sábado, 20 de novembro de 2010

Sobre a “paz interior”


Há momentos em que me vejo em estado psicológico de “missão cumprida”, sem mais saber o que faço neste mundo e se possuo alguma utilidade social; há outros em que me rendo ao fato de que talvez eu tenha perdido amores e sentido dores por culpa da minha insensatez, da falta de paciência ou da minha impertinente cobrança de perfeição do comportamento alheio. Por outro lado, muitas vezes me doei sinceramente e me vi atraiçoado, recebendo facadas nas costas de pessoas das quais eu esperava carinho e, no mínimo, gratidão. Em meio a esta cruciante dúvida, indago-me a mim se valeu a pena a minha entrega a terceiros, se lucrei com meu desprendimento etc. Não sei...
Tenho sido vítima da deslealdade de alguns, da hipocrisia de outros, mas não sei se sou eu o culpado por escolher mal algumas pessoas às quais me dediquei e quiçá ainda me dedico sem ter a mínima certeza de que minha escolha é boa ou justa. Há instantes, porém, em que me sinto fraco, com vontade de parar e me voltar só para mim em solidão de essênio. De repente, também penso em me tornar materialista e gastar comigo mesmo em vez de comprar remédio para algum necessitado. Não consigo; permaneço me dedicando ao outro sem crer, porém, que algum altruísmo me leve à “salvação”. Não tenho nem quero ter religião.
Não nasci para ser agrilhoado a sistemas, ideologias e dogmas, disso eu estou certo. Gosto do contexto, de viver de leque aberto a recolher o vento e as coisas que ele muda de lugar. Por outro lado, e contraditoriamente, sou presa fácil do problema alheio e suo para resolvê-lo. Nem preciso conhecer muito a pessoa para assumir seus danos e tentar repará-los. Gozado é que não sou candidato a nada, não almejo a nenhum poder, só a “paz interior”... Mas isto me soa como fuga do real, e o real que se me apresenta neste mundo é a injustiça. Sim, injustiça, de todos os matizes e texturas, e a pior delas é o desrespeito do homem pelo homem, a falta de solidariedade, a violência matadora de inocentes, as acusações grotescas e distanciadas da verdade. Não posso, pois, almejar nenhuma “paz interior”, parece-me covardia, ou pecado, sei lá... Pecado?... Não!... Não me considero pecador: não creio nisso.
Quiçá eu seja defensor de uma igualdade social que me foi negada pelo destino, sem que isto me confunda com algum defensor do socialismo. Às favas com o socialismo!... Mas, que limite me haveria para a defesa dessa igualdade? Que armas?... Como aceitar ser igual (humanamente) ao facínora sanguinolento? Como acolher passivamente a violência que nos assola e nos submete como o cordeiro a justificar o lobo voraz? Vejo, sim, que não há como igualar o bom ao mau. Não me é possível entender e aceitar uma conformada convivência do Bem com o Mal. Não consigo imaginar o marginal sanguinário como ser humano nem como animal. Para mim, o malfeitor não é humano nem animal: é coisa-ruim. Por outro lado, sinto-me incomodado por acolher dicotomias, perder-me em contrastes simples diante de problemas que seguramente são complexos e talvez até situados ”para além do bem e do mal”...
Por conseguinte, não radicalizo a ponto de estereotipar todos os criminosos como coisas-ruins. Refiro-me apenas aos que matam por prazer; refiro-me aos psicopatas assassinos seriais, aos assaltantes apontando a arma fatal para a cabeça de pessoas inocentes e apertando o gatilho por nada além de vê-lo morrer sangrando; refiro-me aos reincidentes em crimes bárbaros. Daí, começo a me sentir útil ao ajudar a viver condignamente quem merece, dividindo muitas vezes o que não tenho para contribuir para a felicidade alheia, incluindo aqui meus valores e alguma cultura compartida. Não importa se conheço a pessoa desde muito tempo. Isto é detalhe de somenos importância.
Nesta luta íntima entre o nada fazer e me deliciar de um restinho de vida, pesa-me mais doar meu tempo e meu suor às pessoas do bem, mesmo com o risco de me decepcionar. Enfim, sinto-me confortável em ter boa-fé, embora eu possa ser fundamentalmente mau contra quem eu considero coisa-ruim ou quando me sinto explorado na minha boa-fé. Não me importa ser mau contra quem mereça a maldade. Não ofereço jamais o outro lado da face...
Como posso viver assim, tão dubiamente?...
No fim de contas, que me importam os males do mundo? Não abri nenhuma caixa de Pandora para libertá-los e deixar presa a esperança. Não tenho nada com isso, não pedi para nascer. Mas nasci, cresci, casei, procriei, trabalhei, estudei, enfim, agi direitinho, como mandam as regras societárias. Só que hoje eu vejo muitos companheiros meus com vida folgada porque foram egoístas. Não sei se são felizes por “terem”, enquanto eu, por minha vontade, e com melhores oportunidades financeiras, não possuo nada além da minha necessidade... Eu só quis “ser”... E me dedicar às necessidades de terceiros (ó praga!)...
Devo cartões de crédito, mas não sou inadimplente. Minhas contas estão rigorosamente em dia (????...). Bem, às vezes não... Mas não consigo, por exemplo, cortar da minha vontade íntima a preocupação com quem passa por dificuldades mínimas como a de um amigo hipertenso que não pode comprar seu indispensável remédio. Se eu não atender a isso, não durmo em paz. Bolas! Eu bem que poderia comprar uma camisa nova, um sapato da moda... Não adianta: em termos materiais, considero-me perdedor... Ou, quem sabe, vencedor? Sim, sou vencedor da batalha contra a usura. Deste modo, sinto-me bem, sempre esclarecendo que não creio em céu e inferno nem em ideologias...
Vamos à “paz interior”...
Será que existe alguém no mundo capaz de sinceramente afirmar que vivencia a “paz interior”?... Não creio. Pode ser que muitos a busquem, não duvido. Mas sei que as pessoas, na verdade, saem da realidade para viver de ilusões, dentre as quais a crença na “salvação”, enquanto o mundo se mata e o Mal está a triunfar do Bem desde o início dos tempos.
Que mundo é este? Que haverá nos confins do Universo? Como conviver com tanto mistério, pensando existir como ser pensante, mas com status de ameba ao olhar para o firmamento sem compreender absolutamente nada além do fato de que nascemos para morrer tendo desde logo a experiência da morte do outro?...
Na realidade (existe realidade?), não sei que faço neste mundo nem qual é minha finalidade além da de nascer para morrer como efêmero depositário de uma vida universal que aceitamos eterna em comparação com o nosso fugaz tempo de existência. Aliás, é o tempo que temos, ou pensamos ter, e o utilizamos sem saber pra quê ou por quê. No máximo, fingimos saber buscando o engodo de nós mesmos numa autoestima tão frágil que basta um choque de realidade para percebermos que não somos nem temos nada.
Como, então, alcançar a “paz interior”?... Ou, que será a “paz interior”?...
E se eu conseguir alcançá-la, isto me será bom? Ou apenas me porá a caminho de outro estágio, mais acurado, tornando infrutífero todo o meu esforço de busca? Porque, satisfeita a primeira vontade, logo surgirá a segunda a me desafiar, garantindo-me a certeza de que tentar encontrar a “paz interior” é como querer desvelar os segredos do Universo, ou seja, impossível.
Então, deixarei pra lá essa história de “paz interior”, que a vida tem pressa. Deixo-a para os vermes trabalhadores da morte, que terão todo o tempo para tentar encontrá-la dentro do meu corpo morto...

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

O que enlouquece é a certeza, não a dúvida. É do caos que nasce uma estrela. (Nietzcshe)
Vivemos em busca de respostas, desde que nascemos. Quando um bebê de 9 meses joga um aparelho de controle remoto no chão , ou leva seu dedinho em direção à tomada de energia, ele nada mais está fazendo, que procurando respostas, e assim vivemos até voltarmos ao pó. Particularmente tenho lido sobre filosofia, espiritismo, a bíblia, grandes benfeitores da humanidade, além de gostar de assistir filmes que envolvem todos esses temas, e quanto mais me aprofundo , mais dúvidas acumulo no meu cérebro e na minha alma.
Também gosto de ler pessoas inteligentes e sinceras, é o que faço aqui nesse blog.
Às vezes faço uma introspecção e inevitavelmente volto ao passado. Quintana já disse que o passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente. Levaria horas aqui narrando fatos e algumas chegam a ser bizarras. Lembro-me que certa vez prenderam um suspeito de ter assassinado um policial em Niterói, tinha o mesmo apelido e as mesmas características físicas do assassino; desloquei-me para o local, por sinal bastante ermo e após ouvir a conversa entre o suspeito e alguns policiais, temi pela sua vida, mas algo me dizia que ele era inocente. Chamei o mais graduado da operação a um canto e em tom quase ameaçador disse-lhe: Leve esse cara rápido para a DP, cuidado com o que vocês vão fazer. Aquele cidadão foi conduzido à DP e depois comprovou-se que ele nada tinha a ver com a história, era realmente inocente.
Tenho parentes em Niterói que conhecem esse cidadão e os vê de vez em quando e sempre pergunto por ele. Minha tia, sem saber da história, diz que ele está muito bem, é evangélico, gente boa, trabalhador. Isso me faz "ganhar o dia" e essa "paz interior" que tanto buscamos, invade meu ser.
Creio que seja isso, agir com dignidade, ética, respeito ao próximo, ajudar na medida do possível, ser cidadão, ser honesto, enfim tudo isso vai ajudar a construir um mundo melhor e consequentemente nos trazer essa paz que buscamos...