segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sobre o avanço das UPPs

Uma visão otimista e realista


UPP de Chapéu Mangueira e Babilônia




O sistema UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) conta hoje com bem-sucedidos subsistemas instalados em favelas. Seus reflexos imediatos e mediatos na contenção do crime são alvissareiros. A migração de traficantes é bem menor que a alardeada como preocupação de grande porte (até por mim, assumo aqui a mea culpa) e muitos jovens delinquentes estão tendo a chance única de libertação dos grilhões que os aprisionavam, a medo da morte, ao submundo do crime. Porque impossível é pensar, numa localidade dominada pelo tráfico, algum membro de quadrilha se resgatar por si mesmo ou ser resgatado para a vida honesta sem o risco de retaliações extremas. Ao arrependido resta apenas a certeza de que a saída é a morte ou a prisão. Mas eis que surgem as UPPs em projeto audacioso de mudança da rotina do policiamento em favelas. Da repressão sistemática e violenta em incursões aleatórias, partiu a PMERJ para a ação planejada de conquista e ocupação dos territórios dominados, libertando-os literalmente, ou seja, livrando as populações faveladas do jugo de traficantes, dele também salvando um exército de adolescentes sem oportunidade de emprego. Talvez até alguns pudessem desfrutar de vida melhor, mas a larga porta de entrada do tráfico, ilusoriamente atraente, mantém-se trancada. E não há saídas senão as mencionadas: prisão ou morte.
O sistema UPP é estimulante em todos os sentidos. Não há mais risco de erro em admitir tão grata realidade, especialmente em vista da chance de os traficantes sem antecedentes mudarem de vida. As UPPs são a porta da esperança que, como mágica, abre os escaninhos obscuros do crime e deixa entrar o sol da liberdade. Não se há de negar que talvez esse fenômeno, espécie de ressocialização extramuros das prisões, aqui tratado superficialmente, tenha igual valor ao da libertação dos cidadãos favelados em geral.
Rendo-me, portanto, ao otimismo. Insisto em situar as UPPs como subsistemas de um sistema inovador que está a proporcionar, pela primeira vez, a prevenção do crime nas favelas como regra e a repressão como exceção. E, em se tratando de sistema, afloram circunstâncias conceituais e práticas no mínimo englobando o ambiente, a entrada dos insumos, o processamento, o resultado (saída) e a retroalimentação incorporando aquele resultado a um novo ambiente de entrada, círculo virtuoso que permitirá a homeostase (equilíbrio) do sistema, de modo que não ocorra sua entropia (degeneração).

Fonte: Internet (Wikimedia Commons). Autores: Marcelo Evandro Johnsson e Walter P. F. Filho


Fixo-me na retroalimentação (feedback) como fundamental porque diagnostica os resultados, estes que produzirão novos insumos ambientais, cabendo ao observador corrigir rumos em processo dinâmico e permanente. Pode parecer complicado, mas boa parte desses resultados está sendo diretamente percebida, como a diminuição dos delitos conexos ao tráfico no entorno das favelas. Deixando de ser homizio de bandidos, as comunidades ocupadas por UPPs não mais servem de depósito impune a estimular novos crimes, especialmente o furto e o roubo de carros e motos, demais de receptações diversas. Também as UPPs não mais permitem a ação do tráfico com ostentação de armas de guerra por insolentes bandidos. De uma só tacada, as UPPs oxigenaram ambientes altamente poluídos pela criminalidade.
Não significa, entretanto, que todo esse êxito institucional vá erradicar a criminalidade nos ambientes policiados por UPPs. O crime é doença mundial crônica, e os criminosos proliferam na medida do aumento populacional e da impunidade. Daí sobrelevar o acompanhamento dos subsistemas localizados e de suas circunvizinhanças para que as ações policiais, como variáveis independentes, influenciem na contenção do crime, vista como variável dependente desse sistema policial globalizado (o todo maior que a soma das partes).
A transformação da realidade em dados de análise e o estabelecimento de novos paradigmas de diminuição da incidência criminal requerem, como imperiosa providência, a visão das UPPs não como entes isolados, mas como subsistemas interagentes, interatuantes e inter-relacionados em vista de objetivos globais, intermediários e específicos passíveis de comparação com os resultados esperados. Mais ainda: que esses dados produzidos em detalhes formem um conjunto de conhecimento a ser processado em função de objetivos e resultados reavaliados e reincorporados ao ambiente gerador de insumos: a retroalimentação. De resto, é só festejar a expressiva vitória do sistema UPP, traduzida pela libertação dos ordeiros cidadãos favelados e pela oportunidade de trabalho honesto aos jovens egressos do tráfico, iniciativa que deve ser estimulada pelo estado e pela sociedade.
Sobre o esvaziamento do contingente de traficantes em função do agradável fenômeno do retorno à vida ordeira de muitos dos envolvidos, deve-se atentar para o fato de que o crime organizado não difere do modelo piramidal de poder que permeia a tessitura social. No fim de contas, os segmentos sociais no modelo capitalista (e também, sem retórica, no socialista) são todos piramidais, ou seja, sempre há poucos abocanhando a mais-valia em detrimento de muitos desfavorecidos. Daí a constatação do luxo favelado concentrado no topo da quadrilha, contrastando com a miséria onde a maioria dos pequenos traficantes se confunde com os cidadãos favelados. Enfim, todos afetados pela carência e apenas destacados com alguns tênues símbolos de poder (cordões de ouro ou prata e arma) e um ganho que não ultrapassa a subsistência. Na verdade, quem conhece o funcionamento do tráfico em favelas sabe que a maioria dos envolvidos recebe mixaria, enquanto a minoria controla a dinheirama e dela desfruta em arrogância de senhor feudal. Para a maioria, portanto, a UPP está significando uma autêntica libertação.
Por outro lado, saindo do otimismo e adentrando o realismo, sobrelevo em impertinência a necessidade de atenção com a retroalimentação do sistema. Significa diagnosticar anseios e valores institucionais (anseios e valores do contingente empenhado em UPP) e anseios e valores sociais e comunitários, de modo a adequá-los a objetivos renovados e ao alcance de resultados ótimos. É com espírito realista que distingo comunidade (caracterizada pela solidariedade orgânica) de sociedade (caracterizada pela formalidade e pela indiferença do indivíduo em relação ao outro). Sei que deformo levemente os ensinamentos da Ciência Política ao radicalizar o conceito de sociedade, mas na minha visão polêmica é assim que enxergo a realidade.
Neste ponto é de se indagar em que segmento se situa o contingente policial-militar, nitidamente formal, porém oriundo da comunidade (periferia e favelas), uma inegável contradição. Esses contingentes comunitários de PMs acostumados a servir à sociedade, no asfalto, está hoje nas favelas em meio aos seus iguais comunitários, aparentemente um fator facilitador das interações entre PMs e favelados. Contudo, as relações de poder não funcionam tão romanticamente assim; conflitos vários e dissociados do tráfico acontecerão nas favelas, bem como alguns delitos estarão desordenando o ambiente favelado e seu entorno, o que demandará a necessidade de repressão, sempre geradora de efeitos colaterais negativos.
Equilibrar (pela homeostasia) ambiente tão incerto e tendente à turbulência nos remete a um sistema de difícil globalização, mas não impossível, o que releva, sobretudo, a retroalimentação. Nela está a identificação dos ingredientes sociais, políticos, legais, ilegais etc. que se integrarão à receita da entrada para serem processados, assim gerando, na saída do sistema, a fornada de resultados a serem novamente incorporados como insumos, sendo certo que não existe uma folha exatamente igual a outra nem na mesma árvore.
Esta visão realista não desmerece o valor das UPPs como sistema aberto e inovador na segurança pública, sendo certo que o mérito da ideia pertence a muitos anônimos integrantes da PMERJ e da cúpula da SSP, para que se faça justiça inclusive ao passado. Porque as UPPs decorrem de princípios sobejamente conhecidos, porém não assumidos por administrações anteriores, o que, por amor à verdade, devo reconhecer. Faltava apenas vontade política, e ela emergiu curiosamente após uma operação repressiva ("política enfrentamento") no Complexo do Alemão. O resultado foi considerado desastroso. Mas isto é quase passado. Digo quase porque falta muito caminho a percorrer. Porém agora sabemos ser possível ofertar a prevenção aos cidadãos favelados, e este é um caminho sem volta que não pode falhar como ocorreu com as tropas napoleônicas em território russo: avançaram em excessiva euforia esquecendo-se dos rigores do inverno e da
logística de retaguarda...

Obs.: as palavras e expressões em itálico são conceituais. Não pertencem ao conhecimento exclusivo deste autor.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sr. Emir Larangeira. boa noite.

é verdade que a upp é uma espécie de laboratório da reforma na pm?existe a possibilidade da upp cair em maos erradas, como nao cansa de dizer o diretor de tropa de elite? mas isso seria um fim político para aquele que assim permitir...a nao ser que se coloque a culpa na pm e nao nos escolhidos aos cargos de comando...é verdade que um ten agora ganha 4000? e se sair a pc 300 a vida vai melhorar, eu acho.

Emir Larangeira disse...

Prezado anônimo

1. A UPP não é nenhum laboratório. É um modelo operacional que se apresenta como novidade apenas pela permanência do policiamento preventivo nas favelas, o que jamais ocorreu antes. Antes, para favelado era só repressão. As UPPs resulotam de decisão corajosa, e creio que não mais recuará. Claro que a progressão será lenta depois de um tempo em razão dos meios materiais e humanos. Aí reside o risco, pois a PMERJ depende dos governantes para suprir esses meios. A falta deles poderá prejudicar o avanço das UPPs e a corda costuma rebentar do lado mais fraco...
2) Não sei quanto ganha um tenente, mas deve ser próximo desse valor, lembrando que há segundo-tenente e primeiro-tenente... Se aprovarem a PEC 300 a vida vai melhorar, sim. O problema é que os políticos, via de regra, não querem que a vida do policial melhore...