terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre a diminuição do número de mortos em confrontos



















Símbolo do sofrimento policial: parente de PM morto em confronto com marginais


Apenas sugestão


Há no sistema tráfico1, posto aqui como variável dependente2, quatro subsistemas (variáveis independentes) que lhe dão vida. São eles: traficante, arma, droga e usuário. Excluindo o usuário por razões óbvias e enfraquecendo um dos três que restaram, a tendência do sistema tráfico é ingressar num processo entrópico, sem, entretanto, degenerar totalmente. Porque sem traficantes não há tráfico, mas sempre existirão traficantes potenciais; sem drogas não há tráfico, mas sempre haverá a oferta em razão da demanda e do fato de que ela é oriunda de manancial transnacional inesgotável; sem armas, mesmo claudicadas as outras duas variáveis independentes o sistema tráfico sobreviverá, embora em menor potencial de violência, pois é a arma que induz ao uso quem a carrega, aumentando o número de feridos e mortos por PAF. Portanto, das três variáveis independentes a primeira a ser reprimida é a arma, seguindo-se-lhe a droga e, finalmente, o traficante.
Uma política de segurança pública contra o tráfico de drogas restrita aos três subsistemas, mas priorizando armas e drogas, naturalmente resultaria na diminuição dos confrontos e abalaria o sistema tráfico na ponta da linha. A ideia é a de que o tráfico de drogas jamais desaparecerá do ambiente, mas será menos letal se o alvo não for o traficante. Sim, este apenas deve ser indiretamente combatido como consequência da priorização dos outros dois subsistemas de mais fácil localização e identificação (armas e drogas), o que implica a ampliação e o aprofundamento das atividades de inteligência voltadas para esse fim. Prender traficantes não deve ser tão importante quanto desarmá-los ou deixá-lo sem a droga, cuja venda gera ganhos e facilita a aquisição de novas armas.
Numa visão pragmática, é fácil concluir que o traficante é a variável independente de menor valor entre as três. Por outro lado, é o obstáculo mais difícil e arriscado de se transpor, tendo em vista sua imediata capacidade de reação e regeneração. Focalizar o traficante como alvo prioritário de ações policiais produz o aumento do número de mortos de ambos os lados da contenda polícia-tráfico. Na verdade, festejar a prisão de traficantes tornados “vilões” não transforma em “herói” quem o prendeu. Isto é perigosa ficção e eu sou exemplo vivo desta hipocrisia político-midiática: fui tornado “herói” por ter aprisionado o traficante Cy de Acari (o “vilão”), e depois apupado como “vilão” por ter aprisionado o traficante Cy de Acari. A incongruência midiática me lembra Sócrates falando aos Trinta Tiranos: “Estou sendo condenado por crer em deuses em vez de crer em deuses”...
Sensacionalismo à parte, um plano de combate ao tráfico na ponta da linha deve evitar escaramuças de pequenos grupos policiais contra traficantes igualmente fracionados em pontos de comércio da droga (as bocas de fumo e seus “aviões”, “vapores” e “soldados”, estes últimos invariavelmente armados). A tendência, nesses casos, é a do confronto entre duas forças que se julgam entre si superioras, quando, na realidade, se equivalem. Numa alegoria, colocar dois lutadores num ringue presume equilíbrio de forças a estimular o combate entre eles.
A PMERJ costuma exigir das Unidades Operacionais (UOp), dentre outras imposições, a apreensão de armas e drogas e a prisão de traficantes. Deste modo, impõe a repressão em vez de estimular a prevenção, esta última sempre abalada pela falsa impressão de que, se não houve ocorrência a registrar, o patrulhamento “não fez nada”... Eis a pressão despachada para o subsolo das UOp (praças), e a repressão então se torna “questão de honra” e personifica a disputa entre o “herói” e o “vilão”. Essas exigências de operacionalidade mínima endereçadas aos pequenos grupos (guarnições precipuamente preventivas e excepcionalmente repressivas) são fomentadoras da violência armada, que se dá com maior frequência no contexto de ações não aparatosas.
Os vícios vinculados às ações de pequeno porte incluem as blitze para vistoriar aleatoriamente veículos e pessoas desconhecidas. Em todos os sentidos, elas são de discutível valor prático no contexto da segurança pública, demais de afrontarem os cidadãos, eis que os põem sob suspeita com fundamento num Poder de Polícia que me parece no limiar do abuso de poder.
Para que haja diminuição dos crimes de sangue, quase sempre vinculados ao tráfico no varejo, não se pode admitir a paranóica cobrança de resultados às guarnições fracionadas no ambiente com a finalidade precípua da prevenção ao crime. Se se partir para a ideia de combater o crime visível como exigência principal, claro que as favelas passam a ser preferenciais, as guarnições partem para essas áreas críticas em busca de resultados e culminam produzindo violências desnecessárias. Já no asfalto o patrulhamento preventivo deve coibir o tráfico, geralmente desarmado e possível de ser atalhado sem tiroteios e mortes, ressalvadas as cautelas de sempre.
Pretendo, com esta reflexão, despertar o interesse dos responsáveis pelo decreto que está por vir e que objetiva premiar policiais onde as taxas de homicídios baixarem. Porque o instrumento legal será inócuo em vista da cobrança de índices de operosidade, cultura organizacional tão insistente quanto o exemplo que deixei gravado em texto anterior ao sublinhar o M-4 (Manual Básico do Policial Militar). Como denunciado, o M-4 sugere até “arrombar porta de barraco”, isto na vigência de um governo a veementemente apregoar o contrário com justa razão, pois o barraco é ou deveria ser um lar inviolável.
Cá pra nós, o decreto fracassará se a estrutura organizacional não restringir as funções do policiamento ostensivo preventivo ao asfalto (O formato deve seguir a função”3 – Louis Sullivan). Sim, pois tudo passa pela ideia de mudança: evolucionária e/ou revolucionária. O decreto é tipicamente evolucionário: pretende mudar atitudes para resultar comportamentos adequados ao aceno do prêmio. Mas, se não houver uma intervenção revolucionária no sentido de desestruturar as causas da excessiva mortalidade (o “formato”), de nada o decreto (“função”) adiantará, pois ninguém é maluco a ponto de evitar se antecipar ante um marginal que lhe aponta o fuzil em beirada de favela.
A realidade é simples: se mais miudamente os autos de resistência forem analisados, a conclusão será a de que a maior quantidade deles envolve guarnições isoladas de PATAMO (Patrulhamento Tático Motorizado). Com radiopatrulhas, porém, os autos de resistência tendem a decair. Porque os dois componentes da guarnição vão preferir a prevenção, e, em ocorrendo a necessidade de repressão, outras radiopatrulhas se lhes poderão somar formando efetivos maiores, desde que sua frequência seja ampliada no ambiente. O resto é aritmética, considerando que duas PATAMOS de cinco homens resultam cinco duplas de radiopatrulha.
Quanto às viaturas maiores, seria de bom alvitre trocá-las por menores. Atualmente é fácil, pois as viaturas são terceirizadas. Poderiam elas manter-se estacionadas para emprego sempre aparatoso, recebendo cores diferentes, de modo a que sejam identificadas como acontece com o BOPE. A PMERJ poderia, por exemplo, reeditar o Grupamento de Ações Táticas (GAT) com essa finalidade repressiva aparatosa se antecipando ao BOPE. E mesmo o uniforme do efetivo de GAT das UOp a atuar em favelas deveria ser diferente do utilizado no cotidiano do patrulhamento preventivo em radiopatrulhas.
Bem, tudo que ponho aqui não passa de superficial sugestão, sem dúvida. Mas nem tão desprovida de vivência, esta que me sobra deveras, com a vantagem de que pouco se mudou na PMERJ. Parece-me que os PMs estão nas ruas como há vinte ou trinta anos e agindo segundo os mesmos artifícios que ao sistema compete atalhar: uma radiopatrulha arrisca-se a ser “atacada” e lhe vai ao socorro a(s) PATAMO(S) acionada(s) pelo sistema oficial (Central de Comunicações); e, por conta disso, a manjada armação legitima mais uma ação violenta e inútil que poderia ser evitada...

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1. CHIAVENATO, Idalberto – INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO – Elsevier Editora Ltda. – Rio de Janeiro, 2003, pp. 473-495.

2. AZEITONA, Débora – O Método Experimental – Trabalho Acadêmico – http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/psicologia/psicologia_trabalhos/metodoexperiment.htm - Psicologia 12º ano - Google. (Nota do autor: é vasta a literatura sobre a Metodologia da Pesquisa Científica. Porém, escolhi a referência em destaque porque contém clara explicação sobre as variáveis dependentes e independentes.)

3. CARTER, Cris, Stewart R. Clegg e Kornberger (tradução Raul Rubenich) – UM LIVRO BOM, PEQUENO E ACESSÍVEL SOBRE ESTRATÉGIA – Bookman – Porto Alegre – 2010, p. 111.

Um comentário:

NEIDE disse...

NÃO ACHO QUE SUA SUGESTÃO SEJA SUPERFICIAL E SIM CORRETÍSSIMA. CONTINUE EMITINDO SUA EXPERIÊNCIA DE TRABALHO E DE VIDA, POIS, QUEM SABE ELES DEIXAM DE "BATER CABEÇA" E DÊEM O BRAÇO A TORCER, PERCEBENDO QUE NÃO É VERGONHA ACEITAR AJUDA DE ALGUEM MAIS EXPERIENTE E CERTO DO QUE DIZ. O HOMEM É MAIS HOMEM QUANDO RECONHECE SUAS FALHAS E CORRE ATRAS PARA CORRRIGÍ-LAS E NÃO AQUELE QUE PERSISTE NO ERRO.