quarta-feira, 22 de junho de 2011

HORA DE MUDAR IV



Leitura de feriado: um retrospecto histórico

A propósito da polêmica sobre a desmilitarização dos Corpos de Bombeiros no Brasil, é imperioso tornar à origem do que hoje acontece, mesmo que superficialmente. Antes de 1964, havia um emaranhado de organizações de bombeiros estaduais, territoriais e municipais. Mas os militares federais detentores do poder ditatorial, preocupados em controlar rigidamente as Polícias Militares dos Estados-membros, inseriram na preocupação os Corpos de Bombeiros Militares, como se depreende do teor do Decreto-Lei nº 667, de 2 de junho de 1969:

DECRETO-LEI Nº 667, DE 2 DE JULHO DE 1969.

Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando das atribuições que lhe confere o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,

DECRETA:

Art 1º As Polícias Militares consideradas forças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste Decreto-lei.
Parágrafo único. O Ministério do Exército exerce o controle e a coordenação das Polícias Militares, sucessivamente através dos seguintes órgãos, conforme se dispuser em regulamento:

(...)

Art 26. Competirá ao Poder Executivo, mediante proposta do Ministério do Exército declarar a condição de "militar" e, assim, considerá-los reservas do Exército aos Corpos de Bombeiros dos Estados, Municípios, Territórios e Distrito Federal.
Parágrafo único. Aos Corpos de Bombeiros Militares aplicar-se-ão as disposições contidas neste Decreto-lei. (Redação dada pelo Del nº 1.406, de 24.6.1975)

Ressalvado o vocábulo “militar”, entre aspas, como está no Decreto-Lei, e à guisa de esclarecimento, havia na época muitos Corpos de Bombeiros civis (municipais), o que não acontecia com as Polícias Militares estaduais. O supracitado Decreto-Lei foi então regulamentado pelo Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983 (Regulamento Para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares – R.200), destacando-se a parte que se refere aos Corpos de Bombeiros:

Art. 44 - Os Corpos de Bombeiros, à semelhança das Polícias Militares, para que passam ter a condição de "militar" e assim serem considerados forças auxiliares, reserva do Exército, têm que satisfazer às seguintes condições:
1) serem controlados e coordenados pelo Ministério do Exército na forma do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, modificado pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento;
2) serem componentes das Forças Policiais-Militares, ou independentes destas, desde que lhes sejam proporcionadas pelas Unidades da Federação condições de vida autônoma reconhecidas pelo Estado-Maior do Exército;
3) serem estruturados à base da hierarquia e da disciplina militar;
4) possuírem uniformes e subordinarem-se aos preceitos gerais do Regulamento Interno e dos Serviços Gerais e do Regulamento Disciplinar, ambos do Exército, e da legislação específica sobre precedência entre militares das Forças Armadas e os integrantes das Forças Auxiliares;
5) ficarem sujeitos ao Código Penal Militar;
6) exercerem suas atividades profissionais em regime de trabalho de tempo integral.
§ 1º - Caberá ao Ministério do Exército, obedecidas as normas deste Regulamento, propor ao Presidente da República a concessão da condição de "militar" aos Corpos de Bombeiros.
§ 2º - Dentro do Território da respectiva Unidade da Federação, caberá aos Corpos de Bombeiros Militares a orientação técnica e o interesse pela eficiência operacional de seus congêneres municipais ou particulares. Estes são organizações civis, não podendo os seus integrantes usar designações hierárquicas, uniformes, emblemas, insígnias ou distintivos que ofereçam semelhança com os usados pelos Bombeiros Militares e que possam com eles ser confundidos.

Ressalvando o vocábulo “militar” novamente entre aspas, como está no Decreto, o ano de 1969 marcou outros absurdos conjunturais relativos às Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares. Refiro-me à Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro daquele ano, que reescreveu a Constituição Federal de 1967. Sobre as instituições estaduais, na letra v, parágrafo único do no Inciso XVII do Art. 8º (“Compete à União”), grafaram:

“v) organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das polícias militares e condições gerais de sua convocação, inclusive mobilização. Parágrafo único. A competência da União não exclui a dos Estados para legislar supletivamente sobre as matérias das alíneas c, d, e, n, q e v do item XVII, respeitada a lei federal.”

Sim, claro, “respeitada a lei federal”, e no parágrafo quarto do Inciso IX do Art. 13 (Capítulo que trata dos Estados e dos Municípios), emerge a pérola de discriminação:

“§ 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para postos e graduações correspondente no Exército.”

Para completar esse raciocínio, e ainda com o foco na Emenda Constitucional nº 1, Encontramos no Art. 89 (“Ao Conselho de Segurança Nacional compete”), Seção VI (“Das Forças Armadas”):

“(...) Art. 91. As Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, destina-se à defesa da pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem.”

De lá para cá, pouco se mudou quanto às corporações militares estaduais, como se depreende da leitura da CRFB promulgada em 1988:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;
(...)
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Como se vê, foi excluída a parte referente “à execução da política de segurança nacional” e se notam poucas alterações no novo texto (Art. 142), embora significativas, pois antes não se considerava a possibilidade de nenhuma iniciativa dos poderes constituídos para as Forças Armadas agirem: “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais (em lugar de “constituídos”) e, "por iniciativa destes, da lei e da ordem”.
Já com referência ao controle dos militares estaduais pela União (entenda-se Exército), pouco ou nada mudou, cabendo, todavia, entender que os Estados-membros, ainda hoje, não têm autorização para legislar atropelando a legislação federal. Mas é o que o RJ vem fazendo, ou seja, ignora a legislação federal e manipula a seu bel-prazer as corporações militares estaduais ante o silêncio da União (entenda-se, primeiramente, Exército Brasileiro, que, por sua vez, ignora a existência de suas “forças auxiliares reserva”). Enfim, diante de tal constatação, conclui-se que é hora ou já passou da hora de mudar. Pelo menos, é hora de deixar de ser “força auxiliar”, que lembra a “força mercenária” de Maquiavel...
Mas, tornando ao ano de 1969, foi quando começou a batalha dos Corpos de Bombeiros estaduais pela independência em relação às Polícias Militares, enquanto os Corpos de Bombeiros municipais, em contrário, esforçavam-se para abrigar-se nas Polícias Militares, com estas igualmente interessadas em absorvê-los em seus quadros. No antigo RJ a situação se tornou hilariante com a fusão desses Corpos de Bombeiros municipais com a antiga PMRJ, os bombeiros municipais escolhendo às pressas seus postos e graduações mais pelo efeito estético do uniforme que por conhecer alguma hierarquia militar. Cá pra nós, muitos estranhavam o alfabeto... Sim, muitos deles desconheciam totalmente o valor das patentes e graduações, de tal modo que superiores hierárquicos se tornaram militarmente subordinados a seus antigos comandados.
Como os Corpos de Bombeiros municipais eram independentes entre si, não foi raro um bombeiro inexperiente, novo de idade, porém arguto, lá de Campos, fardar-se de tenente e emplacar-se como tal na PMRJ, enquanto um experimentado bombeiro de Niterói, mais velho e menos esperto, escolhia ser sargento (por achar as divisas mais pimponas), integrando-se então como subordinado ao novato na estrutura abruptamente acoplada à Polícia Militar.
Nem vou comentar a confusão ao se escolher entre as três graduações de sargento, com alguns preferindo as “três lagartixas” de terceiro-sargento por entendê-las mais elegantes; e outros, enfurecidos, reclamando de lhes terem sobrado apenas as “cinco lagartixas” de primeiro-sargento, sendo certo que poucos quiseram ser tenentes porque eram identificados por um insignificante galão de lata no ombro. E nesse imbróglio (na capital não houve confusão, pois o Corpo de Bombeiros era já militar e organizado segundo os padrões exigidos pelo Exército Brasileiro) mergulhou o CBMERJ, que, em 1975 (Fusão da GB com o RJ), absorveu a estrutura de bombeiros da antiga PMRJ, recebendo nos seus quadros aqueles “militarizados” nos moldes aqui sublinhados.
Sobre o militarismo do CBMERJ, extrai-se a sua origem dos anais disponíveis na internet (www.defesacivil.rj.gov.br), talvez razão da preocupação do Exército Brasileiro em passar a também controlar essas organizações Brasil afora:

“(...) O Decreto Imperial nº 7.766 de 19 de julho de 1880 dá ao Corpo de Bombeiros uma organização militar e são concedidos postos e graduações aos militares, bem como o uso das respectivas insígnias. Em 31 de dezembro de 1887, o Dec. nº 9.829 é aprovado estabelecendo o regulamento que alterava a denominação de alguns cargos e criava o Estado-Maior, tornando a organização da Corporação semelhante às das corporações de linha no Exército. (...) Voluntários da Corporação, mais de uma centena juntaram-se às tropas do Império e atuaram bravamente na Guerra do Paraguai, escrevendo uma página gloriosa no ano de 1865. Nesse ano o Corpo de Bombeiros recebeu a sua primeira bomba a vapor. (...) No ano histórico de 1889, o Corpo de Bombeiros participou ativamente da proclamação da República, ao lado das tropas revolucionárias, saindo do Campo da Aclamação e se juntando a estas próximo à Casa de Deodoro. Foi também incumbido da guarda ao Senado Federal.”

Pelo que se depreende, não há dificuldade de perceber a brutal diferença entre o que representam as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares no contexto do militarismo pátrio: todos são acessórios do poder militar real e indiscutível do Exército Brasileiro, situação reforçada a partir de 1964. Claro que o Corpo de Bombeiros do RJ deve ter sido um alvo preferencial por ter sido coadjuvante desde antes na defesa da pátria na Guerra do Paraguai e demais eventos históricos havidos no Brasil, incluindo a Proclamação da República. Daí se compreender a insistência dos integrantes do CBMERJ (principalmente dos oficiais) em manter acesa a chama do militarismo, que, decerto, não será apagada por nenhuma mangueira intramuros de seus quartéis.
Contudo, e no geral, talvez coubesse uma pesquisa interna, protegendo a identidade dos bombeiros-militares e dos policiais-militares, para se saber se eles desejam ou não continuar “militares”. Afinal, numa democracia todos devem ser ouvidos e não cabem mais atropelos ideológicos contra as instituições militares estaduais (PM ou BM), e, sim, a identificação do melhor modelo de segurança pública para a sociedade brasileira, sendo certo que, constitucional e doutrinariamente, os Corpos de Bombeiros são organismos de segurança pública tanto quanto as Polícias Militares e as Polícias Civis estaduais.
Não significa tal assertiva defender nenhum militarismo nos dois casos (PM e BM), pois a hierarquia e a disciplina não são atributos de organismos militares, mas de toda a sociedade e seus segmentos, sejam públicos ou particulares. Portanto, afirmar que a hierarquia e a disciplina funcionam melhor no militarismo é pura falácia etimológica. Por outro lado, não cabe associar militarismo a porte de arma, direito genérico dos cidadãos brasileiros idôneos, dentre os quais se incluem os bombeiros-militares, que, se assim o desejarem, podem e devem de portar arma de fogo na folga para proteger a si e sua família. A não ser que alguém presuma, em brutal preconceito, que ser bombeiro-militar significa não ser cidadão brasileiro idôneo ou que vá usar sua arma para “integrar milícia”...

2 comentários:

brigadaluz disse...

Projeto que anistia bombeiros militares do Rio de Janeiro, punidos por participarem de movimento no dia 1º de junho, por melhoria salarial, foi aprovado nesta quarta-feira (22) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em decisão terminativa . Conforme explica o autor da matéria, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), a proposta visa dar base legal a entendimento no mesmo sentido, adotado pelo governo do estado.
Em seu voto favorável, o relator, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), explica que a anistia prevista no PLS 325/2011 segue a Lei 12.191/ 2010, que também concedeu anistia a policiais e bombeiros militares do Rio Grande do Norte, Bahia, Roraima, Tocantins, Pernambuco, Mato Grosso, Ceará, Santa Catarina e Distrito Federal, igualmente punidos por participarem de movimentos reivindicatórios.
Para Crivella, o movimento do Rio de Janeiro, por envolver cerca de 1,3 mil bombeiros, faz com que esse seja um problema "no campo do interesse público". Para ele, a manifestação realizada no início do mês se justificou pelas dificuldades enfrentadas pelos militares.
- O segundo estado mais rico da federação pagava o mais baixo salário do país - afirmou Crivella.

O congresso sai na frente!!!

Brigada de Luz.

Anônimo disse...

HORA DE MUDAR IV

Finalizou com EXCELÊNCIA, nunca houve exposição de pensamentos semelhantes a esses, falou tudo meu Ten Cel.

E que caiam por terra todas essas linhas de conceitos expostas por esses FALSOS MORALISTAS.