segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sobre a Chacina de Vigário Geral I






Depois de conversarmos muito sobre aqueles dias, o coronel Larangeira virou-se para mim e disse: ’Mas chacina de Vigário Geral...? Eu nem me lembrava mais disso!’ – conta o diretor” (trecho da matéria publicada no Segundo Caderno do Jornal O Globo, de 29 de agosto de 2011)













Em primeira página com foto do cineasta Milton Alencar, a matéria anuncia o lançamento de documentário sobre a chacina de Vigário Geral, no dia de hoje, na sede do Tribunal de Justiça. Curioso, para não dizer tétrico, é que a mídia não se conforma em ter ajudado a produzir culpados por aquele hediondo crime e insiste nas insinuações de sempre, sendo certo que considero mais hediondo o crime do sistema situacional ao prender inocentes por meio do uso descarado de um bandido do Comando Vermelho, tratado como um príncipe para assumir depoimentos criteriosamente elaborados, os quais ele só assinou. Tudo isto, claro como água cristalina, foi acolhido por promotores de justiça e sustentado até onde eles puderam sustentar, mas se destroçou ante a realidade de que não passava de farsa. A começar pela apresentação do bandido do Comando Vermelho como “terceiro-sargento temporário do Exército e motorista de praça”, quando, na verdade, ele não passava de facínora da pior espécie e possivelmente participante da chacina, dúvida que perdura ainda hoje. A folha penal dessa criatura demoníaca é impressionante, sem falar que na ocasião ele era foragido da justiça, escapara do Presídio Edgard Costa, em Niterói, onde cumpria pena por um de seus crimes. Dentre eles, destacam-se dois assaltos a mão armada em companhia de “Chapelão”, um dos próceres do CV que assaltava bancos com “Cacalo” e Rogério Lengruber (Bagulhão), este último o líder da perigosa facção.
Hoje o documentário será lançado num lugar em que a última coisa que aconteceu foi justiça. Ou melhor, foi ali que justiçaram inocentes em conluio jamais visto nem nas piores ditaduras, tudo para atender à pressa da mídia em ver os acusados (28 policiais-militares e 03 policiais civis e 02 civis) se fornicarem. Mas bastou o início do contraditório, em sede do II Tribunal do Júri, no início atuando com base apenas no conteúdo processual produzido pelo sistema situacional (PCERJ e PMERJ) com a conivência de colegas deles, e os promotores de justiça esbarraram com a farsa, que se foi desmoronando passo a passo sem que nada pudessem fazer. E não lhes foi difícil compreender que sustentavam uma acusação contra inocentes e que os reais autores e culpados pela chacina estavam longe dali e dos autos. E foi lá que o bandido do CV se postou espetacularmente, repetindo depoimentos decorados, mas falhando deveras no seu dever de casa esquecido pela metade ou totalmente. Começou ele a se enfiar em becos sem saída e não precisou muito tempo para o próprio Ministério Público admitir a inocência de muitos dos acusados, providenciando inclusive o pedido de absolvição deles em julgamento público.
Ora, constatada a realidade de que havia inocentes acusados pelo bandido, e mais que clara a sua manipulação, o certo seria recomeçar tudo e trazer à luz a trapaça, o “Conto do Vigário Geral” (ainda escreverei um livro com este título) encetado com ares de produção cinematográfica, quiçá como deve ter feito o cineasta em comento na sua obra a ser lançada hoje. Assim deduzo por seu comentário na matéria indicando falta de isenção ao me atribuir sua inspiração na escolha do título do documentário. A começar, trata-se do contrário, eu jamais esqueci a chacina nem as trapaças que abundaram na sua elucidação. Escrevi inclusive um livro com o título “cavalos Corredores – a verdadeira história”, disponível no meu site (www.emirlarangeira@hotmail.com.br). Por outro lado, jamais me neguei a falar sobre o caso durante esses anos, demais de me interessar a apuração da verdade verdadeira, esta que, infelizmente, cairá na conta única do bandido criteriosamente manipulado pelo sistema situacional brizolista, a respeito do qual não posso deixar de elogiar o alto nível de inteligência. Porque, além de muitos, e de diversos organismos governamentais (não merecem a referência de estatais) ajoelhados ante o caudilho, armaram a mais horripilante trapaça já anotada nos anais da justiça do Rio de Janeiro. Tão bem-feita, aliás, que até hoje são esses personagens acariciados pela mídia comprada na época, como agora, a peso de ouro das publicidades oficiais neste país sem-vergonha.
Bem, o desabafo, dentre muitos outros, é para comunicar a meus leitores que recebi o cineasta em minha casa e gravamos durante muitas horas. Ocorre que o meu posicionamento somente serve de contraponto à claque organizada do poderoso "outro lado"... Sim, sou o bombo que bate em assimetria para que o som da bateria se produza e reproduza em simetria e a Escola de Samba não atravesse o canto. Sei que esse tambor é instrumento pesado, difícil de ser carregado e carece de muita força física para se manter em assimetria do início ao fim do desfile. Apesar de sua importância, porém, só ouvimos os repiques dos tamborins e das caixas pequenas imprimindo grandeza por seus sons agudos, enquanto o bombo passa despercebido. Ah, não tem problema, jamais mudei ou mudarei meu instrumento assimétrico! Porque sei que o Universo não existiria sem a assimetria tentando desequilibrar a simetria, sem, entretanto, conseguir sobrepujá-la. Se tal ocorresse, o Universo entraria em entropia e ninguém aqui estaria para contar história alguma, não haveria lembrança de nada, muito menos de chacinas. Mas eu, inversamente do que afirma o cineasta recebido em minha casa e tratado como pessoa isenta e séria (começo a duvidar e estou preparando novamente meus advogados), nunca me esquecerei do episódio. Apenas sigo lamentando a segunda chacina promovida impunemente pelo sistema situacional: a da imputação do bárbaro crime a inocentes. Porque estes tiveram suas vidas profissionais e familiares destroçadas e deles hoje restam somente cazumbis sofrendo os horrores da perseguição passada e presentemente lembrada em distorção diabólica. Quanto aos mortos de Vigário Geral, estes foram maltratados mesmo depois de mortos, pois não viram seus verdadeiros matadores presos e condenados, mas inocentes como eles respondendo pelo que não praticaram.
Ora bem, aqui encerro estas impressões gravadas somente por conta da frase do cineasta em sublinha. Deixo a favor dele, contudo, a possibilidade de a fala dele ter sido distorcida pela articulista, o que é deveras comum. E se eu falei algo semelhante é porque não me faz bem à lembrança nem a primeira chacina (dos 21 favelados) nem a segunda chacina (dos policiais-militares inocentes). Não querer lembrar é um direito meu, pois não chacinei nem ajudei a chacinar favelados nem PMs. Fui sim, e continuo sendo, chacinado por pessoas irresponsáveis que insistem em tirar proveito da tragédia alheia. E, claro, jamais me esquecerei da chacina e de seus aproveitadores, até porque aí está a prova de que chacina deve render dividendos, prêmios e outras benesses a muitas sanguessugas de plantão, especialmente dos meios de comunicação, dentre os quais os que ocupam as telinhas de tevê e cinemas com mentiras roteirizadas.

Um comentário:

NEIDE disse...
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