclarecer com meus tios aquela história que começara como eu aqui a resumo. Enfim, meu pai era comunista, sim, como todos que atuavam em sindicatos de trabalhadores, e simplesmente, e por óbvias razões, eu não sabia disso.
Passei então a compreender certas hostilidades oriundas de arapongas fardados, ou, no mínimo, conseguia entender o silêncio deles em rodas de conversa, o que antes me passava despercebido. Tive também a certeza de que a Era Vargas, fantasiada de democracia, não passava de engodo populista: a Polícia do Estado Novo mantinha-se ativa nos famigerados corredores do DOPS e mais floresceu durante a ditadura militar como polícia política. Claro! Claríssimo! Por conta desse episódio eu venho vivendo horrorizado, e até hoje sou tomado pelo horror de arapongas, e partirei deste mundo sem mudar de posição. Na verdade, engoli sapos e mais sapos ao longo da carreira e da vida, sem, no entanto, me posicionar como meu pai: não fui, não sou, e jamais serei comunista. Nem ativista de direita, obviamente...
É que acabei concluindo que um extremo não difere do outro, ambos se igualam nos métodos de conquista e manutenção do poder, servindo-se dos mesmos arapongas de ontem e de hoje, todos dissimulados em “especialistas em inteligência policial”, ressalvando-se as exceções, poucas, daqueles que utilizam a atividade de informação para conter o avanço do crime. Só não sei em que nível eles estão contaminados pela cultura do “consta que” e pelo vício fascista do cachimbo, como o que senti na carne e na alma ao adentrar o DOPS fardado de tenente. E foi com esse espírito crítico que, como deputado estadual, no ano de 1991, arrisquei-me a execrar a tal “comunidade de informações” da PMERJ, que agia ajustada a interesses do caudilho em desmoralizar a própria PMERJ e seus membros que antes enfrentaram o tráfico na ponta da linha. Eis a parte principal do discurso que fiz, sendo certo que futuramente darei nomes a todos os fascistas e demonstrarei suas manobras sórdidas:
O Sr. Emir Larangeira – Sr. Presidente, Srs. Deputados, ocupo hoje a tribuna, legítimo representante do povo e polícia militar para uma grave denúncia:
(Lendo):
O serviço de informações da PMERJ, também conhecido como 2ª EM ou a 2ª Seção do Estado-Maior, é um órgão que atuou com rara eficiência em favor da ditadura, como integrante estrutural da famosa comunidade de informações. Sua característica principal era e continua sendo a arrogância dos policiais-militares componentes desta famigerada “comunidade”, com íntimas exceções, todos ungidos pelos todo-poderosos defensores da ditadura, sendo suas ações somente comparáveis à SS de Hitler, cujo poder invertia até mesmo a hierarquia do exército alemão.
A prática do patrulhamento ideológico, tanto no âmbito interno da PMERJ quanto no externo, pelas ameaças dos famosos “dossiês”, que muitas mentiras transformaram em “verdades insofismáveis, já prejudicou e continua prejudicando muita gente, destroçando carreiras profissionais e vidas pessoais de muitos cidadãos e policiais-militares contrários à ditadura.
Esse abominável sistema de informações, apesar de estruturado na PMERJ, a ela não pertence integralmente, pois se subordina concomitantemente ao sistema de informações do Exército, por isso ungido e funcionando até hoje “acima de quaisquer suspeitas”, pairando sobre todos como ameaça presente, principalmente contra a grande maioria dos policiais-militares.
É tão poderosa a sua influência que até comandantes-gerais e outras autoridades policiais-militares de grau hierárquico superior inibem-se diante dessa estrutura de poder, num conformismo que só tem uma explicação: o temor do futuro: o temor de outra ditadura.
Os oficiais e praças que servem na 2ª Seção, na verdade, é ínfima minoria privilegiada pelo poder maior, federal, que controla diretamente o processo de seleção desses homens, não tendo nem o comandante-geral da PMERJ autonomia para tal desiderato. Em resumo: “Tudo continua como dantes no quartel de Abrantes”.
Os tempos mudaram, a ditadura acabou (?), a democracia consolida-se (?), mas a comunidade de informações da PMERJ permanece inalterada. Permanecem os “filhotes da ditadura”, os membros da “SS da PMERJ” vivenciando a máxima plenitude do poder, impondo o mesmo temor interno, agora travestido em outras roupagens e com objetivos inconfessáveis. A impressão interna até hoje, na PMERJ, transmitida pela arrogância das ações de um órgão que deveria estar diagnosticando a criminalidade, é a de que a liberdade e a democracia não representam mais que um efêmero momento de transição prestes a dar lugar a uma nova ditadura.
Esses oficiais e praças ungidos pelo poder têm “fé de ofício” para discernirem sobre a liberdade de todos, sem contestações; andam em grupinhos isolados no QG da PMERJ; não sentam com seus iguais nas mesas dos ranchos. São misteriosos, verdadeiros caras de pau, que insistem em demonstrar que continuam maiorais.
Mas o paradoxo não está somente nisso. Esses “filhotes de Hitler” não respeitam a constituição a muito menos os seus ditames democráticos. Acusam sem provas, invadem as residências de indefesos policiais-militares, violando suas vidas privadas em nome de uma anacrônica disciplina militar que tem a impressionante capacidade de camuflar os crimes de abuso de poder que vêm sendo cometidos por esses pequenos senhores feudais.
São inúmeros os oficiais e praças – e até comandantes de unidades operacionais – achincalhados nos seus direitos, tudo em nome de uma falsa moralidade que somente tem servido para exacerbar as incontáveis injustiças internas da PMERJ. E assim, contando com o atemorizado conformismo das autoridades maiores, e também camuflados num falso incentivo promovido por essas autoridades, esses ignóbeis “filhotes da ditadura”, prepostos da escuridão, vão praticando impunemente suas injustiças enquanto aguardam o seu grande momento: uma nova ditadura.
Infames, insidiosos e maléficos ao Estado Democrático de Direito, esses membros da comunidade de informações encontram a camuflagem perfeita para ganhar tempo: “o disque-denúncia”, incentivado paradoxalmente por um governo comprometido com as causas democráticas, certamente motivado por boas intenções das autoridades públicas do Estado. Mas é certo que, enquanto essas autoridades servem-se da comunidade de informações e de suas práticas ditatoriais para atender a seus bons propósitos políticos, os “filhotes da ditadura” fingem atendê-las e fortalecem a tese de patrulhamento ideológico ampliando internamente seu poder pelo temor e pela inibição da PMERJ como um todo. E é certo, também, que esses mesmos defensores da ditadura encontram ainda tempo de manter a prática de “caprichar” na elaboração de dossiês dessas incautas autoridades públicas que têm comprovado compromisso histórico com a democracia e com a liberdade. É realmente, um paradoxo.
Infames, repito, são os componentes dessa comunidade de informações da PMERJ, ressalvando as raríssimas exceções, assim como é justo excluir as P/2 das unidades operacionais, cujo trabalho precípuo é corretamente voltado para a criminalidade. Esses oficiais e praças da 2ª. Seção do EM da PMERJ não são policiais-militares. Apenas estão policiais-militares, pois nada fazem para atender aos legítimos anseios da população em relação à criminalidade. Atualmente, o temor é tão grande que a PMERJ está parada, com seus integrantes vivenciando o medo da “SS De Hitler”. Não sabem mais qual o comportamento operacional a adotar em relação ao crime, pois toda a preocupação está voltada para a defesa contra a infalível e poderosa minoria.
Mas a SS da PMERJ também terá, a partir de hoje, o seu algoz, um poderoso oponente às suas maléficas ações, pois, para azar deles, um PM, que gosta de liberdade e de democracia, foi eleito pelos policiais-militares e pelo povo. E é um PM que não gosta de bandidos e não tem medo desses “garotinhos representantes da ditadura”. E como PM já comprovou não recuar diante de qualquer perigo e pode enfrentá-los em qualquer campo, até com armas, se for preciso. E é um PM deputado estadual disposto a qualquer sacrifício, não só no sentido de alertar as incautas autoridades públicas, que estão por eles sendo enganadas, como também na crítica direta e na cobrança judicial dos seus insidiosos atos. E quem viver verá!
Muito obrigado!
Claro que as reações dos arapongas logo me levaram à certeza de que eu tinha e tenho razão em abominar essa turma, com raríssimas exceções que, no entanto, desconheço; só sei da regra, ou seja, essa turma é trapaceira e crudelíssima a ponto de corar psicopatas; representa, sim, a cultura do mal, é lídima representante “Polícia das Ideias” da ficção de Orwel, pratica a espionagem em vista de interesses distanciados do que se presume ser um Estado de Democrático de Direito. Com efeito, os arapongas usam e abusam do mistério para atacar e contra-atacar seus opostos ou os adversários de seus eventuais aliados ocupantes do poder político. Aliás, arapongas são sempre aliados daqueles que mandam no sistema, não lhes importando nada além dos benefícios do poder a que servem com suas futricas e mentiras escabrosas desenhadas em papéis oficiais como “consta que”. Pior é que usam verbas secretas para aninhar seus áspides em mordomias, e eles e elas (áspides machos e fêmeas) procriam nas grutas obscuras e inacessíveis da chamada “comunidade de informações”, o “ovo” de onde nascem e proliferam as “serpentes”.
O tema apenas começa. Esta é a primeira etapa de muitas que lhe darão sequência e consistência, e serão sempre acrescidas de provas documentais dando conta de que não invento nem aumento, mas tão-somente desnudo uma verdade que preciso compartilhar com as pessoas do bem que me leem e que almejam um país justo para todos os brasileiros, algo inalcançável em função das sede de poder e dos métodos ortodoxos que ainda imperam no exercício de um poder político voltado para si mesmo, para os velhos métodos, e para beneficiar aqueles que não querem largar o osso nem mesmo depois de comerem a carne e lamberem as raspas.
3 comentários:
Cel Larangeira.
Bastante interessante essa história. Experiências de vida que enraizam no corpo e na alma traçando o caráter e o comportamento do homem. Aquele que tem por dever de ofício julgar seu subordinado ou seu semelhante, deveria entender bem dessas coisas, mas não é isso que acontece, para desgraça de alguns.
Essa história me remeteu ao ano de 1964, quando eu contava com dez anos de idade. Meu pai era diretor do Sindicato dos Ferroviários em Macaé e a cidade estava em polvorosa por conta da tomada do poder pelos militares e as várias prisões dos chamados comunistas; num belo dia meu pai não chegou em casa como de costume e percebi minha mãe irriquieta. Havia um clube chamado Ypiranga que estava lotado de presos políticos, era mais de cem, e resolvi partir para lá na esperança de encontrar meu pai. De um grande portão que fazia face com a calçada da rua principal dava para ver as pessoas lá dentro em uma quadra de esportes, quando saiu um ferroviário guardando seus documentos, virou pra mim e disse: Menino vai pra casa que seu pai já está saindo. Fiz o que ele mandou mas não comentei nada com minha mãe nem irmãos para não criar rebuliço.
Quanto a Getulio Vargas, há divergência de opiniões a seu respeito, inclusive pelos bons professores de História que tive.
Só não posso ser ingrato de negar que ele criou a maior empresa da América Latina, a Petrobras; empresa que cresce calcada na ética, no trabalho e no respeito ao trabalhador, empresa esta que me deu oportunidade de recomeçar minha vida há 22 anos atrás e onde meu único filho é funcionário, fato que muito orgulho.
Parabéns Cel Larangeira pela ousadia e belo texto. Paulo Xavier
Sr TC
Pensando no início da década de 1990, lamento muito que de lá para cá nossa PM e a sociedade de que deve ser serva não tenham podido contar com parlamentar do nível do foi o Sr.
O Sr foi um verdadeiro desbravador em questöes que hoje, infelizmente, ainda representam clamores näo atendidos para os profissionais da PM do RJ.
Minha continência.
Muito obrigado pelo incentivo, prezado amigo, de quem sou incondicional admirador!
Postar um comentário