A impressionante quantidade de fuzis ostentados por policiais e bandidos no cotidiano dos confrontos em favelas no RJ é prova cabal de que a violência está fora de controle. Grosso modo, a permanência deste cenário de conflito urbano lembra algumas guerras e revoluções intermináveis e sem prognóstico de vencedores.
Não é preciso ir longe para perceber a disparidade de cenários. Basta comparar o RJ com São Paulo, onde os policiais ainda atuam contra o banditismo portando revólveres, pistolas, e, às vezes, escopetas calibre 12 mm ou metralhadoras 9 mm, armas que na década de 80 predominavam nas mãos de policiais e bandidos no RJ. Enfim, não se há de negar que aqui a violência se descontrolou e prolifera como erva daninha, enquanto os mandatários políticos enxugam gelo e enganam o povo determinando ações e reações de puro efeito midiático, eis que mínimas em relação à violência globalizada. É o caso das UPPs, às quais, todavia, não se pode negar valor a não ser por sua reduzida quantidade.
Não é preciso enxergar longe para constatar o sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora, que não é idéia nova, reporta-se ao primeiro comando do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, nos idos de 1983 a 1987, época em que a PMERJ se lançou com maior ênfase na prevenção e ao policiamento comunitário, ficando a repressão como elemento secundário na cultura operacional da corporação pelo menos em tese. Ocorre que não havia como mudar a mentalidade repressiva da PMERJ e o projeto do então comandante-geral desaguou em fracasso, malgrado o esforço dele nos dois períodos de comando nos quais ele insistiu em mudar a cultura operacional.
O Cel PM Cerqueira não logrou êxito na prevenção como prioridade. A repressão prevaleceu como regra e emergiu mais acirrada no governo Marcelo Alencar por conta de outro Cerqueira, General do Exército, mentor da “gratificação faroeste”. Continuando a “gangorra”, a repressão foi depois amenizada, durante a gestão do casal Garotinho (oito anos consecutivos), período em que novamente se deslocou o foco da PMERJ para a prevenção, até que, no governo Cabral, novamente a repressão se destacou em surpreendente ênfase. Contudo, enfiado num beco sem saída do seu indefensável “enfrentamento” (veementemente apupado pela opinião pública), Cabral ressuscitou o projeto original de policiamento comunitário concebido pelo Cel PM Cerqueira na década de 80. Denominou-o UPP, agora com ênfase na “pacificação”, em hábil guinada política que contou com a competência e a dedicação dos gestores da segurança pública, justiça lhes seja feita.
Nada disso, porém, minimizou a violência exposta como grave fratura pela ostensividade das armas de guerra em mãos de policiais e bandidos, a ponto de traficantes abaterem um helicóptero da PMERJ sobre o céu favelado ceifando a vida de policiais, em reedição dos helicópteros norte-americanos abatidos no Vietnã e em outros confrontos bélicos. Enfim, o RJ é um indiscutível cenário de guerra urbana longe de ser vencido. Pelo contrário, as notícias de violência não saem das primeiras páginas dos jornais e da telinha da tevê, mescladas por infrutíferas tentativas da imprensa no sentido de melhorar a imagem do RJ. Divulga dados estatísticos como “metas alcançadas para inglês ver”, porque os dois eventos milionários, já atolados em denúncias de corrupção em larga escala, não podem se perder no outro atoleiro da violência urbana.
Esta é a realidade que as autoridades públicas e a mídia local tentam ocultar sem sucesso, pois os escândalos são tão contundentes que não se consegue amenizá-los. Ainda bem que existe a pressão dos meios de comunicação de São Paulo divulgando notícias ruins escamoteadas pela mídia local em vista de outros interesses financeiros representados pelas polpudas verbas publicitárias governamentais. Não fosse a pressão de fora, o povo fluminense ficaria sem saber que a violência grassa aqui como praga, exceto nas pouquíssimas favelas onde instalaram UPPs para garantir um mínimo de segurança em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Se as UPPs funcionarão com sucesso até a ocorrência desses eventos, não sabemos, pois é certo que os incidentes se acumulam nessas localidades, mas são espertamente escamoteados, com a mídia local divulgando apenas os mais aberrantes...
Eis a dura realidade a assolar a população fluminense, que, se lhe não bastasse, sofre também em virtude da violenta campanha de vigilância e punição deflagrada pelos poderes executivos dos Municípios e do Estado. Refiro-me aos “pardais” insidiosamente espalhados em vias urbanas e estradas: emboscadas fixas e móveis que abatem cidadãos usuários de veículos com pesadas multas e perda da carteira habilitação. Quanto a esses “pardais”, é o cúmulo do absurdo a ganância do Poder Executivo, que ignora o cidadão e só o vê como fonte de renda, enquanto seus gestores nadam tranquilamente no mar de lama da corrupção desbragada. É roubalheira em tudo que lugar: Prefeituras, Câmaras Municipais, Secretarias de Estado, Assembleia Legislativa e algures, inclusive alcançando o governante a passear em condenável mordomia com ricos empresários ganhadores de suspeitas licitações. Esses beneficiados pelo erário público não poupam nem as calamidades; não respeitam o sofrimento de famílias ante o ferimento, a morte e o desabrigo consequentes das enxurradas e dos deslizamentos de encosta. Como diria o ilustre jornalista Bóris Casoy: “Isto é uma vergonha!”
Cabe, neste ponto, indagar: “Que democracia é esta? Que Estado de Direito é este?” Ora! Não há nenhuma diferença do agora com o período do regime militar, este, pelo menos, mais honesto ou discreto. Porque as atuais trapaças no sentido de surrupiar as exaustas algibeiras da população se desdobram em novas trapaças. Contam os espertalhões com o histórico conformismo da sociedade brasileira, acostumada a ser exaurida em suas riquezas desde os tempos coloniais (ouro, diamantes, café, açúcar, pau-brasil etc.), de tal modo que os financistas (dominadores) de hoje são descendentes dos poderosos de ontem, que dominavam o poder estatal na base do dinheiro. E todos são ávidos por mais dinheiro, e enricam ilegalmente nas barbas daqueles que os deveriam punir, mas que também se locupletam na calada dos dias e das noites. Sim, eles não se afogam no mar de lama; são grãos do mesmo saco, frutos do poder financeiro e dos sobrenomes “socialites”... E assim a violência segue em indiferença, enquanto os pobres ficam mais pobres e numerosos e os ricos ficam mais ricos e poderosos sem que aumentem em quantidade. São sempre os mesmos, situam-se no pico da pirâmide social esses autênticos fomentadores da violência global, que inclui a criminalidade do colarinho branco, dela não se descartando o transnacional tráfico de armas e drogas. Cá pra nós, onde essa violência vai parar?...
Um comentário:
Mais uma vez, parabéns Cel Larangeira pela intrepidez e ousadia. Infelizmente vem mais denúncias por aí, algumas estão quentes, quase saindo do forno, portanto aguardem. Não seria louco de contar o que eu soube aqui, adoro viver, e como diz Chico Buarque: A coisa aqui tá preta/e a gente vai levando só de birra, só de sarro...
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