sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Calamidade pública: a sem-vergonhice de sempre



“A calamidade é ruim para o povo, mas boa para a sociedade.” (Erich Fromm)


Mais chuva, mais enchentes, mais deslizamento de encostas, mortos e feridos, desabrigados, e “nada de novo sob o sol”... As montanhas estão no mesmo lugar, as nascentes dos rios brotam a mesma água inicial, a montante permanece mandando água à jusante e desembocando no mar ou em rios maiores. As calhas dos rios Pomba, Muriaé e Paraíba não mudaram o curso, tudo continua como a mãe-natureza criou. Algo, porém, mudou nas últimas décadas: a população pauperizada cresceu, o assoreamento dos rios tornou-se espantoso, as construções irregulares nas encostas proliferaram demonstrando a carência do povoléu, que morre ao nascer, que fenece na infância por doenças curáveis e incuráveis, que morre de tiro ou debaixo da terra onde improvisa a moradia miserável para acolher a família. Enfim, “nada de novo sol o sol” nem debaixo da chuva que cai com aviso prévio. Mas a roubalheira aumentou, a sem-vergonhice dos políticos está no auge e suas declarações são descaradas: só falam em gastar milhões, como se dinheiro solucionasse os efeitos cujas causas são solenemente ignoradas.
Pelos idos de 1975/1978, durante o primeiro governo da Fusão, eu trabalhei na Defesa Civil do RJ. Já naquela época, como capitão da PMERJ, pude participar do atendimento de algumas calamidades tenebrosas nos mesmos lugares de hoje: Nova Friburgo (deslizamento de encosta com 55 mortos e inundação da região de Conselheiro Paulino, com centenas de desabrigados), Petrópolis (deslizamento de encosta com 44 mortos e centenas de desabrigados), Teresópolis (deslizamento de encosta com 29 mortos, sendo 17 crianças e centenas de desabrigados), Três Rios e Paraíba do Sul (inundação com queda de pontes em estradas vicinais de escoamento leiteiro e centenas de desabrigados); água demais nos Municípios do Norte e Noroeste do RJ (Campos, Santo Antônio de Pádua, Natividade, Porciúncula, Itaperuna, Laje de Muriaé etc.), exceto Miracema, único lugar não atingido pela enchente.
Não estou de posse de dados demográficos para comparar aquele período de 1975/1978 com os dias atuais, mas creio ser irrelevante a citação exata dos números para confirmar o aumento populacional no período, única mudança expressiva no quadro de situação das calamidades de sempre, sem que isto exclua de apreciação as demais localidades do RJ duramente atingidas pelo mesmo fenômeno: chuvas de verão. Ora, tudo adrede conhecido e mesmo assim os eventos continuam a ceifar vidas e desabrigar famílias, enquanto a dinheirama rola dos cofres públicos para as algibeiras dos aproveitadores da desgraça alheia, exatamente aqueles que deveriam zelar pela segurança e pela dignidade mínima das gentes pobres moradoras em barracos plantados nas beiradas de rios e em perigosas encostas. Também não é caso de falar sobre a falta de saneamento básico em lugares onde falta tudo: problemas abundam e culminam com desastres decorrentes da ignorância popular, da fé a não remover nenhuma montanha e, principalmente, do descaso estatal. E a esperança do povoléu desce ladeira abaixo, – em meio à lama ensanguentada, – ou submerge nas cheias previsíveis, porém descuidadas. Sempre assim, entra a ano sai ano, e “nada de novo sob o sol”...

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Na tragédia de Friburgo do ano passado, a minha esposa perdeu uma prima que como ela era natural de S. Fidélis. Com essa prima se foi toda a sua família num total de sete pessoas entre filhos e netos que moravam próximos. Meu olhar se perde no espaço como a perguntar, porque tem que ser assim? quem pagará por isso? Aqui na Terra ninguém será responsabilizado, tá tudo certo, a culpa é de quem morreu, mas e depois? será que vai ficar por isso mesmo? Eu acho que não, porque Deus existe.