segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Beltrame o que é de Beltrame II




Foi excelente o desdobramento jornalístico decorrente da entrevista do Dr. José Mariano Beltrame, digno Secretário de Segurança Pública do RJ. A sucessão de oitivas, porém, foca tão-somente uma face da moeda e omite a outra representada pelos policiais-militares, principais atores da peça denominada UPP. Nas abordagens várias, em pontos diferentes do jornal, como se pode observar, foram ouvidos representantes de entidades faveladas e do asfalto, cientistas políticos, autoridades públicas da Capital e do RJ, mas até agora nenhum dirigente da PMERJ foi instado a dar uma pincelada na realidade enfrentada por seus integrantes.
Na sucessão de boas opiniões, porém, todos concordam que o trabalho da PMERJ carece de complementação, do governante ao cidadão mais humilde. Mas o PM é mais uma vez esquedo... Também se nota que os dignos representantes societários se limitam à crítica a essa ou aquela medida governamental, em especial à mais absurda delas: considerar a favela como bairro por decreto, olvidando seus autores a realidade do povoléu morador em barracos inacessíveis. É, com efeito, muita hipocrisia, e deve ser denunciada, sim! Mas os societários não sugerem para si nenhuma participação ativa no sentido de transformar a favela num bairro como o deles.
Ressalta-se em importância a opinião dos cientistas sociais, com sublinha para o perigo apontado pelo sociólogo Ignácio Cano (sic):




"Acho importante que um policial faça essa reflexão, quando tradicionalmente a Secretaria de Segurança não tinha essa preocupação. Mas esse investimento social não pode ser exclusivo das áreas com UPPs. Se não for estendido a todas as comunidades, há o perigo da desigualdade aumentar."



Refere-se o sociólogo ao Dr. Beltrame, e eu acrescento por minha conta o perigo de isolar o PM da discussão sobre a desigualdade, já que ele é vítima de desigualdade na própria Carta Magna, eles de ator nesse cenário específico das UPPs junto com o favelado. Mas pertence a um mundo impenetrável: os quartéis. Lá, intramuros, só lhe cabe o cumprimento de ordens e o comparecimento ao serviço segundo suas escalas, diferentemente do início do funcionamento das UPPs, em que eram exaltados como principais responsáveis pelo sucesso da ação policial, gerando matérias espetaculares, inclusive em revistas, não sem desqualificar os PMs do trabalho de rotina, geralmente situados como suspeitos de “vícios profissionais”, dentre os quais o da idade e do tempo de serviço. Em resumo, o PM da UPP há de ser jovem e formado nos padrões atuais dos “direitos humanos” e do “respeito à cidadania”, como se os velhos PMs sejam preconceituosos quanto a esses importantes aspectos sociopolíticos. Ora!... Tratamento desigual mais descarado, juro que desconheço!...
Ora bem, o assunto avança, e devo insistir na oitiva dos PMs, não somente dos dirigentes, mas da tropa comum (“desqualificada”) e daquela considerada “excelente para as UPPs”. É preciso que a sociedade saiba o que está pensando o PM de um lado e do outro; é imprescindível que os cientistas sociais atentem para o fato de que não adianta apostar no sucesso de um grupo humano se ele é deliberadamente afastado das discussões e seus anseios e valores são solenemente ignorados. Vou mais longe: cabe à imprensa ouvir os dirigentes e a tropa, mesmo que, para tanto, seja impelida a pressionar os primeiros, que, na condição de superiores hierárquicos, preferem quase sempre silenciar a base da pirâmide para externar como verdade o inverso dela apenas para sintonizar seus discursos com os do poder político reinante.
O Dr. Beltrame, por ser civil e independente, “chutou o balde” e centrou a discussão em pontos críticos como os desdobrados pelo Jornal O Globo de hoje. Falta agora à PMERJ “agarrar o balde”, como um goleiro, entupi-lo de anseios e valores internos ainda desconhecidos do público e depois mandá-lo de volta em outro chute. Pois é certo que o Dr. Beltrame, embora seja o respeitável dirigente da segurança pública, também ignorou a importância do papel da PMERJ sob o seu aspecto humano, como aqui ressalto não sem desânimo.
Por fim, relevo mais uma notícia do mesmo jornal (página 14 – RIO) sobre uma escaramuça neste fim de semana na Favela Para-Pedro, em Colégio, Zona Norte da Capital. Seis pessoas morreram e três foram feridas em decorrência de disputa pelo controle de pontos de drogas entre traficantes locais e um grupo de invasores homiziados nos morros da Pedreira e da Quitanda, em Irajá. Tal evento me permite mais uma vez, sem ufanismo, relembrar o trabalho conjunto do nono batalhão, sob meu comando, e da 40ª DP, dirigida pelo ilustre delegado de polícia Wilson Vieira, ocasião em que implantamos um arremedo de UPP na favela, livrando-a permanentemente do domínio de bandidos.





Bolha de sabão, sim (bastou haver um segundo tempo de brizolismo para um novo comandante desativar o policiamento e os bandidos retornarem matando alguns moradores que apoiaram suas expulsões), mas prova inconteste de que desde aquela época era possível expulsar bandidos libertando comunidades assoladas pelo tráfico. Portanto, e mesmo com as pompas e circunstâncias de hoje, a conquista e a ocupação de comunidades dominadas pelo tráfico não é nenhuma novidade para a PMERJ. Do mesmo modo, não será surpresa se amanhã as UPPs ingressarem num processo entrópico irreversível, não por vontade política de algum novo governante desafeto do atual (absurdo corriqueiro na política brasileira), mas por óbices não detectados e corrigidos a tempo. Pois é assim com os sistemas, especialmente com os sociais, cuja pressão ambiental que recebem é máxima e nem sempre passível de controle.

Um comentário:

Jorge da Silva disse...

Caro Larangeira,
Acaba de ser descoberta a pólvora: não se resolve questões sociais com polícia.
No caso das "favelas" (questão específica que se arrasta há mais de um século), precisaríamos dos préstimos do Super-Homem para, invertendo a rotação da Terra, como no filme, fazer voltar o tempo. Pediríamos a ele para ir até 1888/89. E então, alguém preocupado com "o social", ploclamaria a República.