sábado, 7 de agosto de 2010

Sobre a crítica


Muitas vezes recebo puxões de orelha por questionar sistemas e ações no âmbito da segurança pública. Claro que, ao criticar o funcionamento de algo, mesmo que não seja minha intenção, culmino desagradando a gregos e troianos que eventual ou permanentemente atuem nesse setor específico da vida pública. Contudo, não faço isso de agora nem contra ninguém especificamente. Não julgo pessoas. No máximo discordo delas, sempre respeitosamente. Trata-se de característica que carrego comigo desde que nasci e até por isso apanhei muita pancada na infância.
Sou teimoso e polêmico, sim! Não aceito nenhuma verdade absoluta. Mas não torço contra a polícia na sua árdua tarefa de conter o avanço da criminalidade, e vibro com as boas notícias do mesmo modo que abomino quaisquer desvios de conduta, desde que provados após o devido processo legal. O que não concordo é com o “castigo-espetáculo”: autoridades governamentais, (geralmente ocupantes de cargos políticos) em condenável destempero emocional, acusam, julgam e condenam seus agentes antes de qualquer apuração. A meu ver, isto é usurpação de função exclusiva das autoridades de polícia administrativa ou judiciária ou atropelamento das intransferíveis incumbências ministeriais e judiciais. Mas é como essas atônitas autoridades políticas reagem ante denúncias de desvio de conduta de policiais: lançam aos leões famintos da mídia os seus “bodes”, tais como os césares romanos jorravam cristãos nas arenas remotas, ou como os inquisidores torturavam e queimavam na estaca “hereges” e “bruxas”...
Hum... Nem comecei e já estou em digressão crítica... Que fazer?... Voltemos ao tema central... Para mim, que vivo de conceitos e comparações, hoje aposentado da prática, mas participativo por dever de ofício e juramento de honra, tudo que há no mundo é relativo e exige permanente correção de rumo ou até ruptura (destruição), desde que objetivando acertar mais à frente (reconstrução). Nem mesmo a matemática, na minha ótica, representa a verdade absoluta, opinião que mantenho em relação a qualquer outra ciência natural ou social.
Hoje, aficionado por física quântica, da qual nada entendo, porém leio muita coisa afim, posso leigamente dizer que consigo pelo menos alcançar o significado de algumas indagações fundamentais. Destaco a gravada por Brian Greene, graduado em Harvard, escritor, com doutorado em Oxford, professor de física e matemática na Universidade de Columbia, logo na primeira página de sua obra O tecido do cosmo: “O que é a realidade? Nós, seres humanos, só temos acesso às experiências internas da percepção e do pensamento. Como podemos, então, estar certos de que essas experiências internas refletem verdadeiramente o mundo exterior?”
Portanto, quando questiono algo, sei que me integro ao universo questionado e sou por ele influenciado; jamais me sinto observador distante, isento e detentor da verdade, o que não me impede de discordar das opiniões alheias ou até de mim mesmo. Sim, porque gosto do contraponto, amo contraditar e detesto os “donos da verdade” que em cargos públicos se utilizam da eloquência, mormente para enganar. Incomoda-me a máxima de Joseph Goebells: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade.” E mais ainda me repugna o que ele fez no seu Ministério Nacional para Esclarecimento Público e Propaganda, a partir de onde criou o mito do Führer e o rígido controle da imprensa, do rádio, do teatro, dos filmes, da literatura, da música, e até das belas artes.
Com efeito, nada fugia ao ignominioso ministro da propaganda nazista, como atualmente nada escapa aos controladores dos meios de comunicação de massa (agências de publicidade e formadores de opinião), com uma única diferença: o que se fazia antigamente em razão de poderes desmedidos (prática ainda viva em muitos países totalitários), hoje se consegue por meio do dinheiro público sustentando a mídia particular. E as mentiras estatais são repetidas “mil vezes”, a ponto de efetivamente se tornarem “verdades insofismáveis”... E por aí segue a mentira a se tornar “verdade”, em sensacional propagação midiática a iludir uma coletividade afetada por mensagens subliminares de novelas voltadas “para o social”... Porque a telinha da tevê não deixa espaço pra ninguém pensar. A emoção explorada ao extremo da choradeira abrange também o noticiário não menos novelesco a influenciar o ouvinte, o telespectador e o leitor, tornando-os massa de manobra...
A imagem que se projeta para o interior de cada um (em percepções individuais sujeitas a desequilíbrios e injustiças) vem sempre de fora; e é rebuscada e fundada em técnicas de convencimento que têm na repetição sistemática um de seus magníficos segredos (Beba Coca Cola!). Para nós, pensantes, que em maioria não somos afeitos ao pensar, o mundo exterior é aquele que não vivenciamos, mas adotamos maciçamente como “moda” por via da difusão massiva do pensamento de terceiros que nos leva a ações coletivas automatizadas. Sim, somos escravos de ideologias. Tornamo-nos um exército de robôs, meros joguetes da propaganda, escravos de influências alheias muita vez inconfessáveis. Claro que, em sendo contestador incorrigível, e pelos motivos expostos, sofro na carne e no espírito as consequências de minha resistência, que são muitas e ruins ao longo da minha vida. Até me seria difícil exemplificar esse meu comportamento que já me rendeu apelidos curiosos (“Galinho Garnizé”, “Boca de Encrenca” etc.).
Tudo bem, não nego que por vez, ou muita vez, ou toda vez, eu sou um chato; até me lembra aqui uma época em que, major, eu respondia interinamente pela chefia da PM.5 (5ª Seção do Estado-Maior Geral – Relações Públicas e Assuntos Civis) e participava das inspeções do EMG nas Unidades Operacionais. O coronel chefe do EMG costumava fazer uma cansativa palestra ao final da inspeção, após o que íamos ao almoço fora de horário. Certa vez, no retorno do 14º BPM ao quartel-general (Deveria ser “quartel-coronel”, na PMERJ não há general...), o chefe do EMG me indagou sobre o que achei da fala dele, certo de que receberia de mim um afago. Respondi-lhe que não achei nada porque estava morto de fome e não lhe prestei atenção. Ele estendera a fala até 14h:30min, deixando toda a platéia faminta e visivelmente irritada. Ele ficou fulo: esperava o elogio que não lhe fiz. Claro que não fui muito longe com ele: pouco tempo depois, de pomposo chefe interino da PM.5 fui rebaixado a chefe da P.5 do 12º BPM (função de tenente); ainda retardei minha promoção a TCel no ano em questão: figurei na rabeira da lista (rsrsrs). Pior é que não me arrependi, não me arrependo, e faria tudo novamente...
Mas, voltando ao tema, quando questiono alguma coisa, penso estar colaborando com o futuro. No caso específico das UPPs, já disse e reitero que não sou contra a implantação delas. Preocupa-me, todavia, o desfecho desse programa tornado “mito” a lembrar um apoteótico encontro do velocino de ouro ... Tivesse a PMERJ um manancial de meios materiais e humanos capaz de manter indefinidamente o programa, além de ampliá-lo, eu estaria sereno, sem remorso, e ficaria em quietude. Ocorre que a realidade é outra, e efetivamente me induz a pensar num exército avançando sem preocupação com retaguarda (logística) a garantir a reposição de meios que sabemos limitados. Demais, temo ainda que a entropia afete esse sistema distanciado da realidade dos inevitáveis conflitos nas relações entre comunidades e PMs. Nada demais, no mundo inteiro o trabalho da polícia é antipático, na medida em que a coerção policial é fator corriqueiro. Cá pra nós, não há de ser diferente nas favelas, por mais que a mídia exalte os fatores positivos e ignore os negativos, tornando ilusão uma realidade que tende a aflorar independentemente dessas exageradas exaltações.
Numa visão otimista e cômoda, todavia, poderíamos nos associar à mídia e aplaudir as UPPs como importante novidade operacional e fim de conversa. Mas o assunto está longe de ser simplório. Ele demanda observação constante e exige planos alternativos, caso o fôlego da corporação se esgote de caminho, o que é, a meu ver, uma real possibilidade, embora eu não saiba exatamente o que seja real neste mundo, tal como sugere Brian Greene. Por conseguinte, minha crítica tem valor relativo e pode até ser inútil em vista de posicionamentos e decisões futuras as quais desconheço.
Contudo, infiro minhas conclusões do que leio, ouço e vejo, e me preocupa o excesso de ufanismo com as UPPs, malgrado as reiteradas explicações de falhas e afastamento sumário de PMs antes afagados como autênticos guerreiros espartanos, estes que foram valentes, salvaram Atenas do avanço persa, mas culminaram mortos na desigual Batalha das Termópilas (480 a. C). Também me ocorre lembrar o título do romance de Deonisio da Silva (Avante soldados: para trás), por conta do fiasco das tropas nacionais que avançaram para o interior do Brasil pensando ir em direção ao território inimigo na Guerra do Paraguai. Otimista, então, torço para que o sonho (ou a realidade) das UPPs não termine em derrota. Mas, caso ocorra (UPP é apenas uma modalidade de batalha dentre muitas travadas diariamente contra facínoras contumazes), que a PMERJ seja a Atenas de hoje sagrando-se vencedora do crime enquanto o último PM ainda respirar!...

2 comentários:

NEIDE disse...

Sabe! Concordo apenas que quando a imprensa, os governantes dizem e divulgam mil vezes a mesma mentira, o povo acaba acatando tais fatos como verdade não devido a sua veracidade, mas sim devido ao fato de que se cansaram de lutar e de terem a certeza de que aquele que está no poder dificilmente quase raramente, nunca será punido e a mentira prevalecerá sem danos aos mesmos. Olhem o caso do rapaz Rafael. A imprensa continua a divulgar oa nomes dos policiais "culpados" de corrupção, pois, já lhes lançaram a culpa como se o fato em si só se resumisse a isso. O que o motorista fez e depois com a ajuda recebida do seu "ilustríssimo pai" para tentar reverter a culpa unica e exclusivamente para os policiais, não se comenta. Não dá ibope. Não vende exemplares.

Paulo Xavier disse...

Acabei de fazer uma boa leitura! Infelizmente somos um país que não lê. Neste artigo vi um pouco de segurança pública, psicologia, sociologia, filosofia e pasmem física quântica. Outro dia um colega de trabalho perguntou-me o que eu entendia de física quântica, respondi-lhe, nada, porém acrescentei que isso era o efeito ou estudo dos fenômenos provocados pelo bater das asas de uma borboleta na Amazônia, com efeitos na Ásia, só que ninguém percebe. O colega ficou olhando pra mim com cara de babaca!
Sobre as UPPs já comentei aqui que é cobertor curto, protege-se algumas comunidades expulsando alguns bandidos, que vão fazer suas artes em outras freguesias.
Sobre disciplina militar, esse assunto é por demais interessante. Conheci PMs muito disciplinados que só sabiam falar "sim senhor meu chefe", passaram 30 anos carregando papel dentro do batalhão, tremiam quando seguravam uma arma. Imagino esses "colegas" hoje reformados, com medo de atender a um chamado no portão de sua casa, medo de participar de um evento qualquer em sua comunidade, medo de postar um comentário em um blog pertinente à sua classe.
Gostaria de perguntar: Qual foi a contribuição que esse policial deu à sociedade? Respondo. Nenhuma.
Cel Larangeira, eu também ficava puto da vida quando entrava de serviço no Patamo, e recebia ordem para prender "bicheiro", enquanto o crime estava comendo solto na cidade. Eu mesmo fazia levantamentos sobre áreas com grande incidência de roubo, tráfico de drogas, furto, etc, prendi muito bandido, fui até homenageado por isso, mas o resto da história o sr já sabe.
Vou ficando por aqui desejando um "Feliz dia dos Pais" a todos, inclusive aos que não gostaram do meu comentário . Meu filho está em alto mar extraindo petróleo e já me ligou bem cedo. Parabéns a todos!