segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sobre o avanço das UPPs

Estamos na décima primeira UPP (Morro do Salgueiro). Comemorações à parte, ilusões de lado, vamos à realidade: há mais de mil comunidades dependentes do mesmo privilégio, considerando-se que as UPPs vieram para ficar e não se trata de engodo com vistas à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Sim, nas favelas, isoladas do mundo oficial e societário, que ignora suas inúmeras carências, as gentes simples vivem todas as desgraças. Apesar disso, não perdem a esperança e conseguem, ainda, esbanjar alegria em meio ao calejado sofrimento. Alegria?... Ora, a favela por si só é absurdo! Representa a desigualdade social no seu exemplo máximo. O crime que nela se instalou como mandatário pelo terror das armas e por um falso assistencialismo representa um fator a mais de desgraça. Eis, então, em síntese, o meio de cultura que desde muitos anos desafia o Estado: a miséria comandada por inegável poder paralelo, de difícil senão impossível erradicação.

Não por acaso é assim. Há uma história de conluio de criminosos comuns com presos políticos que se inicia na Ilha Grande e nunca mais parou de existir como cultura e ação de crime organizado e ideologizado: as facções. Demais disso, essa história do crime organizado ainda é glamourizada em filme (Quatrocentos contra um – uma história do Comando Vermelho, de autoria do prócer do CV William da Silva Lima)... E o primeiro erro do sistema estatal foi o de menoscabar a capacidade intelectual dos criminosos comuns (William da Silva Lima é um bom exemplo, chamado pelos comparsas do CV de Professor), considerados na época e ainda hoje como meros pés de chinelo. Não o eram; não o são... Eles aprendem “arte da guerra” com Sun-Tzu, e estudam nos compêndios de outros estrategistas a propaganda e a contrapropaganda e os métodos de controle e de aprovação das populações em territórios conquistados. E, dentre o muito que aprendem e aplicam com desenvoltura, treinam o combate com armas letais de sofisticada tecnologia. E assim estão postados na zona urbana: como conquistadores de guetos favelados transformados em cidadelas onde são autênticos soberanos. E aprenderam a recuar como tática de esgotar o moral da tropa inimiga, que, entre tantos fatores concorrentes, há inclusive a ausência do combate a frustrar homens treinados para guerrear, e não para policiar, provando-se o fato pelas armas que utilizam e pelos treinamentos que lembram os “boinas verdes” norte-americanos e outros “Comandos” mundo afora.

Curioso é que o Estado põe a arma letal nas mãos dos policiais, e uma delegada de polícia, que também utiliza a mesma arma (se não a utiliza é porque não quer), e que a sabe letal, ou seja, uma arma que existe tão-somente para matar, mesmo assim ela indicia um PM do BOPE por homicídio doloso (intenção de matar) por ter ele confundido furadeira com arma. A confusão de um objeto (furadeira) com outro (arma) foi acolhida como possibilidade pela perícia; mesmo assim, a delegada de polícia indiciou o PM no dolo, sem considerar que o dolo é do Estado que comprou e distribuiu a arma cuja finalidade única e inelutável é a de matar o oponente. Ah, que surpreendente contradição! Ou seria o maldito preconceito da coirmã materializado pela delegada de polícia?... Bem, prefiro crer que não, embora haja sempre boas razões para crer que sim...

Já o recuo dos bandidos não sugere nenhuma contradição, mas apenas a adoção de uma estratégia que lembra a napoleônica grand armée na invasão da Rússia de 1812, fiasco que custou caro à França e iniciou a derrocada do Primeiro Império Francês. Por falta de logística e ignorando a distância entre as linhas de suprimento e a tropa em avanço no território inimigo, e, principalmente, por não prever o frio mortal, o exército francês sucumbiu sozinho, enquanto os exércitos russos recuavam: bem alimentados, agasalhados e saudáveis.


A cada localidade que os franceses “conquistavam”, vinha a constatação do nada: nenhum combate, cidades e vilas vazias de gentes e de recursos materiais para reposição, aumentando deste modo as fileiras de cadáveres franceses esfarrapados e congelados. Vale sintetizar a tragédia francesa produzida pelo inteligente recuo dos russos sublinhando um pequeno texto do historiador J. Lucas-Dubreton: Nas estradas geladas, luzidias como espelhos, os cavalos tombavam, obrigando-os a abandonar as carroças que transportavam o tesouro. Do norte chegava um vento gelado, capaz de queimar; o cano do fuzil grudava nas mãos, a pele inchava, cheia de bolhas; e as extremidades dos dedos, duras e descoradas, pareciam bolas de marfim. Cobertos de andrajos, os olhos injetados, o rosto tumefato, infestados de vermes — fazia três meses que não trocavam de farda nem de roupa de baixo —, os antigos vencedores da Europa lutavam contra a agonia (...)



Há na história dessa guerra, — que somente contou com o enfrentamento do inimigo no terreno escolhido por Napoleão, sem qualquer declaração prévia de guerra para garantir a surpresa, mas sem considerar a hipótese do recuo dos russos para a natureza fazer o seu trabalho trapeiro, — há na história dessa guerra uma frase do veterano general Mikhail Illarionovich Kutuzov: Os franceses vieram para cá sozinhos e sozinhos voltarão. Há outra significativa frase, atribuída a Giap, que reproduzo na íntegra, salvo falha de memória: Se o inimigo ataca, recuamos; se o inimigo para, inquietamos; se o inimigo recua, atacamos. Ou seja, mais uma vez o recuo emerge não como derrota, mas como estratégia e tática aplicadas à realidade, dentre outros exemplos de exércitos que “avançam recuando”, aparente contradição, que, na verdade, é artimanha para desgastar o inimigo, que pensa estar vencendo com facilidade as batalhas simplificadas de uma guerra complexa que está a perder...

Retirada de Napoleão

A ideia de território marcado se transporta do reino animal à convivência humana, e os princípios que regem as conquistas humanas não diferem em muito do comportamento animal. Até mesmo a luta para a ampliação de território existe desde que o mundo é mundo. A diferença está na forma como a agressividade humana rende-se à violência desmedida. No reino animal, irracional, a agressividade limita-se à necessidade de sobrevivência; atendida esta necessidade, a agressividade se conterá na violência que lhe corresponde, sem excesso. No reino humano, racional, a violência é ilimitada, e nem sempre se justifica em relação a alguma necessidade. No reino humano, onde supostamente predominam o sentimento e as boas emoções, na realidade sobrelevam a maldade, a insensatez, a covardia etc. Enfim, há o predomínio do Mal sobre o Bem por meio de comportamentos artificiosos, desnecessários e, sobretudo, sanguissedentos. Mas, em vista da inteligência humana, inclui-se o recuo não como covardia, e sim como tática de desgaste do inimigo, que é obrigado a perder mobilidade ao estacionar grandes efetivos para manter sob controle os territórios conquistados. No entanto, esses territórios possuem populações enigmáticas, nunca se sabendo o que elas preferem: se os grilhões dos malfeitores nascidos entre elas ou a presença de um Estado opressor e violento a pretexto de ali impor a “ordem” e a “paz”. Qual “ordem”?... Que “paz”?... A do remédio em hora certa? A da comida na mesa?... A da moradia condigna?... Seriam estas a “ordem” e a “paz” que interessam aos favelados momentaneamente trocados de “donos”, ou as que interessam aos mentores e gestores das conquistas e ocupações (os novos “donos”): a sociedade do asfalto?

Ora, é sabido que os recursos policiais militares são escassos, e a cada avanço e empenho de efetivos imobilizados de caminho, a retaguarda se retrai em efetivos e meios. Delegado não precisa saber disso, mas militar sabe... O fato de o BOPE não enfrentar resistência ao avançar não significa nenhum recuo covarde dos criminosos, senão tática na medida certa de uma estratégia de ganhar tempo. Fosse uma partida de futebol, numa grosseira alegoria, não seria demais afirmar que os bandidos “tocam a bola” e a PM “corre atrás dela” tendendo a se cansar e perder o jogo. Claro que, em sabendo desta realidade, e não a desconsiderando, a corporação deve estar estudando suas reais possibilidades de avançar montando UPPs sem descalçar a retaguarda apinhada de crimes vários: o asfalto elegante e periférico. Trata-se de providência importantíssima, de modo que não aconteça aqui o que houve em 1812 e os traficantes, por fim, lancem uma “sinfonia rap” cantando a vitória sem gastar munição nem perder efetivos e armas. Porque, malgrado o glamouroso avanço da PMERJ com as UPPs, os marginais continuam livres, leves e soltos como os exércitos russos no recuo vitorioso de 1812...

6 comentários:

NEIDE disse...

Realmente não acredito no acatamento por parte dos marginais em relação ao avanço das UPPS. Sabe-se que o que acontece mais parece um acordo tipo: não se mete no meu negócio que eu não me meto no seu trabalho. O asfalto é que sofre, pois, o índice de assaltos, invasões domiciliares e furtos aumentaram e muito. Eles sabem que os policiais estão cumprindo o seu dever nas comunidades como o nosso digníssimo governador assim decretou. Enquanto houver peneiras vão se tentar tapar o sol. E vamos caminhando que as eleições estão chegando e é nisso que eles estãO pensando.

Luiz Drummond disse...

Agradeço a deus todo dia por poder ler textos tão bem escritos e tão bem elaborados como os do Senhor, meus parabéns Emir..
Já disse aqui e repito você merece o cargo de SSP/RJ.
Quanto a UPP tem por trás também a questão eleitoral. Afinal ocupações permanenentes em favelas não são novidades. Já tivemos DPOs,GPAEs e Agora UPP, que ao meu ver das três é a que tem pior nomenclatura,ou melhor dizendo a mais eleitoreira.

Anônimo disse...

Emir troca isso é miudo o povão quer te entende?
Escreva mais simples para o povo do RJ. Tipo vc escreve para o jornal do Brasil, nós precisamos para jornal Extra, povão.

Paulo Xavier disse...

Gostaria de ater-me ao terceiro parágrafo. Fizeram comigo pior que ao Cabo Busnelo, ou seja, fui réu de homicídio por ter abatido a tiro um assaltante que acabara de cometer um assalto no centro de Niterói. Ao ser surpreendido e recebido voz de prisão, o meliante tentou evadir-se disparando sua arma em minha direção, não me restando outra alternativa senão revidar.
No meu caso foram três os bandidos, sendo que os outros dois foram presos em flagrante delito com armas e drogas no Morro do Estado, mesmo assim fui indiciado. A vítima do assalto, que parou a viatura policial meio da Av Amaral Peixoto quase à meia noite pedindo socorro, ao me ver sujo de sangue e a cara dos marginais, uma hora depois, tremeu na base e não reconheceu os bandidos, me deixando com cara de Amélia na frente do Delegado.
Realmente é bastante complicado ser PM nesse nosso Estado, principalmente se esta (PM) não tiver afinada com a Policia Civil. No meu julgamento, a Promotora de Justiça pediu minha absolvição, chamando-me de herói, fato raro em Tribunal do Júri, tendo sido acatada pelo Corpo de Jurados.
No caso do Cabo Busnelo, creio que a Drª Delegada preferiu lavar as mãos e deixar para a Justiça decidir.
Cel Larangeira, mais uma vez parabens pelo texto muito bem elaborado e elucidativo.

Paulo Xavier disse...

No comentário acima, onde se lê Cabo Busnelo, leia-se cabo Albarello.

Anônimo disse...

Eu e todos os moradores dos bairros que estão sendo assolados com tanta criminalidade e violência, precisamos urgentemente de ajuda, estes bairros são todos que ficam entre Bandeirantes e Santa Izabel, que ficam em São Gonçalo-RJ, aqui sempre foi um lugar pacato e bom para se viver, vivo aqui desde que nasci, mas após o início das operações no Rio, e implantação das UPPs, os bandidos que saem de lá sem serem presos, por que o BOPE avisa antes de chegar lá, estão vindo para cá, estão fazendo grande arruaça aqui, mortes, tiroteios, drogas, tudo que existia nas favelas do Rio trouxeram para cá, a cidade do Rio está ficando muito bonita sim, tranqüila e sem violência para a Copa e para as Olimpíadas, mas e São Gonçalo, mas e nossos bairros (Pachecos, Barracão, Sacramento, Meia Noite, Santa Izabel)? Como ficamos, não temos mas paz, estão andando armados a luz do dia, matando policiais todos os dias (por que isso não aparece em noticiários e jornais de grande porte? Por que será?), a guerra do Rio foi somente transferida para cá? Onde tudo fica escondido para que a Copa seja realizada com o Rio bem "maquiadinho"? Queremos solução, essa semana invadiram um DPO em Santa Izabel mataram um policial e cortaram as mãos de outros dois, assaltaram várias pessoas conhecidas (imaginem quantas mais que não conheço que também foram), cadê a justiça? Cadê a atenção para nos? Até quando São Gonçalo vai ficar largada, isso vai piorar para melhorar "a cara" do rio?
2) Há uns dias atrás no bairro de "Santa Izabel" o DPO foi atacada, segundo me foi notificado, coisa que todos os bairros próximos dizem, é que um dos três foi morto e os outros dois tiveram suas mãos cortadas, o DPO fica ao lado do CIEP.
Também está sendo divulgado pelos bairros que no bairro "Anaia" que fica próximo a Santa Izabel tem bandidos fortemente armados, andando até com granadas. E no bairro chamado de "Bichinho" também tem bandidos fortemente armados, andando assim a luz do dia. Pessoas estão sendo constantemente assaltadas por essas bandas.