terça-feira, 9 de agosto de 2011

Sobre a vaidade no militarismo estadual



Ó glória de mandar! Ó vã cobiça! Desta vaidade a que chamamos fama!
(Luiz Vaz de Camões- 1524//1580)






O maior problema da velhice não é o velho, mas o moço que o trata como tralha destinada ao despejo num canto qualquer para que se desintegre e suma do mundo. Incrível é que o jovem não se antevê num futuro de igual velhice, nem atenta para o fato de que muitos como ele não desembarcarão nas últimas estações da vida. Sim, o moço vive uma “juventude eterna”, não percebe a decrepitude tomando o seu corpo, embora ela se ponha evidente ante a imagem irreversível de si mesmo no espelho, ou pelo alerta de uma nova safra a lhe chamar de “tio”. Primeiro lhe assola o pânico, depois ele descamba para a irrealidade dos cosméticos tentando inutilmente burlar a velhice. Já é então um “moço-velho”...
Acresce a esta contradição o exercício do poder, capaz de cegar maduros e imaturos igualando-os em estupidez. E quando o poder se associa ao dinheiro, o “moço-velho” perde definitivamente o sentido da realidade e parte para a dissimulação da aparência, agora com artifícios cirúrgicos ocultando-lhe rugas e pelancas, que permanecem, entretanto, intocáveis do lado de dentro. Ao fim e ao cabo, seu artificioso exterior sucumbe ante a velhice real e irreversível, e o fim do “moço-velho” é se tornar um belo defunto. Mas a cultura do poder e do dinheiro associada à beleza não se esgota neste ponto: vai além e alcança a pomposidade dos túmulos, nos quais são gravados os títulos honoríficos do defunto e outras materializações da vaidade humana transmudadas para o corpo morto.
Tudo é vaidade!... E se lhe soma o orgulho, não o das boas ações, que faz bem, mas o orgulho prepotente, geralmente identificado por símbolos de exteriorização de poder e dinheiro. É o que chamo aparência de emblema ou grife, falsa imagem que vai ao caixão, se extingue no túmulo, e em pomposa lápide se finge eternizar num cemitério geralmente visitado por poucos. Ah, como disse Fernando Pessoa: “(...) O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em ação.”
Sim, vale o rótulo e não o remédio; vale o vidro talhado em cristal e não o perfume. E a essência de ambos − suas funções curativa e olorosa – perde para a forma vaidosa da apresentação, que custa mais caro. Sim, sim, vale a árvore frondosa a ocultar a floresta pantanosa! Mais que tudo, vale o poder de retaliar, eis como o vaidoso age, e se recusa a aceitar a fedentina daquilo que defeca em sanitários dourados, tal e qual o dejeto expelido atrás da moita por uma arraia-miúda, dejeto de pobre que às vezes fede menos por ser produto do nada...
O militarismo, por meio de seus símbolos pomposos, permite a vazão máxima da vaidade, e ela se torna irresistível. Como também disse o mestre Machado de Assis em conto ironizando a vaidade humana: “O alferes eliminou o homem.” E quando o militarismo decorre de imitação do original, espécie de “pirataria chinesa”, o problema da vaidade se expande à arrogância ao extremo de um Luís XIV: L'État c'est moi! Daí os excessivos paramentos que vemos nos reis e príncipes, nos imperadores e ditadores, nos militares de verdade e nos seus imitadores, estes últimos sempre almejando ser mais realistas que o rei, e para tal escopo se enfeitam como destaques de Escola de Samba.
É essa prática de militarismo que vemos em algumas instituições militares estaduais. Elas insistem na imitação deformada do autêntico militarismo, − aquele da disciplina consciente, inerente às Forças Armadas, − sem qualquer preocupação com uma identidade original e compatível com a realidade do que são no ambiente social: polícias administrativas de segurança pública. No entanto, preferem os “moços-velhos”, gestores de ontem, de hoje e de amanhã, praticar o militarismo caprichando na vaidade e na arrogância do poder, ignorando que são efêmeros depositários de uma eternidade que não lhes pertence nem a ninguém. Sim, ignoram sua única origem − são lídimos descendentes da ralé−, até que um dia se veem sem poder, e amargam a desilusão, e sofrem ante o oásis desfeito em fade-out, e morrem em indiferença até dos parentes e dos amigos que largaram para trás. Morrem sós, como, aliás, se fazem merecedores...

2 comentários:

Paulo Xavier disse...

Gostaria de antecipar meus pedidos de desculpas a todos que acessam esse blog, caso eu esteja sendo chato com meus comentários. Foram nove anos e nove meses de caserna e parece que essas coisas entram na corrente sanguinea e jamais saem, além do respeito e admiração que sempre nutri pelo mestre Larangeiras...
Estou com quase sessenta anos na carcaça e por onde passei, principalmente em ambiente de trabalho convivi com pessoas em que o orgulho e a vaidade sobressaem e isso não é próprio oficiais da PM ou de quem ocupa cargos, postos ou funções no topo; encontramos na base da pirâmide social, pessoas cuja soberba está estampada na face. Por exemplo, já trabalhei com um funcionário de função abaixo da minha, pastor protestante, que exigia que os colegas o chamassem de "Pastor". Eu simplesmente o chamava pelo seu nome de batismo e percebia que ele não gostava, porém nunca se queixou comigo. Gringos então são terríveis; trabalhei com uns que gostavam de mandar no brasileiro pelo simples fato de ser norte americano e por aí vai.
De vez em quando acontecia de eu ser chamado a atenção por algum superior hirárquico, quando eu retornava tarde da rua para jantar com minha equipe de Patamo, tipo
vinte, vinte e uma ou vinte e duas horas, eu não fazia cerimonia, íamos todos para o refeitório dos sargentos e alí fazíamos nossa refeição muitas vezes fundo de panela requentadas. Achava aquilo um absurdo, privar os cabos e os soldados de uma refeição com o sargento depois de um dia cansativo e turbulento de trabalho, tudo por causa de um regulamento arcaico e desumano.

Emir Larangeira disse...

Caro Paulo Xavier

Seus comentário só enriquecem os meus escritos. Como você deve ter percebido, eu realemente abri o leque das considerações sobre a vaidade para depois fechá-lo no meu alvo, que é a PM da qual fizemos parte por longos anos. Pior que, infelizmente, o tempo passa e nada muda no comportamento das pessoas porque os vícios vêm de fora para dentro e se fortalecem ao receberem a pitada de poder. Lembrar que é assim é o mínimo que posso fazer para tentar mudar alguma coisa ou pelo menos produzir reflexões.
Agradeço de coração suas intervenções, sempre lúcidas e coerentes. E pensar que você, bem-sucedido na profissão atual e na vida pessoal, sempre pautada pela dignidade, não serviu para ser PM.
É contra esses absurdos que me insurjo!
Abraços do amigo
Emir