sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O segundo turno e meu “eu político-dilemático”




Há quem muito me questione sobre as minhas guinadas de A a Z. Ora escrevo abobrinhas que entendo literárias, ora critico sistemas, em especial na área de segurança pública, ou então enveredo pela política de modo tão atabalhoado como ela é no Brasil. Confesso que, como o Tiririca, de política pouco entendo, sou um autêntico "analfabeto funcional", embora tenha sido até deputado estadual depois de convencido a dar meu nome para complementar uma lista de pequeno partido (PTR) nos idos de 1990.
Sem qualquer pretensão de ganhar, mandei carta aos companheiros da PMERJ e avisei aos amigos civis. E sem muita campanha (faltavam-me condições financeiras), apenas visitando locais e grupos de pessoas, geralmente familiares de PMs e residências de amigos, acabei eleito com expressiva votação, algo que me surpreendeu deveras.
Eu, até então, cônscio de minhas impossibilidades eleitorais, logo após votar, no bairro de Santa Catarina, São Gonçalo, onde residi durante anos, fui com a família para Papucaia, Distrito de Cachoeiras de Macacu. Lá eu me enfiei em afazeres de matuto, herança de meu pai, que à força da necessidade fora anônimo lavrador nas brenhas de Santo Antônio do Imbé, Distrito de Santa Maria Madalena, eis que perseguido pela polícia do Estado Novo (era líder sindical na Vidrobrás, em São Gonçalo, e fichado como “comunista”). Mas isto é outra história...
Cinco dias depois, recebi a visita de Juca, comerciante de Papucaia e estimado amigo. Vinha ele com um exemplar do Jornal O Fluminense, todo alegre, comunicando-me que eu vencera as eleições. Incrédulo, peguei o jornal e conferi: estava, sim, eleito, e nem tão fracamente: fui mui bem votado e figurei em segundo lugar no partido, que elegeu três parlamentares.
Eis como me enfiei na ALERJ. Nem era anotação em minha lista de prioridades pós-inatividade. Na realidade, eu requerera passagem para a reserva em abril de 1990; preparava-me para reestudar a gramática e reler meus romances prediletos; nem tanto ouvir músicas em minha “casa no campo”, como sugere a canção de Zé Rodrix, Sá e Guarabira (se aqui me confundo é por excesso) eternizada pela voz de Elis Regina.
Em 1990, não havia telefone no sítio; computador me era estranho no miolo: nada entendia dele. Valiam para mim o caderno e a caneta Parker 51 dos meus tempos de cadete. A caneta sumiu. Ficou a lembrança dela muitas vezes deslizando e gastando tinta em papéis igualmente desaparecidos. Havia poesias vagabundas, crônicas assustadas, contos medíocres e tentativas de romance que não passavam da primeira folha. Mas era o que eu mais gostava e ainda gosto de fazer: ler e escrever. Não vou destacar nenhum escritor além de Machado de Assis, para não ofender muitos outros pelo esquecimento, do mesmo modo que destaco Pelé para não comparar outros jogadores entre si, todos maravilhosos; mas nenhum deles jogou tanto como Pelé. E, para mim, ninguém escreveu tão bem como Machado de Assis.
Sim, eu lia e leio tudo de Machado de Assis; repito o hábito sem me cansar. A cada leitura, surpreendo-me com suas entrelinhas, muitas das quais hoje absorvo por conta da experiência de uma vida toda. Mesmo assim, ainda não sei se Capitu traiu Bentinho... Enfim, coisas machadianas, seus contrastes, mistérios e dicas psicológicas intrigantes... Não há para mim mente igual à dele na literatura (nacional e universal). Fosse ele um cozinheiro, seria o único a preparar um prato sem permitir aos comensais identificar o tempero, mesmo deliciando-se do gosto...
Literatura é melhor que política, e, com certeza, mais bem fez e faz à humanidade que toda a política. Esta não passa de hipócrita guerra sem armas, com fins de conquista do poder e de suas vantagens. Não há desprendimento na política; não há respeito entre adversários; não há intertextualidade entre os discursos, como saudavelmente ocorre na literatura. A política é um mente e desmente nojento... Sim, a política é e sempre será baixaria e repetição aprimorada do passado. Já a literatura é arte com mensagem. Muitas vezes, porém, ela tem conotação política e se remete ao futuro com a sutileza necessária à preservação da vida de quem nos está a informar a verdade das coisas que não podem ser iluminadas com a luz da liberdade no seu tempo real.
A ficção quase sempre embute a realidade nas entrelinhas. É o que os franceses denominam literatura “à chave”, ou seja, compromissada com a realidade. Lida, todavia, em sua época, não se entendia o recado, que, somente muitos anos depois percebido, reconstituía a verdade histórica antes enganosamente grafada pelos detentores do poder; eis uma prática, aliás, que se mantém inalterada: hoje, o totalitarismo impõe a verdade pela força e a má democracia, pelo dinheiro. Os meios e modos de distribuição das benesses financeiras são vários; o mais indecente de todos é a publicidade governamental paga aos meios de comunicação particulares com impostos recolhidos do contribuinte. Enfim, tudo como nos tempos do sofista Trasímaco: “A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante.” Sim, mudaram as moscas, mas o bolo é o mesmo...
É como enveredo, como eleitor, no meu dilema: Dilma ou Serra?... Sinceramente, não sei como me sair bem numa escolha entre duas alternativas que me soam desagradáveis, ou seja, escolher um dentre ambos ou anular meu voto. Espero, todavia, que os debates me orientem a votar no melhor para o povo brasileiro. Espero escolher um deles, ou não, distante dessas discussões religiosas que parecem trazer ao presente um passado remoto em que o poder absolutista dos déspotas era ungido pela Igreja para se tornar “divino”. Creio que agora está pior. O político à cata de votos tem de agradar a “gregos e troianos”, persignando-se e rezando entre católicos, fingindo louvores e orações entre os evangélicos e cruzando ombros e fumando charuto nos templos afros, demais de outras práticas religiosas que crescem a mais e mais por conta da esperança de existir um mundo melhor no além. Mas, como o diabo não mostra seus chifres (geralmente se veste de anjo bom), jamais saberemos se fizemos a escolha certa entre o Bem e o Mal, ou se fomos obrigados a optar entre o Mal e o Mal, excluída a possibilidade da escolha entre o Bem e o Bem, que é pura ilusão. Não existem dois Deuses, e Ele optou pelo contraste em vez do consenso quando criou o Universo a partir de um pontinho menor do que o que encerra este parágrafo.
Tomara, então, que os debates esclareçam compromissos de reforma tributária e política, de revisão do sistema nacional de segurança pública, nele incluindo a remodelação do apavorante sistema carcerário, de modernização do sistema previdenciário, tornando-o mais equânime, de restauração do sistema nacional de saúde, dentre outros temas de interesse da sociedade brasileira sem a separação entre elite e massa e sepultando definitivamente a sociedade formal e informal, ou seja, sociedade e comunidade... E que a discussão e a solução sobre o aborto e a homofobia fiquem para depois, no âmbito das religiões e dos parlamentares. Porque é inegável a representatividade proporcional das religiões no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas Estaduais e nas Câmaras Municipais. A permanecer o maniqueísmo, não votarei em ninguém!...

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