Trata-se de artigo publicado pela Revista ÉPOCA (21nov2011), de autoria de Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP). Aborda o professor, com entusiasmo, o sucesso das UPPs, com o foco no seu ineditismo, e, principalmente, esbanjando aplausos ao secretário de segurança pública José Mariano Beltrame, bastando a provar o título do artigo... Nem tão coincidentemente assim, o Jornal O GLOBO (27nov2011) surge com uma chuvarada de elogios às UPPs, com destaque em primeira página. Do calhamaço de linhas postas em páginas suficientes para embrulhar muitos peixes, interessam-me as entrelinhas. Nelas, talvez haja alguma verdade substancial em meio a tanta efusividade. Na verdade, a chuvarada de messiânicos elogios às UPPs e ao secretário Beltrame lembra-me a máxima do ignominioso arquiteto da propaganda nazista Joseph Goebbels: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade.” Vamos então às entrelinhas, claro que sem reproduzi-las todas para não cansar o leitor.
Entre as mentiras e falácias contidas nos diversos textos sobre o tema emerge o “método estatístico” utilizado por seus signatários, decerto os melhores jornalistas que fazem a cobertura diária da segurança pública. O título da primeira página é um primor de sensacionalismo: UPPs completam três anos e reduzem mortes em 50%. Em seguida, vem o subtítulo em letras menores: Rio teve menos 11 mil roubos em 38 bairros vizinhos às favelas. Trocando em miúdos, até agora existem 17 UPPs no ambiente representado pelos 38 bairros, em maioria absoluta situados na Zona Sul, dentre os 160 bairros existentes na capital, excetuando-se os arremedos de comunidade que ainda não ganharam o status de bairro. Nem vou comentar sobre os 92 municípios do RJ e muito menos pretendo listar a quantidade de bairros no estado inteiro ou somente no Grande Rio, dados facilmente capturáveis na internet. Atenho-me aos 38 bairros citados e ao inegável sucesso de uma modalidade de policiamento de proximidade (nenhuma novidade) pela primeira vez tornada realidade no RJ, claro que por salutar iniciativa do atual governo e seus gestores na pasta da segurança pública. Entretanto, uma coisa é lidar com o realismo, outra é fantasiar, como vem fazendo o Sistema Globo com vistas a conquistar o mundo tendo como arma suas bolhas de sabão.
Não que as UPPs sejam efêmeras, mas sua generalização midiática, sim, é puro falsete, eis que fundada em ambiguidades e falácias estatísticas. Pior que isso, institui mecanismo adequado a um discurso unívoco que nem mesmo se baseia nos dados estatísticos do ISP recentemente contestados por um economista. Tal incômodo chegou a gerar ameaçadora notinha de processo judicial, no Ancelmo Gois, que indiretamente sugere ao economista calar a boca, como se contestar dados estatísticos do ISP fosse crime. Ora, eu, por exemplo, contesto a estatística usada como fim e não como instrumento, dentre muitos, de aferição para novos planejamentos ou correção de rumo de ações planejadas. Portanto, para mim todos que fazem uso da estatística como fim incorre em erro fundamental que um dia virá à tona como fracasso ou tragédia. Não creio, por conseguinte, que o Sistema Globo esteja sendo útil à sociedade com tanta apologia a um experimento que vem dando certo, mas é limitado na sua prática; porque, para início de conversa, depois de elogiar tanto, o jornal nem pode destacar o inverso disso, e a tendência será a de ignorar os fatos criminosos e as falhas institucionais da segurança pública para não macular os exagerados elogios. E chegam a ser hilariantes as opiniões sobre os “vícios” do velho PM em contraposição à “pureza” dos novos, como se a sociedade fornecesse à PMERJ frutos somente sadios para o exercício da atividade policial em UPPs. Ora, faça-me o favor!...
Quantos bairros existem no Grande Rio?... Sei que na capital são 160, em São Gonçalo, 90, em Niterói, 48, em Nova Iguaçu, 91. Enfim, salvo pequenas correções, somente o somatório desses municípios alcança 229 bairros. Se acrescentarmos os bairros da capital não privilegiados com UPPs, teríamos 351 bairros, isto crendo no critério do benefício indireto das UPPs indo além do ambiente específico das favelas onde estão instaladas, o que parece ser verdadeiro. Agora, medir estatisticamente a incidência ou a não incidência de crimes da forma como se nos apresenta o vasto noticiário me parece absurdo. Que elogie o modelo de UPPs, vá! Que exalte o Dr. Beltrame como um “revolucionário”, aí não! Isto é exagero, e perigoso, pode prejudicar em vez de ajudar, já que os políticos profissionais não amam a concorrência. De modo que a indagação dos entrevistadores ao governante sobre a hipótese de o Dr. Beltrame vir a ser candidato a governador não mais serviu que bela saia justa. Obrigou o governante a apontar seu candidato predileto e deslegitimar o secretário Beltrame, cá entre nós com ótimas chances de vencer todos os demais candidatos somados, a permanecer o vendaval de notícias a seu favor. Afinal ele hoje representa “A Revolução Beltrame” aludida pelo cientista político na ÉPOCA e replicada em algum ponto das matérias em comento, quando alguém afirma estar o Dr. Beltrame comandando uma “revolução” na segurança pública. Hum... Que entrelinhas!... Quem sabe não seria interessante o ilustre gaúcho tomar assento na primeira cadeira do Poder Executivo?... No fim de contas, não seria o primeiro “messias gaúcho” a conquistar tal feito em tempos recentes. E, gaúcho por gaúcho, prefiro o atual, e acho até que votaria nele se o Sérgio Cabral endossasse o seu nome. Mas, ao que tudo indica, a alusão jornalística é mais uma bolha de sabão que o atual governante vai logo estourar com lança tão enorme quanto pontiaguda. Ah, tomara que a exagerada badalação não seque a pimenteira do gaúcho...
Um comentário:
Emir você acertou em cheio. Pra não ofuscar as materias que diarimente são publicadas sobre a UPP, o jornal o Globo e a TV Globo estão omitindo as ocorrências policiais. Semana passada houve uma perseguição nas R.das Laranjeiras com tiroteio com ladrões de carros provenientes do Cerro Corá e nenhum noticiário da Globo veiculou a notícia. Saiu somente na imprensa escrita. Esta é só um exemplo.
No jornal O Globo online o fórum de comentários onde leitores postavam críticas ao governo foi fechado.
E pra finalizar quando o Hélio Saboya ex.secretario de policia civil do RJ faleceu ano passado, a Globo simplesmente disse que ele ocupou o cargo no gov.Moreira Franco. Não citou as operações mosaico em conjunto com a PF do Romeu Tuma que foi um grande avanço no combate a criminalidade no final dos anos 80. A hipótese mais provável é que se tivessem publicado um obituário decente o currículo do Hélio Saboya iria ofuscar o gaúcho Beltrame
Postar um comentário