sábado, 1 de janeiro de 2011

O que mudou em duas décadas?



“Artigo III − Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
(Declaração Universal dos Direitos Humanos)

No meu velho tempo de comandante do 9º BPM (abril de 1989/abril de 1990), eu realizava operações aparatosas com o apoio da PCERJ. Polícias irmanadas, entrosamento fácil, os traficantes não enfrentavam a polícia. A regra era a correria, embora os delinquentes atirassem para trás, pondo a arma por cima da cabeça ou lateralmente à cintura. E, deste modo insólito, fugiam tentando acertar seus perseguidores. Quando podiam, os policiais não revidavam, para evitar riscos posteriores de interpretações judiciais e ministeriais desfavoráveis. Ora bolas, o policial não deve esperar o bandido atirar para revidar! Basta o meliante estar armado para justificar a ação imediata do agente da lei se antecipando ao disparo que lhe poderá ser fatal. E é bom que se alerte: o cruel facínora, enquanto réu, é geralmente comportado e cabisbaixo nos tribunais. E consegue enganar muitas gentes togadas, a ponto de se tornar “vítima da polícia”.
A legislação pátria que sopesa a ação policial contra bandidos ARMADOS DE FUZIL − como se os últimos fossem cidadãos detentores de direitos humanos iguais aos dos policiais − é absurda! Que sejam respeitados os direitos humanos do marginal depois de ele se render, tudo bem! Creio que só pelo fato de o bandido portar arma de guerra, ele deveria ser submetido a tribunal especial como em tempo de guerra e condenado à prisão perpétua, boa forma de intimidar esses arrogantes que acenam para a sociedade com o fuzil como se fosse símbolo de vitória. E é duro de doer ver policial morto por tiro de fuzil. No meu tempo, os vagabundos portavam metralhadoras, escopetas e armas curtas. E também a polícia. Hoje, a moda do fuzil está disseminada nos dois lados da contenda, e a letalidade policial decerto aumentou, assim como a dos marginais. É problema localizado no RJ. Em São Paulo, com todo o respeito que nutro pelas abalizadas opiniões da estudiosa Julita Lemgruber, arrisco-me a afirmar que se morre menos porque o fuzil não está em moda como aqui, e espero que nem lá nem nos demais Estados Federados vingue a cultura da guerra urbana.
Cá pra nós, gratificação para policial que “matar menos” é no mínimo estranha: sugere a ideia de que ele está “matando mais”, sem se considerar que ele também está morrendo mais. Ao que me parece, para a tal gratificação funcionar e atender aos anseios pacificadores da sociedade há de se combinar antes com o bandido... Em virtude do precipitado aplauso da mídia, as pessoas tendem a consagrar a falsa ideia de que a guerra instalada no RJ é culpa exclusivamente da polícia. Olvida-se, deste modo, a belicosidade dos marginais e o fato de que a polícia faz o que lhe manda o “andar de cima”, que vem pondo o fuzil nas mãos dos policiais ao longo dos tempos, tornando esse armamento de guerra uma regra de difícil reversibilidade.
Quanto aos policiais, até onde eu apurei (sou bastante informado nos bastidores), estão silenciosos e apreensivos. O efeito será sentido no instante da distribuição do armamento para uma tropa acostumada ao fuzil versus fuzil. Não custa, portanto, lembrar aos que fingem não saber, − ou se movem por meio de nojoso preconceito, − que se manter vivo é direito do policial enquanto pessoa humana. Mas esses preconceituosos, em condenável reducionismo psicológico, não entendem ou não querem entender que o discurso generalizado contra a polícia, − mesmo não atingindo diretamente os policiais, − institui no ambiente social um generalizado sistema de aversão contra eles e os desestimula. Exemplo melhor do que reclamo é o texto acima, fruto de ideia preconcebida: “Não seria má ideia haver também punição para o policial que sair por aí matando ladrões de galinha e passadores de cheques sem fundo.” É necessária a sugestão?...
Sem embargo, − e lembrando Henry Berson1, − esses comentários ideológicos desenham apenas uma falseada ideia do fato, mas não a sua vivência fundada na realidade, embora seja absurdo o número de policiais civis e militares assassinados por bandidos no RJ. (Dá vontade de postar uma foto aqui de PM destroçado por fuzil, mas não o farei em respeito à família deles!). Advém daí o perigo de os aplicadores do Direito (sem vivência do fato e influenciados por discursos midiáticos) muitas vezes concluírem que o policial, ao acertar um tiro nos costados de algum marginal, o faz sempre por motivo torpe, mesmo que o facínora esteja correndo e atirando para trás; e nem sempre o policial pode se proteger, restando-lhe tão-somente reagir à agressão injusta, mas de difícil senão impossível comprovação posterior. A não ser, claro, que o tiro do bandido o acerte em cheio, como ocorreu com o PM Jair Gonçalves dos Santos2, meu comandado, no centro de Madureira, em 1989... Deixou viúva e quatro crianças na orfandade. E de lá para cá, quantos policiais civis e militares morreram alvejados por fuzil? Por que a preocupação somente com a redução do número de bandidos mortos?...
Vinte anos... Em 1989, ao apreender um fuzil AR-15 na Favela de Acari, alertei para as consequências futuras da banalização do uso de armas de guerra por bandidos. Não fui ouvido; ou melhor, depois (1993) puseram um bandido do Comando Vermelho a instituir uma versão mentirosa do fato com fins retaliativos a mim endereçadas em malícia, sendo desnecessário dizer quem era o governante... Como se vê, não é tão simples julgar o comportamento do policial a partir de opiniões afastadas da verdade que ele enfrenta no seu dia a dia. Não significa que o nobre objetivo de diminuir os índices alarmantes de mortalidade a tiros no RJ não seja perseguido. Pode e deve ser, sim! A começar por um maior controle das ações de pequenos efetivos (PATAMO, PAMESP etc.) em favelas. Nem a antiga regra do Manual Básico do Policial-Militar (M-4)3 restringindo as incursões em favelas a duas PATAMOS comandadas por oficial subalterno (tenente) pode ser hoje legitimada pela corporação. Aliás, esse manual ainda ensina a arrombar porta de barraco como se não fosse lar.




Exagero?... Não, não exagero! Eis o que prescreve o M-4 posto em vigor no ano de 1983: “Art. 146 – A ação em favelas deve ser executada com 2 (duas) viaturas do PATAMO, no mínimo (...) 9) ao ter de arrombar a porta de um barraco, não entrar logo em seguida, pois a diferença da iluminação exterior para o interior causará dificuldade visual que poderá ser fatal.” E no Parágrafo único do Art. 150 do mesmo M-4: “Se for utilizada mais de uma viatura PATAMO para o patrulhamento conjunto, o Comandante será um Oficial Subalterno.” Enfim, já em 1983 (durante o primeiro Governo Brizola, em que as ações policiais em favelas eram desaconselhadas e muita vez proibidas), barraco não era considerado nada além de local perigoso a ser “arrombado”. Não me ocorre que esse M-4, reeditado em 1987, haja sido revogado; e mesmo que tenha sido, ele continua a circular nos bastidores da PMERJ não sei em que intensidade de influência. Então, a questão prende-se ao seguinte: que prescrições de conduta individual e coletiva há atualmente em vista da Carta Magna?
Deixando de lado a apatia institucional, mesmo quando era para valer a regra do oficial subalterno comandando incursões em favelas nunca foi levada ao pé da letra. Na época em que comandei o 9º BPM (abril de 1989 a abril de 1990), exigi o cumprimento do Art. 150 do M-4, e foi bastante, porque, para reunir duas guarnições de PATAMO (cobriam setores diferentes e distantes) só com motivação real e escalação prévia de oficial subalterno. Demais disso, eu participava rotineiramente de operações (“cerco e estrangulamento”, “martelo e bigorna” etc.). Trabalhava, porém, com alvo certo e aparato superior ao dos marginais para evitar confrontos desnecessários (como aconteceu no Complexo do Alemão). Não raro, todavia, enfrentávamos alguma reação de “soldados do tráfico”, bem mais para dar tempo aos comparsas de ocultar a droga. Ou então era uma covarde correria. Não houvesse tiros, seria como o rapa atrás de camelôs... E que seja assim hoje e futuramente, para que os índices de mortalidade diminuam!...




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1. MORENTE, Manuel Garcia – FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA – Ed. Mestre Jou, São Paulo-SP, 1930, pp. 23-24.

2. Morto por um só tiro, em 08.08.89, em Madureira, disparado por um assaltante de ônibus. Trabalhava no trânsito quando foi acionado por populares. Partiu no encalço do ladrão, que, ao se ver quase alcançado, sacou uma arma da bolsa que carregava e atirou para trás, por cima do ombro, acertando a testa do miliciano. Já no hospital, eu ainda guardava a esperança de que ele sobrevivesse. Mas veio a enfermeira e meneou a cabeça em gesto negativo. Ele expirou diante de mim. Eta momento difícil!... Não pegamos o assassino. (Texto do meu livro Cavalos Corredores – a verdadeira história).

3. MANUAL BÁSICO DO POLICIAL MILITAR (M.4) – Ato do Comandante-Geral da PMERJ (Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira), de 05 de dezembro de 1983, aprovando e determinando a impressão. Gráfica da PMERJ, edição de 1987.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá Emir,tudo bem?

Isto tudo faz parte do famigerado PRONASCI implantado pelo ex.ministro da justiça Tarso Genro e copiado pelo seu amiguinho Mariano Beltrame (aliás ele dá uma entrevista pra um livro dos PTralhas que o repórter de crime publicou na íntegra no blog dele).
Na concepção do nosso secretário o policial não tem que ser um agente da lei, não pode demonstrar poder, tem que ser um cordeirinho da sociedade. Saiba que a idéia de acabar com a PM é dele. O Beltrame disfarça bem mas todos sabem que ele é ligado ao PT e o que todos sabemos é que o PT odeia militar.
Quanto ao índice de letalidade você tem razão é só pegar os dados dos anos 80 e 90 de baleados no Souza Aguiar,Miguel Couto e Getúlio Vargas e comparar com os dias atuais. Nos anos 80 e 90 um paciente que chegava baleado ao hospital tinha 80% de sair de lá com vida, hoje este índice não chega nem 50%. Hoje os baleados chegam praticamente mortos aos hospitais, vi uma pesquisa sobre isso em um site do Viva Rio.

Luiz Drummond

NEIDE disse...

DEVERIAM SE ENVERGONHAR EM PUBLICAR UM DISPARATE DESSES, O POLICIAL TERÁ UM BÔNUS POR MATAR MENOS... FICO IMAGINANDO O QUE SE PASSA NA CABEÇA DE QUEM INVENTOU ESSA NEM SEI COMO ADJETIVAR ,DESCULPEM A EXPRESSÃO "DIARRÉIA CEREBRAL". ESQUECERAM DE UMA COISA, A LEI DO MARGINAL É SABIDO POR TODOS QUE: ELES GANHAM MAIS QUANDO MATAM MAIS E PRINCIPALMENTE SE FOREM POLICIAIS. AGORA COM ESSA, O BONUS DELES MAIS UMA VEZ ULTRAPASSARÁ O DOS POLICIAIS. MEU DEUS! ONDE É QUE NÓS ESTAMOS? SERÁ QUE É FALTA DE SERVIÇO QUE UMA PESSOA ELABORA TAL PIADA? SERIA BOM QUE O AUTOR DE TAL PROESA, FOSSE PARA AS RUAS, COMUNIDADES E PRINCIPALMENTE PARA A LINHA DE FOGO E TENTASSE PÔ-LA, ELE MESMO EM PRÁTICA. SERÁ QUE A ARMA DELE NÃO SERIA USADA? TENHO A ABSOLUTA CERTEZA DE QUE PODERIAM LHE DAR CENTENAS DE ALGEMAS QUE ELE NÃO USARIA NENHUMA E AINDA TENTARIA A FUGA COMO AQUELE BANDO DE RATOS FUGINDO PELA MATA QUANDO FORAM ENCURRALADOS NO COMPLEXO DO ALEMÃO. E OUTRA, COMPRAR AS FOLGAS DOS POLICIAIS PARA QUE TRABALHEM DOBRADO. QUER DIZER, OS POLICIAIS NÃO TEM FAMÍLIA, NÃO TEM CASA, NÃO TEM SUA VIDA DE LAZER OU MESMO DE UM DESLIGAMENTO TEMPORÁRIO DESSE TURBILHÃO DE ATROCIDADES QUE É OBRIGADO A PARTICIPAR DEVIDO AO USO DA FARDA E DE SEU JURAMENTO ONDE TENHO CERTEZA QUE NÃO ESTAVA ESCRITO QUE USARIA SEU CORPO COMO ESCUDO OU QUE FARIA COMO O MAIOR PROFESSOR DE TODOS OS TEMPOS: JESUS, ONDE DARIA A OUTRA FACE SEM REVIDAR,POIS, É ISSO QUE O GOVERNO ESTÁ PROPONDO EM TROCA DE MIGALHAS DE BONIFICAÇÃO. COMO É TRISTE ESTAR DE PLANTÃO NUM HOSPITAL ONDE MUITAS VEZES UM CHEFE DE FAMÍLIA ESPERA SEMANAS PARA SER OPERADO POR FALTA DE VAGA NO CENTRO CIRÚRGICO E QUANDO CHEGA A SUA TÃO ESPERADA HORA, MAIS UMA VEZ TEM DE ESPERAR PORQUE UM MARGINAL FOI ATINGIDO NA TROCA DE TIROS NA TENTATIVA DE ASSALTO E PASSA A FRENTE DESSE PAI DE FAMÍLIA. VOLTO A BATER NA MESMA TECLA: NOSSAS LEIS TEM DE SER REVISTAS E MUDADAS SIM MAS EM PROL DAQUELE QUE DEFENDE A VIDA. FALA-SE EM DIREITOS HUMANOS MAS, ATÉ HOJE NÃO VI UM DIRIGENTE DE TAL GRUPO SE APROXIMAR DA FAMÍLIA DE UM POLICIAL QUE MORREU EM BATALHA, QUE MORREU PELO SIMPLES FATO DO VAGABUNDO DESCOBRIR QUE ERA POLICIAL E MATÁ-LO SABENDO QUE POR ISSO RECEBERÁ DO SEU CHEFE UM PRÊMIO ENORME E NÃO UMA PORCARIA DE GRATIFICAÇÃO. COM ESSAS DECLARAÇÕES VERGONHOSAS, COMEÇO A CRER QUE O ANO QUE SE INICIA, MAIS UMA VEZ É SÓ NA NUMERAÇÃO DO CALENDÁRIO E OS DISCURSOS DOS NOVOS GOVERNANTES NÃO PASSAM DE ESTORINHAS REPETITIVAS.
MEUS PÊSAMES A TODOS OS FAMILIARES DE POLICIAIS QUE MORRERAM EM COMBATE(INCLUINDO A MINHA) E DESEJO AOS QUE ESTÃO AÍ, FAÇAM UM ÚNICO ACORDO: COM DEUS, POIS, ELE SIM SE IMPORTA COM A VIDA DE SEUS FILHOS. MESMO SABENDO DA IMPOSSIBILIDADE DESEJO A TODOS VOCES QUE TENHAM UM ANO COM NOVAS LEIS E COMPANHEIROS LEAIS. QUA DEUS VOS ABENÇOE E PROTEJA.

Paulo Xavier disse...

Um dos ensinamentos que adquiri dentro da PM foi que o maior bem que nós temos é a nossoa própria vida e em segundo é a nossa liberdade. Eis aí um dilema para o nosso policial: Combater a criminalidade preocupado com os índices de letalidade do lado da bandidagem. O cidadão que idealizou isso, com certeza o fez de dentro de uma sala refrigerada e provavelmente nunca participou de uma incursão policial com tiros pipocando pra tudo que é lado, quando a adrenalina vai a mil e o gosto de sangue vem à boca.
Caso o policial reaja como o da viatura 301, provavelmente será recolhido preso no quartel ao término do seu turno.
"O senhor quer que eu vá lá e prenda dez bandidos armados de fuzil? Vai pra puta que te pariu"...só falando assim...
Parabéns Cel Larangeira pelo texto, que é a realidade do cotidiano do policial no seu labor diário.